"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 2 de maio de 2014

A 1ª Guerra Mundial: Cronograma [Parte II]

O pensador, William Orpen

Os conflitos começaram em 1914, com uma mistura estranha de otimismo e pessimismo. Antevia-se que a perda de vidas poderia ser grande, mas em compensação o conflito seria breve. Tal previsão, amplamente disseminada, surgiu em parte pelo fato de todas as últimas guerras ocorridas na Europa terem sido rápidas. O último conflito europeu envolvendo duas potências – França e Prússia, iniciado em 1870 – fora praticamente vencido dentro de poucos meses com a ajuda de ferrovias, do telégrafo e de armas modernas. A crença de que a contenda terminaria antes do natal, ou a menos logo depois, foi acentuada pela sensação de que nem as pessoas nem os sofisticados sistemas bancário e financeiro agüentariam sustentar uma guerra longa. Previa-se que a crescente escassez de comida e material bélico estimularia os líderes nacionais a buscar a paz.

Como se esperava que o resultado fosse determinado pelas primeiras batalhas, os diversos aliados precisavam estar prontos para auxiliar uns aos outros em curto prazo. O breve espaço de tempo entre a declaração de guerra e o envio dos exércitos à fronteira e das esquadras ao mar é considerado por alguns historiadores como mais uma causa do conflito. Entretanto, na verdade, tal cronograma foi resultado da crença de que o embate era quase inevitável e de que seria curto: os retardatários pagariam um alto preço, sendo subjugados antes que tivessem tempo de se preparar. A guerra começou em 28 de julho de 1914 com um pequeno conflito entre a Áustria e a Sérvia – sendo os sérvios os supostos culpados. Nos sete dias seguintes, aliados se juntaram aos dois países. A Alemanha lutou ao lado da Áustria; França, Rússia e Grã-Bretanha formaram outra aliança. Em uma semana, cinco grandes potências e diversas outras menores estavam lutando ou prestes a lutar, desde o Mar do Norte até as planícies da Polônia e as montanhas da Hungria, enquanto as batalhas navais aconteciam em lugares longínquos, como o Mar da China, a extremidade fria da América do Sul e os portos das ilhas tropicais do Pacífico.

Países que eram meros espectadores escolhiam cuidadosamente o momento apropriado para consolidar sua posição. Deveriam entrar naquela que já era chamada de Grande Guerra ou manter-se neutro? No primeiro mês depois da eclosão do conflito, o Japão se posicionou contra a Alemanha, empregando o melhor de sua marinha, mas recusando o envio de um exército para a Europa. Em novembro de 1914, os turcos se juntaram ao lado alemão e, no mês de maio seguinte, a Itália – para surpresa de muitos – aliou-se ao outro lado. Outras nações foram aos poucos aderindo à guerra, algumas tendo adiado a decisão até 1918. Quanto mais numerosos os países que se juntavam à luta, mais difícil se tornava a tarefa de reunir todos eles em uma negociação de paz.

Na primeira semana, arroubos de nacionalismo estavam em efervescência, excedendo as expectativas. Em centenas de vilarejos, ocorreram encontros para incitação ao nacionalismo. No primeiro domingo, os sinos das igrejas badalaram incontáveis vezes e sacerdotes pregaram sermões patrióticos. A eclosão da guerra foi louvada por um historiador alemã como um momento “da mais profunda alegria”, enquanto o jovem poeta inglês Rupert Brooke escreveu:

Agora, demos graças a Deus
Que nos acertou com Sua hora.

Brooke, um oficial da marinha, seria enterrado em uma ilha mediterrânea no primeiro ano da guerra.

Esperava-se que sindicatos e partidos trabalhistas em alguns dos países em combate se manifestassem contra a guerra. Em vez disso, a maior parte de seus membros mais jovens se alistou ou aceitou tranquilamente a convocação. O patriotismo se tornou agressivo. Turistas de Birmingham, abandonados na Alemanha depois que o confronto começou, e mercadores de Viena, isolados em portos britânicos, viram-se perdidos. Famílias reais entraram em uma disputa patriótica. A família real russa, que tinha fortes conexões com a Alemanha, demonstrou vigorosamente seu nacionalismo ao alterar o nome de sonoridade germânica de sua capital, São Petersburgo, para o mais eslavo Petrogrado.

Minorias étnicas que esperavam ficar neutras acabavam imersas em uma onda pública de patriotismo. A Irlanda, no limite de uma guerra civil e dividida em relação à Grã-Bretanha, reafirmou lealdade temporariamente e enviou regimentos de recrutas para o exército britânico. Na Rússia, líderes das minorias oprimidas juraram fidelidade à pátria. Poloneses e estonianos, letões e lituanos prometeram lutar lado a lado com a Rússia. Um porta-voz judeu expressou objetivamente o que os outros diziam em linguagem grandiloqüente: “Estamos acostumados a viver – e vivemos – em condições particularmente opressivas. No entanto, sempre nos sentimos cidadãos da Rússia e filhos fiéis da terra pátria.”

A unidade nacional desabrochou na França dividida. A imprensa francesa, tal como a da maior parte dos países livres, aceitou a censura da verdade pelo bem da unidade nacional e da necessidade de repelir as investidas dos alemães. Na França, a realidade não era nada agradável. O exército tinha pouca munição para suas grandes armas de fogo. O atendimento médico aos feridos era lento. Soldados franceses, sangrando ou envoltos em ataduras, eram levados em macas para vagões de trem utilizados anteriormente no transporte de gado bovino e cavalos. Os alemães avançaram tão velozmente pela Bélgica e pelo norte da França que a tomada de Paris parecia bastante provável. Entretanto, no campo de batalha do norte da França, os soldados franceses, auxiliados por tropas britânicas, resistiram firmemente. Paris estava a salvo.


Os feridos em Dover, John Lavery

Os exércitos rivais então se atacavam no front ocidental (francês) sem que nenhuma das partes obtivesse uma vitória decisiva. O avanço rápido da Alemanha nas primeiras semanas de luta foi ficando cada vez mais lento até parar. As hostes oponentes cavavam trincheiras e faziam delas seus escudos. Terreno – algumas centenas de metros ou até menos – era adquirido a um custo enorme de mortes e feridos, pois o exército contrário era capaz de descarregar maciçamente seu poder de fogo sobre as tropas que avançavam. Os feridos eram logo substituídos e parecia que os exércitos conseguiriam manter suas trincheiras quase indefinidamente. Essa foi uma das razões para o prolongamento da guerra muito além do esperado.

Soldados mortos, László Mednyánszky

As tropas, já numerosas quando o conflito começou, tornaram-se ainda maiores. Em 1914, a maior parte das nações europeias obrigava quase todos os seus homens jovens e de meia idade a passar por um treinamento militar. Em guerras anteriores, havia sido impossível enviar exércitos muito grandes para o campo de batalha, pois a tarefa de cultivar e comprar a comida e depois transportá-la para os acampamentos estava além da capacidade da maior parte das nações. Em 1914, no entanto, economias mais produtivas possibilitavam que grande quantidade de homens fosse destinada ao exército e que boa parte das mulheres fosse transferida de outros tipos de trabalho para as fábricas de munições. Enquanto nas guerras napoleônicas um país podia dispor de no máximo 12% de seu “produto nacional”, naquele momento as principais nações podiam chegar a gastar quase 50% dele na guerra. As modificações dos cem anos anteriores, que melhoraram o aproveitamento de energia e mão de obra, permitiram que, nos meses iniciais do conflito, enormes quantidades de pessoas desempenhassem as tarefas de produzir e manejar armas.


Elswick, 1917: Messrs Armstrong, Whitworth & Company. 
John Lavery

O número de mortos e feridos nos primeiros quatro meses de guerra foi muito mais alto do que o esperado. Dia após dia, milhares de parentes de soldados consternavam-se ao receber as notificações de morte, levadas por um mensageiro dos telégrafos, um carteiro, um pastor ou um padre. As famílias cujos filhos ainda lutavam no front sentiam-se ameaçadas. Soldados cujas vidas haviam sido poupadas em 1914 corriam ainda mais riscos em 1915, pois o fogo das artilharias e o matraquear das metralhadoras haviam se tornado ainda mais mortais.


BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 51-55.

NOTA: O texto "A 1ª Guerra Mundial: Cronograma [Parte II]" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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