"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Neoclassicismo: febre romana

Mais ou menos a partir de 1780 até 1820, a arte neoclássica refletiu, nas palavras de Edgar Allan Poe, “a glória que foi a Grécia / E a grandeza que foi Roma”. Esse reviver do austero Classicismo na pintura, na escultura, na arquitetura e no mobiliário constituiu uma clara reação contra o enfeitado estilo rococó. O século XVIII tinha sido a Idade das Luzes, quando os filósofos pregavam o evangelho da razão e da lógica. Essa fé na lógica levou à ordem e às virtudes “enobrecedoras” da arte neoclássica.

O iniciador da tendência foi Jacques-Louis David (1748-1825), pintor e democrata francês que imitava a arte grega e romana para inspirar a nova república francesa. Como assinalou o escritor Goethe, “agora se quer heroísmo e virtudes cívicas”. A arte “politicamente correta” era séria, ilustrando temas da história antiga ou da mitologia, em vez das frívolas cenas de festa rococó. Como se a sociedade tivesse tomado uma dose excessiva de doce, o princípio substituiu o prazer e a pintura deu apoio à mensagem moral de patriotismo.


"Juramento dos Horácios", David. 

Em 1738, a mania da arqueologia varreu a Europa, à medida que as escavações de Pompéia e Herculano ofereciam a primeira visão da arte antiga bem preservada. A insistência da moda nos modelos gregos e romanos às vezes se tornava ridícula, como aconteceu quando seguidores de David, os “primitivos”, levaram literalmente a sério a idéia de viver à maneira grega. Não só andavam de túnica curta, como se banhavam nus no Sena, imaginando-se atletas gregos. Quando o romancista Stendhal viu os guerreiros “romanos” nus na pintura de David “Intervenção das Sabinas”, foi cético. “O mais ordinário senso comum”, escreveu ele, “nos diz que as pernas daqueles soldados logo estariam cobertas de sangue e que seria um absurdo ir nu à batalha em qualquer época da história”.

A estatuária em frisas de mármore que lorde Elgin trouxe do Partenon de Atenas para Londres aguçou ainda mais o apetite público pelo mundo antigo. “Glórias ao cérebro” e “grandeza grega” – foi assim que o poeta John Keats descreveu os mármores. Os líderes das escolas de arte e das academias reais francesa e britânica davam todo o seu apoio ao movimento neoclássico e pregavam que a razão, não a emoção, devia ditar a arte. Enfatizavam o desenho e a linha, que tinham apelo para o intelecto, em vez da cor, que excitava os sentidos.


"Morte de Marat", David

A linha mestra do estilo neoclássico eram figuras severas, desenhadas com exatidão, que apareciam em primeiro plano, sem a ilusão de profundidade dos relevos romanos. A pincelada era suave, de modo que a superfície da pintura parecia polida e as composições eram simples, para evitar o melodrama do rococó. Os fundos, em geral, incluíam toques romanos, como arcos ou colunas, e a simetria e as linhas retas substituíam as curvas irregulares. O movimento era diferente do classicismo de Poussin, de um século antes, pelo fato de que as figuras neoclássicas não se pareciam tanto com as figuras de cera, mais se assemelhando a figuras dançando balé, mais naturalistas e sólidas.

As antigas ruínas também inspiraram a arquitetura. Clones dos templos gregos e romanos se multiplicaram da Rússia à América. O pórtico do Panteon de Paris, com colunas e cúpula coríntias, copiava exatamente o estilo romano. Em Berlim, o portão de Brandenburg era uma réplica da entrada da Acrópole de Atenas, com uma carruagem romana no alto. E Thomas Jefferson, quando servia na França como embaixador, admirou o templo romano Maison Carrée em Nimes “como um amante olha para a amada.” Depois redecorou sua casa, Monticello, no estilo neoclássico.


STRICKLAND, Carol. Arte comentada: da pré-história ao pós-moderno. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p. 68.

NOTA: O texto "Neoclassicismo: febre romana" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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