Ditadura militar: repressão
Nos momentos de instabilidade política, um Estado de perfil autoritário se apressa em nomear seus inimigos: anarquistas, comunistas, integralistas, feministas, terroristas. Serão eles os alvos prioritários da política repressiva.
O Brasil vivenciou dois momentos
críticos de ditadura que cercearam o exercício da democracia: durante o Estado
Novo comandado por Getúlio Vargas (1937-1945) e durante a ditadura militar
(1964-1985). Em ambos os períodos, a sociedade brasileira esteve sob a tutela
de um Estado que agiu apoiado por um conjunto de aparelhos repressivos cuja
ação trouxe graves conseqüências para o país.
Tanto durante a ditadura
estadonovista quanto sob os militares, o Estado procurava evitar que ocorresse
uma suposta revolução político-social no Brasil. Para reforçar esta missão, nos
dois momentos foi criada uma polícia especial que deveria identificar e coibir
reações políticas adversas, armadas ou não, que colocassem em perigo “a ordem e
a segurança públicas”. Uma legislação específica para legitimar a repressão foi
aprovada em 1935, e voltou a ser invocada na ditadura militar. Ela incluía a
Lei de Segurança Nacional (LSN), o Tribunal de Segurança Nacional (TSN) e as
figuras do Estado de Sítio e do Estado de Guerra. A LSN foi promulgada em 1935,
definindo os crimes de ordem política e social. Em 1936, a LSN foi reforçada
pela criação do Tribunal de Segurança Nacional, órgão da justiça militar cujo
foco se voltou para os comunistas envolvidos com o fracassado levante de
novembro de 1935. Entre setembro de 1936 e dezembro de 1937, 1,420 pessoas
foram sentenciadas por este tribunal de exceção.
Após o golpe de 1964, as
atividades da Polícia Política foram (re)orientadas pelos Atos Institucionais e
pela outorga da Constituição de 1967 que, no seu conjunto, (re)instalaram o
Estado de Segurança Nacional, Criou-se também uma rede de informações de
combate à subversão, preconizada pela “Doutrina de Segurança Nacional”. Todos
os demais órgãos repressivos estavam subordinados ao Serviço Nacional de
Informações (SNI). Importante função foi delegada ao Departamento de Operações
de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna – o conhecido DOI-Codi –
no qual se concentraram representantes de todas as forças policiais.
Assim, a tradicional lógica da
desconfiança estava agora armada por uma logística militar, oferecendo
estratégias adequadas aos agentes da repressão interessados em aniquilar os
grupos revolucionários. Preocupadas em comprovar o crime político, as
autoridades procuravam manter a população sob constante vigilância. Agentes
produziam informações que eram direcionadas ao SNI e aos órgãos de
inteligências militares (Ciex, Cisa e Cenimar). Órgãos de repressão
subordinados ao staff do regime foram
instalados por todo o país sob a coordenação de um militar assessorado por uma
elite de informantes. Agentes invisíveis emergiram de todos os poros da
sociedade, que passou a viver em constante estado de alerta. Associações
identificadas com as ideologias conservadoras – como a Tradição, Família e
Propriedade (TFP), o Comando Geral Democrático e o Comando de Caça aos
Comunistas – começaram a cooperar com o regime na luta contra o inimigo-maior:
os comunistas. Outras informações eram obtidas sob tortura ou através de
delações anônimas. A morte clandestina, as extorções generalizadas e a
arbitrariedade tomaram conta dos porões do DOI-Codi após 1964.
Dentre os profissionais mais
visados como “subversivos da ordem” estavam jornalistas, escritores, artistas,
músicos, estudantes, livreiros, gráficos e editores. Com base na Lei de
Segurança Nacional, cabia às autoridades policiais desvelarem os segredos
daqueles que, como arquitetos de um complô verdadeiro ou imaginário, viessem a
minar a ordem estabelecida. Para isso, confiscou-se grande número de
fotografias, correspondência particular, catálogos, periódicos, livros e
objetos pessoais, todos devidamente anexados aos autos de investigação.
Sucederam-se prisões ilegais de
suspeitos, perseguições aos familiares, censura postal, invasões de domicílios,
deportações de estrangeiros, tortura e morte nos cárceres. Toda e qualquer
arbitrariedade era justificada pela lógica da desconfiança. Os militares
assumiram o papel de condutores da nação, afastando os civis das esferas de
decisões políticas e transformando-os em meros coadjuvantes. A dor e o terror
tornaram-se estratégias de controle das multidões.
[...]
Já vivemos tempos sombrios, e não
queremos que ressurjam. Cabe ao historiador, consciente dos silêncios
propositais, desconstruir as versões divulgadas por qualquer Estado
autoritário. Como num quebra-cabeças, nem todas as peças se encaixam. Registros
comprometedores são escondidos e eliminados. Interessa ao autoritarismo que a
história continue mal escrita.
Maria Luiza Tucci Carneiro.
“Quando um país se apequena”. In: Revista
de História da Biblioteca Nacional.Ano 9 / Nº 103 / 2014. p. 22-25.
NOTA: O texto "Ditadura no Brasil: do Estado Novo à ditadura militar" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a
construção do conhecimento histórico.
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