"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 13 de abril de 2013

As cidades no Brasil imperial

[...] durante a segunda metade do século XIX, a sociedade brasileira passou por mudanças fundamentais. Nesse período, iniciou-se o processo de substituição do trabalho escravo. As fazendas de café deixaram de produzir os gêneros necessários para consumo próprio, constituindo-se, assim, nos primeiros mercados internos. As cidades cresceram e nelas se instalaram as primeiras indústrias.

O Aqueduto da Carioca e o Morro de Santa Teresa, Rio de Janeiro. Victor Frond, ca, 1858


Entre 1850 e 1860, foram inauguradas no Brasil 70 fábricas que produziam chapéus, sabão, tecidos de algodão e cerveja, artigos que até então vinham do exterior. Essas primeiras fábricas já apresentavam um aspecto diferente das antigas oficinas artesanais: utilizavam motor hidráulico ou a vapor e o trabalho era organizado por mestres e contramestres vindos da Europa. Além disso, foram fundados 14 bancos, três caixas econômicas, 20 companhias de navegação a vapor, 23 companhias de seguro, oito estradas de ferro. Criaram-se, ainda, empresas de mineração, transporte urbano, gás, etc.

Os núcleos urbanos, que já vinham se desenvolvendo, ganharam nesse período maior importância. Neles concentravam-se os novos empreendimentos.

O Rio de Janeiro era o espelho de toda essa modernização. A cidade ganhou iluminação a gás e água encanada. Aos poucos as carruagens eram esquecidas, dando lugar, primeiro, aos bondes elétricos, recebidos com grande entusiasmo pelos moradores de Santa Teresa. Os "barões do café" construíam suas chácaras nos bairros mais chics para estar mais perto dos teatros, dos bailes e, principalmente, das decisões políticas que se tomavam na Corte. A cidade ia se aparelhando: construíam-se hotéis e jardins públicos, multiplicavam-se os cafés. Os que chegavam em busca de emprego nas fábricas iam morar nos bairros pobres, onde proliferavam os cortiços.

[...]

Dentre os grandes empreendedores da época, destacou-se a figura de Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá. O sucesso inicial de suas empresas serviu de incentivo a muitos empreendimentos e foi uma atração para o capital privado inglês, que participou ativamente desse primeiro surto industrial.

Em Niterói, Mauá adquiriu um estaleiro, em 1844. Além da construção naval, desenvolveu-se outros setores de produção: fundição de ferro e bronze, calderaria, serralheria. Foi um conjunto industrial de grande importância e chegou a contar com 1.000 operários. Primeiro no setor de serviços públicos e transporte, Mauá fundou a Companhia de Gás para a iluminação das ruas do Rio de Janeiro e, associado a capitais norte-americanos, a Botanical Garden Rail Road Company, empresa de bondes puxados a burro. Organizou também companhias de navegação a vapor no Rio Grande do Sul e no Amazonas. Introduziu no Brasil o telégrafo submarino, que permitia a comunicação telegráfica com a Europa.

O aumento da produção cafeeira e a expansão da lavoura para o interior tornou necessário um sistema de transporte mais moderno. As primeiras ferrovias surgiram da sociedade do Barão de Mauá com capitais ingleses e fazendeiros de café. [...]

Também no setor financeiro, Mauá foi um empreendedor. O Banco Mauá, Mac Gregor & Cia. tinha filiais em Londres, Manchester, Paris e Nova Iorque, bem como nas principais cidades do Brasil, na Argentina e no Uruguai.

[...]

As indústrias localizavam-se nas principais cidades das províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O Rio, em 1872, com 275.000 mil habitantes, tornara-se um pólo de atração para os colonos que, espremidos pelo latifúndio, se deslocavam para a cidade à procura de uma vida melhor. Muitos imigrantes foram trabalhar no comércio e outros empregavam-se nas fábricas, onde eram bem aceitos por constituírem mão-de-obra de melhor nível técnico.

Para os grandes fazendeiros, a vinda para a cidade significava um "banho de civilização". Os filhos poderiam frequentar escolas e faculdades, pois no Brasil não havia universidades. Os rapazes poderiam ser bacharéis e, mais tarde, quem sabe, defender seus interesses na Câmara e no Senado. A vida cultural da cidade se diversificava.

"Ampliando-se o público, ampliaram-se os jornais e revistas em circulação. Fundaram-se associações artísticas e musicais em várias cidades. Aumentou a sociabilidade. Atenuou-se a disciplina rígida do patriarcalismo que segregara no lar a mulher de classe média e alta. A crescente diversificação ocupacional nos grandes centros urbanos tornou mais complexa a estrutura social." (VIOTTI DA COSTA)

Nas cidades e no campo, os valores dominantes ainda são os da aristocracia agrária. As camadas médias urbanas não assumem uma posição autônoma em relação às ideias da classe dominante. Suas principais reivindicações, a Abolição e a República, são as mesmas dos setores mais progressistas da aristocracia agrária.

O operariado, cujas condições de trabalho eram bastante precárias, tenta desenvolver uma ação política independente e oposição, através de algumas greves. Não havia legislação que regulamentasse o trabalho nas fábricas. A jornada de trabalho podia chegar a 16 horas e a mão-de-obra infantil e feminina era usada de maneira indiscriminada, não havendo nenhuma regulamentação salarial. [...]

Apesar das transformações da segunda metade do século XIX, as marcas da sociedade tradicional eram ainda profundas. Um viajante que percorresse o país encontraria, na área litorânea das regiões Sudeste e Sul, núcleos urbanos relativamente grandes, onde floresciam as primeiras indústrias. Mas se caminhasse rumo ao interior ou em direção às regiões mais atrasadas do Nordeste, encontraria uma paisagem muito semelhante àquela descrita pelos cronistas que visitaram o Brasil no período colonial: imensas terras cercadas e trabalhadores escravos, pequenos núcleos urbanos, nos quais os únicos edifícios de destaque eram a igreja e a câmara municipal. Em todos os locais a que chegasse perceberia, porém, uma característica ainda marcante na sociedade brasileira: o poder do proprietário de terras.

ALENCAR, Chico. CARPI, Lucia; RIBEIRO, Marcus Venicio. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986. p. 179-183.

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