O profundo impacto que os
indígenas brasileiros provocaram nos viajantes europeus ao serem vistos –
desnudos, pintados, dançando (e eventualmente devorando uns aos outros) – nas praias
do Novo Mundo, foi largamente amplificado assim que alguns deles foram levados
para a Europa e exibidos nas cortes. O primeiro teria embarcado já na caravela
que Cabral fez retornar a Portugal com a notícia da descoberta – pelo menos de
acordo com o relato que o padre Simão de Vasconcelos escreveu em 1658 (mais de
150 anos depois daqueles acontecimentos, portanto): “E foi recebido com alegria do Rei e do Reino. Não se fartavam os
grandes e pequenos, de ver e ouvir o gesto, a falla, os meneios daquele novo
indivíduo da geração humana. Huns o vinhão a ter por um Semicapro, outros por
um Fauno, ou por alguns daqueles monstros antiguos, entre poetas celebrados”.
A surpresa não foi exclusividade
portuguesa: já em 1504, o francês Paulmier de Goneville levou para a França o
filho de um líder Carijó, chamado Esomeriq. Ele seria apenas o primeiro de uma
longa série de nativos conduzidos a Paris, Rouen e Dieppe durante as seis décadas
em que os franceses freqüentaram as costas brasileiras, traficando pau-brasil e
permanentemente dispostos a estabelecer uma colônia em pleno coração do território
português, fosse no Rio, fosse no Maranhão.
Mas nenhuma iniciativa dos
franceses envolvendo os nativos do Brasil pode ser comparada, em assombro e
magnificência, à chamada “Festa Brasileira em Rouen”. Dispostos a impressionar
o rei Henrique II e a rainha Catarina de Médici – e convencê-los a investir
mais nas expedições ao Brasil -, os armadores e comerciantes de Rouen
prepararam uma impressionante celebração quando da visita real à cidade, no dia
1º de outubro de 1550. Em uma área às margens do rio Sena, montaram uma autêntica
maquete das terras brasileiras: as árvores foram enfeitadas com flores e frutos
trazidos do Brasil, o cenário ficou repleto de micos, sagüis e papagaios. Pelo
menos cinqüenta eram Tupinambás genuínos, trazidos da Bahia ou do Maranhão,
especialmente para a comemoração. Os demais eram marinheiros normandos que
conheciam bem o Brasil, fluentes em tupi e habituados no trato com os índios. As
mulheres foram recrutadas entre as prostitutas locais.
Uma festa brasileira na França: a iluminura mostra (no canto à esquerda, entre as árvores) a representação dos indígenas brasileiros realizada para homenagear o rei Henrique II, em 1550, em Rouen, na Normandia. Artista desconhecido
Era mais do que uma exibição: era
um quadro vivo. E, desde o início, havia ação: indígenas e figurantes caçavam,
pescavam, namoravam nas redes, colhiam frutas e carregavam o pau-brasil. E então,
subitamente, no clímax do espetáculo, a aldeia tupinambá foi assaltada por um
bando de Tabajara – índios que, no Brasil, eram aliados dos portugueses. Ocas
foram incendiadas, canoas viradas, árvores derrubadas. Houve um combate
simulado, ainda que feroz, ao fim do qual os Tabajara haviam sido amplamente
derrotados. Na platéia, além do rei e da rainha franceses, estavam também a
rainha Mary Stuart, da Escócia, duques, condes e barões, os embaixadores da
Espanha, representantes dos Habsburgos, de Portugal e da Inglaterra, bispos,
prelados, cardeais e inúmeros príncipes, além de Nicolau Villegaignon, futuro líder
da chamada “França Antártica” – todos assombrados com aquela espetacular
representação da vida nos trópicos: o primeiro show brasileiro na Europa.
Durante décadas os indígenas
brasileiros continuariam causando sensação na França. Em 1613, três deles tocaram
maracás na composição que Gautier, um músico da corte, fez para homenagear os
Tupinambá. Mais tarde, inspiraram outro tipo de homenagem – desta vez, filosófica.
BUENO, Eduardo. Brasil: uma história.
São Paulo: Ática, 2005. p. 22-3.
NOTA: O texto "Uma festa brasileira na França" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
NOTA: O texto "Uma festa brasileira na França" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
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