Desde o século XVIII os
mercadores ocidentais dedicavam-se ao rendoso comércio de ópio com a China. O
consumo dessa droga tornara-se tão generalizado no país, que ela vinha sendo
utilizada como moeda no pagamento das exportações chinesas. Se tal substituição
constituía uma excelente forma de favorecer a balança comercial dos países
ocidentais, seus efeitos sobre a população chinesa eram, ao contrário,
extremamente desastrosos. O uso do ópio afetava sobretudo as camadas mais
pobres da população, sujeitas a um violento processo de desgaste moral e de
debilitação orgânica. Em 1800, um edito imperial proibia a entrada de ópio no
país, mas essa medida não impediu que os navios ocidentais continuassem a introduzir,
clandestinamente, grandes quantidades da droga na China. A parcela mais
significativa desse tráfico era realizada pela Inglaterra, por meio da
Companhia das Índias, proprietária de extensas plantações de ópio na Índia.
Século XVIII (Royal Irish). Regimento de infantaria no
assalto dos fortes de Amoy, 26 de agosto de 1841. Michael
Angelo Hayes (artista) e James Henry Lynch (litografia).
Em 1839, o governo de Pequim
enviou o emissário imperial Lin Tse-hsu a Cantão com a missão de pôr fim ao
nefasto contrabando de ópio. Apoiado pelas tropas locais, esse funcionário
confiscou o ópio que os comerciantes ocidentais transportavam em seus navios,
apreendendo e queimando mais de 20.000 caixas de droga. Refugiando-se em Macau
e, depois, em Hong-Kong, os comerciantes ocidentais protestaram energicamente
contra a ação do governo chinês e anunciaram sua intenção de não retornar a
Cantão enquanto o governo britânico não tomasse medidas que assegurassem tanto
a sua proteção pessoal como a de seus bens. A Inglaterra não poderia desejar
melhor oportunidade para concretizar tão almejada invasão da China; e, usando
como pretexto a necessidade de garantir os comerciantes britânicos, desencadeou
a chamada “guerra do ópio”.
Chineses fumando ópio. Arnold Wright
Em 1840, tropas inglesas,
comandadas pelo coronel Henry Pottinger, desembarcaram na China e venceram
facilmente a fraca resistência oferecida pelo seu exército, que não dispunha de
armas modernas. Depois de tomarem Shangai, as forças invasoras prosseguiram sem
maiores problemas até Nanquim, onde, em 29 de agosto de 1842, forçaram o
governo imperial a assinar um tratado com a Inglaterra. Por esse acordo
estabelecia-se a abertura de mais quatro portos chineses ao comércio
internacional – Shangai, Amoi, Fuchow e Ning-po – além do de Cantão. Nesses
portos, os ingleses poderiam instalar suas residências e representações
consulares, tendo permissão também para negociar diretamente com os
comerciantes chineses, o que abolia o monopólio comercial da Co Hong. Além
disso, a Inglaterra adquiriu a ilha de Hong-Kong, sobre a qual passou a ter
plena soberania.
Outros acordos, complementares ao
tratado de Nanquim, impuseram aos chineses a criação de tribunais consulares
nos Portos do Tratado (denominação dada aos novos postos que haviam sido
abertos ao comércio com a Inglaterra), com competência para julgar, segundo as
leis inglesas, todos os cidadãos britânicos acusados de crimes cometidos em
território chinês. Reconhecia-se, assim, de fato, a extraterritorialidade dos
centros comerciais ingleses na China, embora tal cláusula não estivesse contida
explicitamente nos contratos.
Seguindo o caminho aberto pela
Inglaterra, penetraram na China outras potências ocidentais, uma vez que o governo
britânico não manifestara a intenção de garantir para si o monopólio do Celeste
Império. Nesse sentido, o Lorde Robert Salisbury – político conservador inglês
que, durante a segunda metade do século XIX, ocupou por várias vezes os cargos
de ministro das Relações Exteriores e de primeiro-ministro – expressou com
clareza a posição britânica em relação ao Extremo Oriente: “Na Ásia há lugar
para todos”. Assim, não houve qualquer problema internacional quando, em 1844,
emissários franceses e norte-americanos obtiveram do governo chinês tratados
semelhantes ao de Nanquim.
O emissário francês obteve também
do imperador um edito de tolerância em favor dos católicos, que dois anos
depois foi estendido aos protestantes. Por esses tratados, os missionários
ficavam proibidos de sair dos limites das cinco cidades portuárias abertas ao
comércio com o Ocidente. Mas, aproveitando-se de sua condição de estrangeiros,
que os punha a salvo da jurisdição chinesa, os missionários penetraram no
interior do país. E, quando as autoridades chinesas os aprisionavam, eram
conduzidos à mais próxima legação diplomática de um país ocidental, onde nunca
sofriam qualquer punição porque não podiam ser considerados criminosos pelas
leis de seus países. Dessa forma, os religiosos ficavam livres para retomar
suas atividades no interior do país.
Quebrou-se assim o secular
isolamento do Império Chinês que, incapaz de enfrentar a superioridade militar
dos países ocidentais e de não aceitar suas imposições, teve de ceder até mesmo
ante os que não recorreram à força. Tais acontecimentos refletiram-se em alguns
setores do governo chinês, que passaram a propor, entre outras coisas, a
assimilação da técnica militar das potências ocidentais, a fim de poder
enfrentá-las em pé de igualdade, argumentando que a força era a única linguagem
compreendida pelos europeus. Os defensores dessa teoria, que estavam em franca
minoria nos meios governamentais, foram derrotados pelo conservadorismo dos
membros da dinastia Manchu e dos mandarins. Presos à velha tradição de não
manter contato com estrangeiros, esses elementos conservadores pretendiam
controlar a penetração dos ocidentais fazendo-lhes algumas concessões e, ao
mesmo tempo, manipulando-os por meio da mentira ou da astúcia, conforme a
situação o exigisse. Tal estratégia, no entanto, revelou-se demasiadamente
ingênua ante a firme determinação das potências ocidentais no sentido de
intensificar a exploração do comércio com a China, sobretudo considerando-se
que esta se apoiava no poder das armas.
HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES. São Paulo: Abril Cultural, 1975. p.
146-148. Volume V.
NOTA: O texto "A Guerra do Ópio" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a
construção do conhecimento histórico.
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