"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 26 de abril de 2014

Os progressos tecnológicos na Europa medieval

Apesar da aparente estagnação da Europa medieval, o processo de evolução de sua sociedade não parou, criando-se novas soluções para os problemas que a afligiam, embora em ritmo bastante lento. Nos séculos XI e XII, por exemplo, a Europa conheceu um relativo desenvolvimento econômico, graças ao aumento populacional ocorrido em suas diferentes regiões. Embora a idéia de renovação contrariasse a mentalidade da época, era necessário criar meios para alimentar, vestir e abrigar a população que crescia.

Por volta do ano 1000, já fora introduzido um sistema de atrelagem que permitiu um melhor aproveitamento da tração animal, aumentando o rendimento do trabalho. Tal inovação, que compreendia novos sistemas de arreios e a atrelagem de vários animais, em linha, tornou possível também a utilização do cavalo, mais veloz do que o boi, como animal de tração, para o transporte e nas atividades agrícolas.


Mês de fevereiro. Abel Grimmer

Os progressos tecnológicos mais importantes do período medieval foram o moinho d’água e o arado, difundidos a partir do século XI. O moinho d’água já era conhecido na Ilíria desde o século II a.C., mas escassamente utilizado. No Império Romano, por exemplo, a mó era acionada por escravos ou animais. Também o arado de rodas já era empregado no século I a.C., mas seu uso só foi aperfeiçoado durante a Idade Média, ao longo de um lento processo.


Velha mulher que leva um saco de trigo ao moinho. Atribuído a  Barthélémy d'Eyck e/ou Jean Colombe

Ao Ocidente medieval deve-se ainda a difusão e o aperfeiçoamento de uma série de mecanismos, tais como o parafuso, a roda, a catraca, a engrenagem e a polia. Por outro lado, a construção de igrejas e castelos permitiu o desenvolvimento de alguns aparelhos, como roldanas e certos tipos de guindastes rudimentares, que já eram conhecidos desde a Antiguidade. A nobreza feudal, permanentemente voltada para atividades guerreiras, favoreceu o desenvolvimento de novas técnicas na metalurgia, na balística e outros setores ligados à produção de artefatos bélicos.

As populações medievais não incluíam a tecnologia entre os valores de sua cultura. No entanto, as vantagens oferecidas pelos engenhos mecânicos como poupadores de trabalho é mencionada em alguns textos da época. No século XIII, um monge de Clairvaux chegou a escrever um verdadeiro hino de louvor ao maquinismo. Acerca do moinho d’água do mosteiro, dizia ele: “O rio não contradiz nem recusa nada do que se lhe pede. Levanta ou abaixa, alternadamente, os enormes pilões, poupando ao homem uma grande fadiga... Ele combina seus esforços com os nossos, e depois de haver suportado o penoso calor do dia, espera apenas uma recompensa por seu labor: a permissão de ir embora livre, depois de haver cuidadosamente cumprido tudo que lhe pedimos...”

A madeira retirada dos bosques era a principal matéria-prima utilizada na confecção dos artigos manufaturados medievais. Além de sua importante função como combustível, servia para fazer vigas de construção, tábuas para os telhados, mastros de navio, instrumentos artesanais e agrícolas, calçados e toda espécie de utensílios. Os grandes troncos eram muito raros e ansiosamente procurados. A madeira tornara-se tão preciosa, que passou a ser encarada como símbolo dos bens terrestres, constituindo um dos principais produtos de exportação do Ocidente para o mundo muçulmano. Sua importância só se igualava à da pedra, que também era largamente empregada, formando ambas o par de matérias-primas imprescindíveis às técnicas de construção conhecidas na época.

Os arquitetos medievais costumavam ser ao mesmo tempo carpinteiros e pedreiros, e os homens que erguiam as construções eram qualificados como “trabalhadores em madeira e pedra”. A partir do século XI, verificou-se uma progressiva substituição da madeira pela pedra na edificação de igrejas, pontes e residências. Possuir uma casa de pedra era sinal de riqueza e de poder; e, no final da Idade Média, o largo emprego da pedra na arquitetura acompanhou a ascensão da burguesia.

O ferro, ao contrário da madeira e da pedra, quase nunca era utilizado. Na verdade, tratava-se de material bastante escasso, chegando mesmo a ser mencionado em documentos com o respeito devido aos metais preciosos. A maior parte da produção medieval de ferro destinava-se à fabricação de armamentos, o que era feito com o emprego de técnicas helenísticas aperfeiçoadas pelos romanos. Entre outras armas, fabricavam-se espadas de requintado acabamento, que passaram até a ser exportadas para o Oriente. Em menor escala, eram produzidos alguns instrumentos agrícolas, tais como foices, relhas de arado e pás.


HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES. São Paulo: Abril Cultural, 1975. p. 176-178. Volume II.

NOTA: O texto "Os progressos tecnológicos na Europa medieval" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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