Como os outros povos antigos, os gregos guerreavam, massacravam e escravizavam; foram muitas vezes cruéis, arrogantes, litigiosos e supersticiosos e, com frequência, violaram seus próprios ideais. Mas suas realizações tiveram, sem dúvida, um profundo significado histórico. O pensamento ocidental tem início com os gregos, que foram os primeiros a definir o indivíduo por sua capacidade de raciocínio. A grande realização do espírito grego foi ultrapassar a magia, os milagres, o mistério, a autoridade e o costume e descobrir um modo de conferir uma ordem racional à natureza e à sociedade. Cada aspecto da civilização grega - ciência, filosofia, arte, drama, literatura, política, história - mostrou uma confiança crescente na razão humana e uma dependência declinante em relação aos deuses e ao pensamento mítico.
Cena de simpósio: convivas jogando kottabos enquanto uma moça toca aulos. Nikias, cerca de 420 a.C.
Na Mesopotâmia e no Egito, as pessoas não tinham uma concepção nítida do seu valor individual e nenhuma compreensão da liberdade política. Elas não eram cidadãos, mas súditos que obedeciam às ordens de um governante cujo poder tinha origem nos deuses; tal poder real não era imposto a uma população descontente, mas religiosamente aceito e obedecido.
Os gregos, ao contrário, criaram a liberdade política. Viram o Estado como uma comunidade de cidadãos livres que decretavam leis em seu próprio interesse. Para eles, o Estado era um agente civilizador que permitia ao povo desfrutar a vida feliz. Os pensadores políticos gregos chegaram à concepção do Estado racional ou legal em que a lei era uma expressão da razão, não de caprichos ou mandamentos divinos; de justiça e não de poder; do bem-estar geral da comunidade, não de interesses egoístas.
Os gregos também legaram à civilização ocidental uma concepção de liberdade interior, ou ética. As pessoas eram livres para escolher entre a vergonha e a honra, a covardia e o dever, a temperança e o descomedimento. Os heróis da tragédia grega sofriam não porque fossem fantoches manipulados por poderes mais altos, mas porque possuíam a liberdade de decisão. A ideia de liberdade ética atinge seu ápice com Sócrates. Conformar-se aos ideais apreendidos pela razão e tornar-se um indivíduo autônomo e dotado de arbítrio, tal era para os gregos a mais alta forma de liberdade.
Durante a idade helenística, os gregos, tal como os hebreus anteriormente, chegaram a ideia de universalismo, de uma humanidade una. Os filósofos estóicos ensinavam que todos os povos, graças à capacidade de raciocinar, eram fundamentalmente iguais e podiam ser governados pelas mesmas leis. Essa ideia encontra-se na raiz dos modernos princípios de direitos naturais ou humanos, que são prerrogativa de cada indivíduo.
Subjacente a todas as realizações gregas, havia uma atitude humanista para com a vida. Os gregos expressavam uma crença no valor, na significação e na dignidade do indivíduo; tinham em vista o aperfeiçoamento máximo do talento humano, o completo desenvolvimento da personalidade e a busca consciente da excelência. Ainda que valorizassem a personalidade humana, os humanistas gregos não aprovavam uma vida sem restrições; visavam à criação de um tipo mais nobre de homem. Esse homem deveria conformar-se a modelos condignos; deveria tornar sua vida tão harmoniosa e perfeita como uma obra de arte. Essa aspiração exigia esforço, disciplina e inteligência. Fundamental para a visão humanista grega era a crença de que o homem podia dominar-se. Embora as pessoas pudessem alterar o curso da natureza, pois havia uma ordem no universo sobre a qual nem os seres humanos nem os deuses tinham controle, o humanista acreditava que as pessoas podiam dirigir suas próprias vidas.
Ao descobrir o raciocínio teórico, definir a liberdade política e conformar o valor e o potencial da personalidade humana, os gregos romperam com o passado e criaram a tradição racional e humanista do Ocidente. "Se não houvesse existido a civilização grega", diz o poeta W. H. Auden, "nunca nos teríamos tornado plenamente conscientes, o que equivale a dizer que nunca nos teríamos tornado, para bem ou para mal, plenamente humanos".
MARVIN, Perry. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 83=84.
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