Na Sérvia, 1914. László Mednyánszky.
Foto: Yelkrokoyade
A guerra foi
marcada por momentos decisivos e oportunidades perdidas ou aproveitadas.
Gallipoli foi um desses momentos. A península turca comandava a entrada para a
curta e estreita rota marítima do Estreito de Dardanelos, que unia o Mar
Mediterrâneo ao Mar Negro. Com menos de 44 quilômetros de
comprimento, esse estreito era quase como o gargalo de uma garrafa e, em um
ponto próximo de Chanak, mal chegava a 1,5 quilômetro de
largura.
Os alemães,
percebendo a importância dessa rota marítima, tentaram controlá-la, buscando
aliar-se à Turquia. Menos de uma semana antes da guerra, os dois países
assinaram secretamente uma aliança militar. Uma vez que o Império Turco ficava
bem ao sul e quase alcançava a margem norte do Canal de Suez, essa era outra
rota marítima crucial que os alemães poderiam tomar.
O Estreito de
Dardanelos também era vital para a Rússia, que não podia usar o Mar Báltico,
cuja saída era controlada por navios e submarinos alemães. O Mar Negro era,
portanto, essencial para a marinha e os navios cargueiros russos, os quais
levavam os grãos que alimentariam alguns de seus aliados ocidentais. Cada vez
mais, conforme a guerra avançava, a Rússia precisava de armas e munições de
seus aliados ocidentais, mas como poderia transportá-los? Certamente era
possível ir da longínqua costa do Pacífico ao centro da Rússia, mas a ligação
era feita pela ferrovia mais longa do mundo, com um trilho único na maior parte
do caminho. O porto de Vladivostok, no Oceano Pacífico, ponto final da
ferrovia, começou a receber cargas importadas de arame farpado, munição e
outros materiais essenciais, que esperavam locomotivas para serem transportados
até a distante linha do front russo, onde a munição já escasseava.
A Rússia estava
semiestrangulada por sua geografia peculiar, bem como pelo fato de a marinha
alemã controlar a foz do Báltico e, com a ajuda da Turquia, o Mar Negro. Mesmo
São Petersburgo, com suas inúmeras chaminés altas, sofreu com o bloqueio
marítimo e a escassez de carvão. Os líderes da Revolução Russa, três anos mais
tarde, seriam ajudados pela desarticulação econômica gerada pelo longo bloqueio
de guerra.
No início de
1915, o Estreito de Dardanelos se tornou crucial. A Grã-Bretanha e a França
necessitavam urgentemente de um modo de enviar armas e munições para a Rússia,
onde não faltavam soldados, mas havia uma escassez terrível de armamento pesado,
metralhadoras leves, rifles, munição e mesmo uniformes de inverno. O enorme
exército russo era comparado a um rolo compressor gigante, difícil de
movimentar, mas decisivo quando finalmente se movia. No primeiro ano da guerra,
o rolo compressor começou a avançar, mas depois foi parando.
Não fazia
sentido convocar mais russos, a menos que se pudesse dar a cada um deles um
rifle ou, ainda melhor, uma metralhadora. Se mais armas e munições fossem
conseguidas, os russos poderiam enviar a campo um significativo e eficiente
exército e assim forçar os alemães a deslocar centenas de trens carregados de
tropas, do front ocidental para o oriental. E então o resultado da guerra
poderia ser modificado em ambas as linhas de frente.
A Grã-Bretanha,
com toda sua força naval, começou a considerar a ideia de ocupar o Estreito de
Dardanelos. Poderia então conquistar Constantinopla, capital da Turquia e
centro da indústria de armamentos, reabrindo assim a rota marítima para a
Rússia. A marinha britânica, excessivamente confiante, fez planos ambiciosos,
bombardeando inicialmente os fortes turcos próximos à entrada do estreito. O
ataque foi um fracasso que custou caro.
Os turcos se
assustaram. Parecia muito provável que o avanço naval fosse seguido de uma
invasão por terra e por isso decidiram inicialmente transferir a capital de
Constantinopla para o terminal ferroviário de Ankara, no interior do país. Em
janeiro de 1915, apenas duas divisões turcas guardavam o Estreito de
Dardanelos, mas em abril já havia seis divisões de prontidão, e os fortes
haviam sido reforçados.
Finalmente, e
25 de abril de 1915, um domingo, as forças britânicas, francesas, australianas
e neozelandesas chegaram às praias da Península de Gallipoli e montaram uma
perigosa base de operações perto do Estreito de Dardanelos. O número de mortos
e feridos foi grande. A luta logo chegou a um impasse. Britânicos e franceses
enviaram reforços que, se tivessem chegado antes, poderiam ter ajudado a
conquistar o terreno. Enquanto isso, o exército russo havia se reunido no porto
de Odessa, no Mar Negro, em prontidão para um ataque independente a
Constantinopla. Esse exército acabou sendo deslocado dali.
Os turcos
estavam sob grande pressão. Atacados pelas forças anglo-francesas perto do
estreito, também enfrentavam a ameaça de um pesado regimento russo próximo às
montanhas do Cáucaso. Em 27 de maio de 1915, apenas um mês após a invasão de
Gallipoli, o governo turco concluiu que seu país também abrigava um inimigo
interno perigoso. Decidiu deportar os armênios cristãos, exceto os que viviam
nas cidades portuárias de Constantinopla e Izmir, onde a sobrevivência era mais
fácil. Os deportados, lentamente e carregando os poucos pertences que podiam,
foram enviados da Anatólia para o deserto sírio. No caminho, homens, mulheres e
crianças foram assassinados por soldados e civis turcos, e muitos outros
morreram de doenças e fome. O número de armênios turcos mortos é geralmente
estimado em 600 mil, mas alguns historiadores, aumentando o número para 1
milhão, chegam a falar em genocídio.
Depois de lutar
contra os turcos em uma faixa de praias e colinas próximas ao mar, os
britânicos e franceses concluíram que a vitória no Estreito de Dardanelos era
impossível. Perto do fim do ano, noite após noite, seus soldados foram silenciosamente
retirados dali e enviados para outros lugares. Gallipoli finalmente foi
abandonada, lá permanecendo apenas as fortificações turcas e os túmulos.
Se os aliados
tivessem tido sucesso em tomar o estreito e Constantinopla, poderiam ter
mandado comboios semanais de suprimento para os mal-armados russos. O resultado
da guerra para a Rússia poderia ter sido diferente. Mas essa reviravolta em
potencial não se realizou.
BLAINEY,
Geoffrey. Uma breve história do século XX.
São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 55-59.
NOTA: O texto "A 1ª Guerra Mundial: Gallipoli [Parte III]" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a
construção do conhecimento histórico.
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