"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 16 de abril de 2014

A Espanha e a escravidão

Quando Colombo descobre o que a Europa chamará primeiramente Índias Ocidentais, a escravidão está legalizada na Espanha e regulada pelas Sete Partidas, codificação castelhana do século XIII. Em fins do século XV, há na Andaluzia numerosos escravos negros, vindos da Guiné em naves castelhanas, e a partir de 1479 (tratado de Alcaçovas), comprados nos mercados portugueses. São empregados como serviçais domésticos e ornamentam as comitivas dos senhores. A nobreza os considera trabalhadores e alegres. Mas, possuem-nos para realçar a posição social dos proprietários. A própria Coroa tem escravos. Os enviados à América, geralmente utilizados nas obras públicas, são conhecidos como os "negros do rei".


Contrato escravagista. Lima, Peru, 13/10/1794

A escravidão ibérica (compreendendo Portugal) não tem significado econômico; sua função equivale à propriedade de magníficos palácios, exuberantes tapetes persas, sedas da China e espadas de Damasco. Em outras palavras: um objeto exótico que distingue ainda mais a quem o possui. Mas nas ilhas atlânticas da Madeira, São Tomé e Canárias nasce uma escravidão vinculada às plantações tropicais, e mais particularmente às de açúcar. Este fenômeno é novo em relação ao anterior, porque trata-se de uma estrutura produtiva baseada totalmente no trabalho escravo, cujo produto tem como destino a exportação para a Europa continental. Nem a escravidão e nem as plantações surgem repentinamente: prolongam estruturas similares instaladas durante a Idade Média na Palestina e Síria, na Sicília, Chipre e outras regiões mediterrâneas. Elas antecipam a plantação tropical americana; são seus modelos.

A Coroa espanhola exige - pelo menos no começo - que os escravos enviados à América sejam cristãos: não deviam dar mau exemplo aos índios. Mas quando o governador Ovando informa que na ilha Espanhola (São Domingos), esses cristãos escravizados não são um modelo de mansidão - costumam fugir! - determina-se que da[i em diante entrem nas colônias somente os chamados "negros boçais" (negro recém-chegado, inexperiente, simplório), ou importados da África e obviamente "pagãos" ou "hereges" (os muçulmanos fazem parte desta categoria).

O trabalho negro é testado na extração do ouro e nas plantações, e revela bons resultados. Os africanos - opinam os colonos - são mais dóceis que os índios, mais resistentes e mais capacitados ao trabalho. Os 17 negros que o rei Fernando envia à Espanha, em 1505, cumprem bem as tarefas exigidas. Cinco anos depois, o soberano encarrega a Casa de Contratação de Sevilha de enviar mais duzentos.

Frei Bartolomeu de Las Casas [...] argumentava a favor da escravidão negra; prova que 20 negros conseguem extrair mais ouro que o dobro de índios. Para organizar uma colonização camponesa nas costas de Paria (Venezuela), o ilustre frade pede uma autorização para si e para cada um dos cinquenta emigrantes para conduzir três escravos negros. E depois, é lógico, todos aqueles que o trabalho requeria.

As polêmicas sobre a legitimidade da escravidão são intermináveis [...]. Porém, digamos somente que, em 1789, o ano da Revolução Francesa (quando resta pouco tempo de vida ao império espanhol), uma Real Cédula proclama que a religião, a humanidade e o bem público são compatíveis com a escravidão.

POMER, León. História da América hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 117-8.

NOTA: O texto "A Espanha e a escravidão" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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