"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 18 de junho de 2014

O Carnaval na Época Moderna: a festa de todos

Pouca coisa é mais característica da cultura popular europeia do que a festa, estando aí incluídas as festas familiares, como os casamentos, e as festas públicas, como as dos santos padroeiros das comunidades e paróquias. Além disso, havia as peregrinações a lugares considerados santos e as festas comuns à maioria dos europeus, independentemente do país ou região, como os eventos religiosos (a Páscoa, o Natal, o Ano-Novo ou o Dia de Reis).


O enterro da sardinha, Francisco Goya

Esses momentos de diversão - assim como hoje - eram, também, situações de desperdício, onde se gastava em poucos dias o que poderia ser o sustento da família por muitos meses. Mas nada disso parecia importar, inclusive aos pobres, que pareciam viver espremidos entre a lembrança da festa passada e a expectativa da próxima [...].

Apesar de todo esse extenso e variado elenco de festas e rituais, especialmente na Europa meridional, o Carnaval deve ser destacado como a festa popular por excelência. Assim como hoje, era no Carnaval que as pessoas pareciam livres para praticar o que desejavam em pensamento. Começando em janeiro, ou mesmo em dezembro, a euforia crescia quando se aproximava a Quaresma, enquanto toda a cidade virava uma espécie de imenso teatro a céu aberto em que atores e espectadores trocavam seus papéis e eram representados pelas mesmas personagens.


Carnaval em Roma, Johannes Lingelbach

Uma das marcas do Carnaval era o exagerado consumo de alimentos e bebidas. Bebia-se como se o fim do mundo parecesse próximo e como se nunca mais fosse possível embebedar-se. Aqui, excepcionalmente, homens e mulheres estavam juntos, muitas vezes trocando de roupa entre si, ostentando máscaras e fantasias de papas, cardeais, padres, demônios, arlequins, magistrados, bobos e até animais selvagens. E o próprio Carnaval, assim como o rei Momo da atualidade, era representado por um homem gordo, adornado por salsichas, aves, coelhos e acompanhado, como na Itália, por um grande caldeirão de macarrão. Quanto à Quaresma, sua forma mais popular de representação era a de uma velhinha magricela, vestindo roupas pretas enfeitadas de peixe.

O Carnaval era mais popular na área mediterrânica, envolvendo a Itália, a Espanha e a França, tinha menos força na Europa central e era menos expressivo na Grã-Bretanha e Escandinávia, talvez por causa do frio, que desestimulava eventos em locais abertos.


Corredores sem cavaleiro em Roma, Jean Louis Théodore Géricault

Os temas predominantes no Carnaval eram a comida, o sexo e a violência. A comida pode ser exemplificada com o desfile de uma salsicha imensa, cujos duzentos quilos eram suportados por quase cem açougueiros alemães. O sexo, cuja ocorrência aumentava significativamente no Carnaval, pode ser exemplificado por um imenso falo de madeira carregado pelas ruas de Nápoles. Quanto à violência, ela exprimia-se na permissão de xingamentos e profanações ou na agressão direta de animais e pessoas, sobre quem eram descarregados velhos e persistentes rancores. Por conta disso, os assassinatos cresciam de Moscou a Veneza, de Paris a Londres, onde hordas armadas de paus, pedras, marretas e outras ferramentas saqueavam lojas e teatros e atacavam os bordéis.

[...]

MICELI, Paulo. História moderna. São Paulo: Contexto, 2013. p. 130-132.


NOTA: O texto "O Carnaval na Época Moderna: a festa de todos" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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