Cartaz bolchevique, 1922
No final de 1916, muitas das forças em guerra passavam por um momento de descontentamento tão generalizado que havia a possibilidade de motins. O número de baixas aumentava, as trincheiras no inverno tornavam-se abomináveis e uma vitória absoluta já não parecia ao alcance de nenhuma das partes. O moral baixo das forças armadas contaminava a população civil, e as cartas escritas pelos soldados - mesmo quando censuradas - aumentavam ainda mais as dúvidas em seus lares. O primeiro exército a desintegrar-se poderia determinar o resultado da guerra.
As forças russas foram as primeiras a se enfraquecer. A perda de oficiais no primeiro mês de guerra havia sido alta. Devido ao bloqueio nos Bálcãs e no Estreito de Dardanelos, não chegavam a elas os suprimentos necessários, enviados por seus aliados do além-mar. Muitos soldados russos não possuíam rifles nem calçados e, em diversos pontos da extrema fronteira que ia dos Bálcãs ao Mar Negro, estes vinham sendo obrigados pelos alemães e pelos austro-húngaros a recuar lentamente. A imprensa em Paris e Londres raramente relatava notícias perturbadoras, como o fato de soldados russos, aliados seus, ficarem contentes por tornarem-se prisioneiros de guerra e de quase 1 milhão ter desertado.
Czar Nicolau II revista suas tropas durante a 1ª Guerra Mundial. Foto: Foto: Bruckmann, F
O enfraquecimento do exército agravava a terrível atmosfera de medo e descontentamento na Rússia. O povo, como um todo, era muito patriótico, mas via a nação diante da perspectiva de ser derrotada no terceiro conflito seguido. Após perder a Guerra da Crimeia, na década de 1850, e a guerra contra o Japão, em 1905, a Rússia enfrentava uma situação ainda mais triste. Nenhuma grande nação, no último século, havia sofrido uma derrota tripla.
A família real, foco tradicional da lealdade, desapontou os legalistas. O czar Nicolau II, comandante-chefe das forças armadas, perdia a popularidade a passos largos. Sua mulher, Alexandra, a czarina, também cada vez menos popular, era cativa voluntária do carismático monge Rasputin, cujos poderes curativos pareciam surtir efeito sobre o filho dela. Nas cidades, os suprimentos de comida e combustível eram irregulares. No final de 1916, levantes ocorridos nas indústrias eram frequentes.
Revolucionários protestando, fevereiro de 1917.
Fotógrafo desconhecido
Com tantos homens no front, a quebra na rotina das atividades econômicas diárias tornou-se aguda. A inflação crescia muito mais do que os salários. Entre 1913 e 1917, o preço da farinha triplicou, o do sal quintuplicou e o da manteiga aumentou mais de oito vezes. Muitas famílias passavam ainda mais fome do que nos períodos de paz, em parte porque as estradas de ferro não davam conta de carregar, ao mesmo tempo, comida e suprimentos de guerra.
Tropas russas esperando um ataque alemão em uma trincheira. Foto: George H. Mewes
Era comum ver longas filas de donas de casa, empregadas e crianças esperando sob neve e granizo no lado de fora das padarias, na esperança de comprar pão. A comida era também escassa na Alemanha e na Grã-Bretanha, mas esses países haviam sabiamente delineado sistemas de racionamento que incluíam todos os cidadãos. A Rússia era diferente. Habilidosa no racionamento da liberdade, a nação foi incapaz de lidar com a tarefa mais simples de racionar farinha e açúcar de modo que todos pudessem ter sua parte. A inaptidão administrativa em muitas esferas da vida nacional causava descontentamento.
O czar tentou suprimir os sinais da revolução retirando oficiais e soldados leais da linha de frente do combate. Os ferroviários se negaram a transportá-los. Em março de 1917, Nicolau II foi obrigado a abdicar. Uma coalizão de cidadãos, incluindo um dos homens mais ricos da Rússia, formou um novo ministério na esperança de vencer a guerra e revitalizar a nação. Reformistas - e não revolucionários - ofereceram esperança. No entanto, seus principais oponentes, membros do extremamente organizado partido bolchevique, haviam decidido que seriam os únicos a dar esperança ao povo.
O líder dos bolcheviques, o intelectual conhecido como Lenin - pseudônimo adotado em 1901 - estava exilado, tendo vivido por períodos variados na Inglaterra, na França, na Áustria e na Suíça. Forte e elegante, era um homem de altura pouco abaixo da média, com testa larga, queixo firme e talento para discursos vigorosos. Lenin traçou estratégias astutas para seu partido e tirou vantagem das poucas oportunidades que se lhe apresentaram. Porém ainda não ousava retornar à Rússia em carne e osso.
Lenin discursando para as tropas do Exército Vermelho, Sverdlov Square, Moscou, 5 de maio de 1920.
Foto: Goldshtein G.
Por fim, em abril de 1917, com o dinheiro e a bênção oficial da Alemanha, Lenin e alguns companheiros viajaram em um vagão ferroviário protegido, deixando o exílio na Suíça, passando pela guerra na Alemanha, atravessando os Bálcãs em uma balsa até a Finlândia russa e chegando de trem a São Petersburgo, onde foram recepcionados alegremente pelos bolcheviques. Liderando as manobras políticas, Lenin trabalhou diligentemente para fundar o que chamava de "uma ditadura revolucionário-democrática do proletariado e da classe camponesa". Seu desejo era realizar uma revolução em seu país natal, para depois estendê-la a outros países. Prosseguir com a guerra não era de seu interesse: na verdade, ele a via como uma distração perigosa. Por isso, o governo alemão secretamente lhe dera dinheiro e o mandara para casa: o sucesso de Lenin serviria a seus propósitos.
Lênin na fábrica Putilov em maio de 1917, Isaak Brodsky
Kerensky, o ministro da Guerra do novo governo, esperava que um último apelo ao patriotismo russo resultasse em vitórias no front oriental. Até mesmo viajou de automóvel com o general Brusiloff pelas linhas de combate, na esperança de incentivar os soldados russos a repelir o inimigo em uma última ofensiva triunfante. O contra-ataque russo falhou. Os alemães avançaram, encontrando cada vez menos resistência. Muitos soldados russos simplesmente se desfizeram de seus rifles. Muitos nem sequer possuíam um rifle.
Na França e na Grã-Bretanha, havia a preocupação de que os bolcheviques pudessem tomar o controle e retirar as forças russas da guerra. Mas talvez a balança pudesse ser desequilibrada se os judeus russos, em grande número e alguns dos quais poderosos dentro dos novos movimentos políticos, fossem convencidos a continuar lutando contra a Alemanha. Uma oferta tentadora foi feita. Em 2 de novembro de 1917, pouco antes de os bolcheviques tomarem o poder, o secretário do Exterior britânico Arthur Balfour declarou que, depois que a guerra terminasse, seu país apoiaria a criação de uma nova pátria judaica na Palestina. Delegados judeus foram enviados a São Petersburgo para anunciar o que mais tarde viria a ser conhecido como Declaração Balfour. O Oriente Médio jamais seria o mesmo, pois Balfour cumpriu a promessa.
Ataque da polícia czarista durante os primeiros dias da revolução de março de 1917.
Foto: Autor desconhecido
O comandante das forças russas não conseguiu controlar os bolcheviques e outros agitadores, que, em seus dias de maior eficácia, praticamente tomaram as ruas da capital. Lenin, que durante o tumulto retirara-se para um esconderijo na Finlândia, preparou-se para aproveitar o caos que havia ajudado a criar. Retornou a São Petersburgo disfarçado, com a barba cortada e uma peruca cobrindo a calvície. Na noite de 6 de novembro, escreveu uma mensagem urgente aos camaradas mais experientes: "Precisamos a todo custo, na noite de hoje, tomar o governo."
Ao longo da noite, seus homens - preparados pelo hábil Leon Trotsky - tomaram estações de trem, correios, a companhia telefônica, bancos, centrais elétricas, pontes importantes sobre canais e rios e todos os centros nervosos da capital. Em Moscou, o Kremlin foi dominado. No controle de muitas cidades, Lenin se tornou oficialmente o líder do primeiro Conselho de Comissários do Povo.
Embora ela tivesse vencido, o perigo de um contra-ataque por parte de seus inimigos era grande. Os camponeses - os quais formavam a maior parte da população russa - provavelmente se oporiam a um governo comunista. Mas o líder estava um passo à frente. Havia prometido a eles terras gratuitas, embora não acreditasse na propriedade privada. Ao oferecer terras e ao mesmo tempo deixar de pagar aos grandes latifundiários pelas propriedades confiscadas, agradava aos camponeses e aos radicais da cidade. Assim, os comunistas, como passaram a se denominar, tornaram-se promotores do capitalismo rural.
Lenin estava determinado a tirar a Rússia da guerra. Queria paz, para poder construir uma sociedade revolucionária que inspirasse os socialistas de toda a Europa. Ainda assim, a assinatura de um tratado de paz com a Alemanha e a Turquia, em março de 1918, na cidade de Brest-Litovsk, no oeste da Rússia, representou um golpe humilhante para os patriotas russos. Partes do território do país passaram às mãos da Alemanha, da Romênia e da Turquia. Por algum tempo, até mesmo a Ucrânia e a Geórgia foram perdidas, embora tenham sido mais tarde retomadas. Logo a Polônia, a Finlândia e as três províncias bálticas de Letônia, Estônia e Lituânia se tornaram nações independentes. O fato de uma vasta extensão de áreas produtoras de grãos ter saído do domínio de Lenin agravou a escassez de comida na nova terra dos experimentos.
BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 65-69.
NOTA: O texto "A 1ª Guerra Mundial: As revoluções [Parte VI]" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a
construção do conhecimento histórico.
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