"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 27 de abril de 2013

A cidade romana

O mundo romano era um mundo de cidades que falavam latim, grego, mas muitas outras línguas, como o púnico, o céltico ou o aramaico, para mencionar apenas algumas delas. A cultura urbana podia encontrar-se bem longe, fisicamente, das ruas da cidade, em pleno campo, nas fazendas ou villae rusticae, pois nelas havia uma pars urbana, e suas paredes exibiam pinturas e seus pisos mosaicos com temas tipicamente citadinos, como as lutas de gladiadores. Mesmo quem vivia no campo tinha como referencial a cidade.

Para os romanos, assim como para os gregos, a cidade envolvia o campo e a parte urbana era seu centro. Compunha-se de urbs, cercada pelas muralhas, e rus ou ager, o campo. Esse recinto amuralhado, considerado sagrado, era o pomerium, onde estavam os vivos e desarmados. Os mortos [...] deviam ser enterrados fora do pomerium, em geral em tumbas que ladeavam as estradas que davam acesso à urbs. Os soldados armados também deviam reunir-se fora, no campus, campo.Assim como na cidade grega, havia na romana a distinção entre a parte alta, destinada aos templos e, o plano, onde ficava o fórum, ou mercado. No centro, deveria estar um templo, o fórum e outros edifícios públicos, como aquele que albergava as reuniões do conselho municipal, chamado de ordo decurionum, ou ordem de decuriões.

Fórum romano à noite


Havia, ainda, outros equipamentos urbanos, como os teatros, descobertos e cobertos, para diferentes tipos de espetáculos, palestras ou treinamento e exercícios. Os anfiteatros foram uma criação romana. Os jogos de gladiadores, disputados, na sua origem, no fórum e depois em construções provisórias de madeira, levaram posteriormente à criação de um edifício ovalado, destinado a abrigar milhares de espectadores das disputas entre lutadores. Sua forma deriva da necessidade de permitir que o público possa assistir à luta de qualquer lugar, daí o nome que teve de início: spectacula, "local de onde se pode ver". Os eruditos latinos transpuseram esse nome latino popular para o grego e o chamaram "anfiteatro", "local de onde se pode ver dos dois lados".

Alguns estudos recentes indicam que os jogos de gladiadores e os anfiteatros eram essenciais para definir a própria identidade romana: os jogos de gladiadores representariam o lugar onde a civilização e o barbarismo se encontravam, e civilização, como o próprio nome já diz, significava para os romanos cidade. Segundo o historiador contemporâneo Thomas Wiedemann:

A arena era o lugar onde a civilização confrontava a natureza, na forma de feras que representavam um perigo para a humanidade, e onde a justiça social confrontava a má ação, na forma de criminosos, ali executados; e onde o império romano confrontava seus inimigos, na pessoa dos cativos prisioneiros de guerra, mortos ou forçados a combaterem entre si, até a morte.

Seguindo com Wiedemann, percebemos que daí, do espírito por detrás das lutas de gladiadores, decorre a multiplicação de arenas nas cidades fronteiriças do Império Romano, sua localização próxima ao limite físico que separa o recinto urbano amuralhado do ager, e também sua presença no mundo de fala grega, como sinal de identidade romana. Uma das características marcantes dos jogos de gladiadores era a onipresença da morte e a cidade romana, como vimos, era a morada dos vivos, por oposição a morada dos mortos, o que aconselhava a construção do anfiteatro no limite do perímetro urbano, de modo que os mortos fossem logo evacuados para fora dos muros. Nem todos concordariam com essas interpretações do significado da cidade romana pois, afinal, havia uma grande variedade de cidades romanas, muitas delas sem anfiteatros ou lutas de gladiadores, por exemplo.

FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2011. p. 115-118.

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