Busto de relevo acádico (provavelmente Naram-Sîn), Nínive,
séculos XXIII-XXII a.C.
Sargão, o poderoso rei de Agade, eu sou.
Minha mãe foi uma concubina, meu pai eu não conheci.
Os irmãos de meu pai amavam as montanhas.
Minha cidade é Azupiranu, que está situada às margens do Eufrates.
Minha mãe concubina concebeu-me, secretamente ela me fez nascer.
Ela me colocou numa cesta de junco, com betume ela selou minha tampa.
Ela me jogou ao rio, que não me cobriu.
O rio me conduziu e me levou até Akki, o tirador de água.
Akki, o tirador de água, retirou-me quando mergulhava seu jarro.
Akki, o tirador de água, tomou-me como seu filho e criou-me.
(PINSKY, Jaime. 100 textos de História antiga. São Paulo: Contexto, 2001. p. 49)
Compare-se esse texto com o seguinte:
Foi-se um homem da casa de Levi e casou-se com uma descendente de Levi.
E a mulher concebeu e deu à luz um filho; e vendo que era formoso, escondeu-o por três meses.
Não podendo, porém, escondê-lo por mais tempo, tomou um cesto de junco, calafetou-o com betume e piche e, pondo nele o menino, largou-o no carriçal à beira do rio.
Sua irmã ficou de longe, para observar o que haveria de lhe suceder.
Desceu a filha do Faraó para se banhar no rio, juntamente com suas donzelas que passavam pela beira do rio; vendo ela o cesto no carriçal, enviou a sua criada e o tomou.
Abrindo-o, viu a criança que chorava. Teve compaixão dele e disse: Este é o menino dos hebreus.
(Êxodo, 2, 1-6)
Trata-se, sem dúvida, de descrições semelhantes de crianças que, malnascidas, tiveram seu destino ameaçado e, uma vez salvas, tornaram-se heróis de seus povos. [...] Sargão, herói agadiano (ou akadiano), correu todos os riscos para, em seguida, entrar na corte do rei de Kish, lutar contra ele, fundar a cidade de Agade e se tornar, a partir de 2370, o dominador de toda a Suméria e regiões limítrofes. Há referências à presença de Sargão no Elam, em Mati e até na Anatólia.
Estela de Naram-Sin, neto de Sargão, celebrando sua
vitória contra os lullubi de Zagros
Não se sabe até onde o exagero das descrições pode ter superstimado o papel do grande Sargão, mas o que se sabe é que a partir dele existe uma nova realidade na região: um Estado que tenta impor, acima dos particularismos regionais, uma política comum. Para isso, marchava com um exército de milhares de soldados (5 400 na conquista da Síria, por exemplo), número às vezes igual ao da população de algumas cidades.
A centralização administrativa leva ao desenvolvimento do artesanato e principalmente ao incremento da atividade comercial, mediante a importação de metais preciosos e madeiras. Com isso, há uma tendência à secularização do poder, uma vez que os templos perdem sua função econômica.
Mesmo provocando todas essas mudanças, Sargão é visto por alguns historiadores com ceticismo. Há mesmo quem diga que Sargão foi para os sumérios o que Alexandre viria a ser para os gregos: aquele que ampliou as fronteiras de uma cultura já existente sem ter contribuído de forma substancial para sua mudança ou crescimento.
É possível.
Mas como unificador daquela enorme teia de cidades, Sargão passa para a História como o primeiro verdadeiro rei mesopotâmico e não um simples chefe local.
Após Sargão, há um período de ausência de poder central, coroado pela invasão de tribos gútias; em seguida há predominância da cidade de Ur, depois vêm os assírios, em seguida quem lidera é Uruk e assim sucessivamente. Por fim, sobe ao trono de toda a Babilônia, em 1792, o mais famoso de seus reis, Hamurábi, o do Código.
PINSKY, Jaime. As primeiras civilizações. São Paulo: Contexto, 2010. p. 78-80.
NOTA: O texto "Sargão, o Velho" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a
construção do conhecimento histórico.
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