A obra da civilização de Roma no
Ocidente foi tão profunda que marcou toda a história da Europa.
Estendeu-se através da Gália, do
Mediterrâneo até o Reno, e às costas do Atlântico e do mar do Norte. No sul, a
mistura dos gregos, celtas e romanizados produziu a civilização provençal. Marselha,
com o seu porto e a sua escola grega, foi o grande centro econômico e
intelectual da Gália. Na confluência do Ródano e do Sona, Lião, promovida à
condição de capital das Gálias, tornou-se grande cidade de negócios, freqüentada
pelos orientais. Na Germânia, os quartéis-generais dos exércitos, Mogúncia e
Colônia, figuraram entre as principais cidades do Ocidente. No Atlântico, Bordéus
assumiu uma importância real pelo seu comércio com a ilha da Bretanha. Mais ao
norte, o porto céltico de Bolonha tornou-se base militar. Em toda a parte,
cidades secundárias apareceram: locais de pernoite de tropas, como Lutécia (e
futura Paris), centros locais, cidades agrícolas ou mercantis.
Nas cidades, misturavam-se
elementos celtas, helenizados e romanos. Formava-se uma burguesia. O latim era
a língua do exército, da administração, do comércio e do ensino. Escolas
preparavam os celtas para as carreiras da alta administração. [...] Sírios e
orientais introduziram nas cidades o comércio do dinheiro. Nos campos se
instalaram luxuosas vivendas. O uso do vidro de vidraças, tomado da Síria,
generalizou-se. Implantou-se na Gália a fabricação do vidro.
A paz substituiu as rivalidades
locais. O druidismo, perseguido por Roma, desapareceu. Implantou-se o regime do
governo da cidade. Mas, de um modo geral, prevaleceu o sistema aristocrático
gaulês. As cidades foram governadas por cúrias, cujos membros se cooptavam.
Reuniam-se regularmente as assembléias provinciais e, cada ano, todas as províncias
das Gálias enviavam os seus delegados a Lião, à assembléia das Gálias.
Progressivamente, a sociedade
evoluiu. A propriedade privada se estendia cada vez mais aos bens das aldeias;
a antiga nobreza política tornou-se uma classe de proprietários. Os chefes
locais transformaram-se em magistrados eleitos.
Semelhantemente, na Espanha, a
paz imperial trouxe grande prosperidade. Colônias romanas e comerciantes
orientais ali se instalaram. O tráfico de portos, alimentados pela exportação
das minas e pelo comércio com o Oriente, fundou ou desenvolveu cidades, que
foram outros tantos centros econômicos e intelectuais, onde gregos, lígures,
iberos e romanos se misturaram. Desde o 1º século, a Espanha foi um dos centros
principais da cultura latina. Como na Gália, o latim aí se tornou a língua da intelligentsia, dos negócios e da
administração. Mas, para permitir à Espanha conservar a tradição da cultura que
ela adquirira antes da conquista romana, Vespasiano autorizou o emprego oficial
das línguas locais, assim como concedeu em bloco, à Espanha, a cidadania
romana.
Da Gália, a dominação romana
passara, em 43 d.C., para a grande ilha da Bretanha, cujas minas de estanho
eram um complemento econômico indispensável da Gália e da Espanha. Roma
construiu na Inglaterra uma dupla rede de estradas, que se irradiava de
Londres, famoso centro de tráfico desde o 1º século. Nas costas se instalaram
portos e postos militares. Implantaram-se colônias romanas, dando origem a
cidades. O desenvolvimento da agricultura fez surgirem as vivendas dos grandes
proprietários, ao mesmo tempo que disseminava a pequena propriedade. As
importações vindas da Gália introduziram no país costumes mais requintados. A
romanização foi essencialmente obra de comerciantes, legionários e marinheiros
da frota romana da Mancha. Os celtas da Hibérnia (Irlanda) e da Caledônia (Escócia),
aos quais se estendeu a conquista, permaneceram impenetráveis à influência
romana.
Da mesma forma, a romanização das
províncias danubianas foi muito menos profunda que a do Ocidente. O movimento
ali foi mantido principalmente pelas guarnições romanas do Danúbio. Uma delas
deu origem a Viena. Na Mésia inferior, Roma encontrou, ao longo do mar Negro, a
antiga colonização grega, que suplantou. Sobre os seus antigos vestígios
estendeu momentaneamente o poder romano até a Criméia, onde as cidades gregas
conservaram a autonomia sob a soberania de Roma.
A Dalmácia e o Epiro voltaram-se,
muito naturalmente, para Roma e sofreram, sobretudo no litoral, a influência da
Itália, muito próximo.
Apolo Kitharoidos (segurando uma lira). Mármore romano, século II d.C., de estatuária helenística do século II a.C.. Templo de Apolo em Cyrene (Líbia moderna).
A romanização instalou-se
igualmente na costa da África, de onde a vida econômica se orientava para Roma.
Se a Cirenaica permaneceu sujeita à influência grega e egípcia, o domínio
romano se exerceu, em compensação, profundamente, sobre a Tripolitânia e a Tunísia,
onde surgiram centros econômicos importantes. Na Numíbia, os acampamentos
militares deram origem às cidades [...].
O solo foi sistematicamente
explorado por engenheiros romanos, que introduziram na Argélia atual processos
de irrigação havidos do Egito. A África tornou-se grande produtora de trigo,
abastecendo o império. Mais adiante, na direção do oceano, na Mauritânia (a Argélia
ocidental e o Marrocos), Roma só impôs uma ocupação política, que lhe
assegurava a soberania sobre os chefes locais, vassalos até o 4º século, e
depois apenas confederados.
Adaptando-se com surpreendente
flexibilidade ao nível de civilização dos povos incorporados ao império, Roma
assimilava-os apoiando-se na burguesia rica e criando em toda a parte uma
grande riqueza agrícola e comercial, pela instauração da paz e do comércio
livre [...]. Nunca, antes do 19º século, o mundo se cobriu tanto de cidades,
todas administradas livremente pela própria população. Em toda a parte, a
cultura, disseminada pelas escolas, floresceu. Nivelando o império por cima,
Roma espalhou sobre o mundo mediterrâneo as duas grandes conquistas da
civilização oriental: a emancipação individual e o sentido do universal.
PIRENNE, Jacques-Henri. Panorama da História Universal. São
Paulo: Difel/Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 114-116.
NOTA: O texto "A romanização do Ocidente" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a
construção do conhecimento histórico.
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