Alexandre, o Grande se recusa a tomar água, Giuseppe Cades
Babilônia, 11 de junho de 323 a.C.: por volta das 5 horas da tarde, Alexandre, o Grande, morre aos 32 anos, depois de conquistar um império que ia da atual Albânia até o leste do que hoje é o Paquistão. A pergunta sobre o que, ou quem, matou o rei da Macedônia nunca foi respondida com sucesso. Agora, novas teorias estão reabrindo um dos casos mais antigos da história.
As especulações sobre a morte de Alexandre começaram antes mesmo de o corpo do rei esfriar, mas recentemente novas hipóteses vieram à tona. O debate atual foi estimulado pelo filme Alexandre, de Oliver Stone, lançado em 2004. Sejam quais forem suas falhas artísticas, a produção apresenta uma teoria bem apoiada em pesquisas históricas sobre quem matou Alexandre e por quê.
[...]
[...] quando o rei caiu gravemente doente e morreu, os 50 mil homens de seu poderoso exército ficaram em choque, sem saber quem seria seu próximo líder, já que Alexandre não havia planejado sua sucessão e até então não tinha nenhum herdeiro legítimo. O súbito desaparecimento do rei macedônio revelou-se catastrófico e deu início a um período de 50 anos de instabilidade e disputas [...].
É perturbador pensar que o mero acaso - um gole de água do riacho errado ou uma picada de mosquito - tenha posto o mundo antigo em um rumo tão inesperado e perigoso. Uma explicação que atribui a mudança à ação humana pode ser tranquilizadora, mas aponta para uma perspectiva mais sombria da relação de Alexandre com seus Companheiros, o círculo mais próximo de amigos e oficiais de alta patente que o rodeavam na Babilônia.
Historiadores da Antiguidade não chegaram a um consenso sobre a causa da morte do conquistador, embora muitos a atribuam a doenças. Em 1996, Eugene Borza, um especialista na Macedônia antiga, fez parte de uma junta médica da Universidade de Maryland que chegou ao diagnóstico de febre tifóide. Malária, varíola, e leucemia também foram sugeridas, e fatores como alcoolismo, uma infecção causada pelo pulmão ferido e a tristeza pela morte do amigo Heféstion são frequentemente apontados como agravantes. Mas alguns historiadores relutam em identificar uma doença específica, ou mesmo escolher entre doença e assassinato [...].
[...]
A ideia de que o rei macedônio foi assassinado começou a chamar mais atenção em 2004, graças ao final do filme de Oliver Stone. No epílogo, Ptolomeu, o general mais velho de Alexandre [...] relembrando a morte de seu comandante décadas depois, declara: "A verdade é que nós o matamos. Com nosso silêncio, consentimos. Porque não podíamos continuar". Ptolomeu então instrui o alarmado escriba que registra suas palavras a destruir o que havia acabado de escrever e recomeça. "Você vai escrever: ele morreu de febre e de fraqueza."
A ideia de que os generais de Alexandre estavam esgotados pelas campanhas de seu mestre e conspiraram para assassiná-lo, e assim detê-lo, não surgiu da imaginação de Stone. Existem algumas evidências de que nem mesmo os comandantes mais velhos do exército do conquistador estavam dispostos a acompanhá-lo. Na Índia, em 325 a.C., no extremo leste da bacia do rio Indo, os homens do rei da Macedônia se recusaram a marchar em direção ao Ganges. Até os comandantes de patente mais alta participaram do motim. Stone considerou esse episódio um precursor da conspiração para assassinar o rei, uma vez que Alexandre estava mais uma vez planejando novas e grandiosas campanhas na época de sua morte. [...]
Stone se valeu também de pesquisa histórica para conceber a ideia de que Ptolomeu tentou encobrir o assassinato do rei, mas aqui o diretor mergulha em águas muito turvas. O relato que Ptolomeu pede que seu escriba redija no fim de Alexandre aparentemente foi registrado em um documento antigo e controverso, os chamados Diários reais. Embora o texto original tenha se perdido, a obra foi resumida (em diferentes versões) por Ariano e Plutarco, dois escritores gregos da época do Império Romano, que sancionaram o documento como o registro mais confiável sobre os últimos dias de Alexandre.
Alguns pesquisadores, encabeçados pelo classicista australiano Brian Bosworth, acreditam que os Diários reais foram falsificados para fazer com que a morte de Alexandre parecesse natural, exatamente como o filme de Stone mostra. Outros, porém, creem que os Diários eram um legítimo registro da vida cotidiana do rei produzido por uma testemunha ocular, como já afirmavam Ariano e Plutarco.
O debate acerca dos Diários reais tem enormes implicações para o entendimento da morte de Alexandre, porque Ariano e Plutarco descrevem o evento de forma muito diferente de outras fontes da Antiguidade. Ambos afirmam que o conquistador ficou febril depois de um banquete regado a bebidas na casa de um amigo chamado Medius. Sua febre piorou ao longo de 10 ou 12 dias (os dois registros diferem nessa cronologia), culminando numa paralisia que impediu o rei de se mexer e até de falar. A morte veio no dia seguinte.
Vários outros relatos, no entanto, pintam um cenário muito diferente, e foram esses que Stone seguiu em Alexandre. Nessa versão alternativa, o rei macedônio adoeceu durante a festa, não depois dela, e, mais importante: logo depois de beber uma enorme taça de vinho. Esses registros afirmam que Alexandre sentiu pontadas nas costas após ingerir a bebida e gritou em voz alta. Desse ponto em diante, essas fontes registram uma variedade de sintomas, incluindo forte dor, convulsões e delírios, mas pouco ou nada dizem sobre febre, o ponto principal nos relatos de Plutarco e Ariano.
Goles de vinho seguidos de dores agudas sugerem envenenamento, motivo pelo qual Plutarco, em sua biografia de Alexandre, nega essa hipótese de forma veemente [...].
Para os defensores da hipótese de envenenamento, a questão central é "quem fez isso?" O filme de Stone é muito cuidadoso com a resposta. Na cena do banquete fatal, os Companheiros trocam olhares sombrios para mostrar que sabem que a taça de Alexandre contém veneno, mas não há pistas de como a substância foi colocada ali. Muitos escritores romanos e gregos apontam para o mesmo suspeito: Antípatro, o general que Alexandre havia deixado no comando da Macedônia, e para dois de seus filhos, Cassandro e Iolas.
Ele pode de fato ter tido motivos para matar Alexandre na primavera de 323 a.C., porque o rei havia removido de seu posto e ordenado que ele fosse para a Babilônia, quiçá com intenções hostis. O general não foi, mas enviou Cassandro em seu lugar. De acordo com vários registros antigos, Antípatro mandou com seu filho uma dose de água tóxica, coletada do rio Estige, que, segundo acreditavam os gregos antigos, corria acima do chão no norte da região do Peloponeso, antes de mergulhar no inframundo.
A água tinha de ser transportada dentro do casco oco de uma mula, porque se dizia que ela corroía qualquer substância, menos chifres. Na Babilônia, Cassandro teria entregado o casco da mula a seu irmão Iolas, que, convenientemente, servia o vinho a Alexandre. Ele, então, teria posto o veneno na bebida do rei.
Os elementos básicos dessa história são os mesmos em todas as versões da Antiguidade, mas os detalhes variam. Algumas delas mencionam o filósofo Aristóteles como um dos conspiradores. Outros fazem de Medius, o anfitrião do banquete fatal e supostamente amante de Iolas, um membro da trama. [...]
[...] Em 1913, o renomado classicista J. G. Frazer declarou que as águas que os gregos identificavam como do Estige [...] não continham toxinas, o que encerrou a discussão por quase um século.
No entanto, em 2010 duas pesquisadoras reabriram o debate. Durante uma conferência em Barcelona, a historiadora Adrienne Mayor e a toxicologista Antoinette Hayes propuseram que o calcário em torno do Mavroneri poderia facilmente ter cultivado uma bactéria letal chamada caliqueamicina. Agora elas querem realizar testes químicos para determinar se essas bactérias estão presentes ainda hoje na região. [...]
A abordagem de Mayor e Hayes, que relaciona as toxinas disponíveis no mundo antigo com os sintomas atribuídos a Alexandre, foi seguida por outros pesquisadores para formular suas próprias teorias. Em 2009, o toxicologista neozelandês Leo Schep e o detetive John Grieve, da Scoltland Yard, apareceram juntos em um documentário para a TV, Alexander the Great mysterious death ("A misteriosa morte de Alexandre, o Grande"), no qual Schep afirma que o conquistador teria sido envenenado por uma substância usada como remédio pelos gregos antigos, mas que poderia ser letal em grandes doses: o heléboro-branco em pó. Grieve, por sua vez, sugere que o heléboro não foi entregue ao rei por um assassino, mas pelos médicos de Alexandre, que acidentalmente deram uma dose excessiva a seu paciente enquanto tentavam curá-lo.
A toxicologia na qual Schep e Grieve se baseiam, no entanto, levou o escritor Graham Philips a conclusões diferentes. [...] Philips afirma que somente a estricnina poderia ter produzido uma morte como a de Alexandre.
Philips tenta, então, identificar o assassino de Alexandre descobrindo quem tinha acesso à estricnina. A planta venenosa é rara na rota percorrida por Alexandre e só poderia ser cultivada em regiões elevadas do subcontinente indiano [...]. Não foi todo o séquito de Alexandre que o acompanhou por áreas como essas. Ele conclui, então, que a única pessoa que podia ter motivos para assassinar o conquistador e tinha meios para isso era Roxana, a primeira das três esposas do rei. Na visão de Philips, ela teria ficado enfurecida com Alexandre por causa de seus dois casamentos posteriores e o teria matado.
[...]
É surpreendente pensar que Ptolomeu ou Roxana, dois personagens normalmente dependentes e devotados a Alexandre, desejassem sua morte, mas essas possibilidades não podem ser descartadas. E nem a hipótese de Stone de que todos os generais do rei conspiraram no seu assassinato, pelo menos não interferindo para evitá-lo. [...]
[...]
Apesar dos esforços [...] de todos os [...] pesquisadores, a causa da morte de Alexandre permanece um mistério. Se o corpo embalsamado do conquistador algum dia for achado, nós poderemos finalmente desvendá-lo, mas a múmia desapareceu no terceiro ou quarto século de nossa era. [...]
Sem os restos mortais e com testemunhos ambíguos, o ônus da prova no caso de Alexandre recai fortemente sobre evidências circunstanciais, e muitas delas desafiam todas as teorias conspiratórias. [...]
James Romm. Quem matou Alexandre, o Grande? In: Revista História Viva. Ano IX, nº 105. p. 41-47.
Ele pode de fato ter tido motivos para matar Alexandre na primavera de 323 a.C., porque o rei havia removido de seu posto e ordenado que ele fosse para a Babilônia, quiçá com intenções hostis. O general não foi, mas enviou Cassandro em seu lugar. De acordo com vários registros antigos, Antípatro mandou com seu filho uma dose de água tóxica, coletada do rio Estige, que, segundo acreditavam os gregos antigos, corria acima do chão no norte da região do Peloponeso, antes de mergulhar no inframundo.
A água tinha de ser transportada dentro do casco oco de uma mula, porque se dizia que ela corroía qualquer substância, menos chifres. Na Babilônia, Cassandro teria entregado o casco da mula a seu irmão Iolas, que, convenientemente, servia o vinho a Alexandre. Ele, então, teria posto o veneno na bebida do rei.
Os elementos básicos dessa história são os mesmos em todas as versões da Antiguidade, mas os detalhes variam. Algumas delas mencionam o filósofo Aristóteles como um dos conspiradores. Outros fazem de Medius, o anfitrião do banquete fatal e supostamente amante de Iolas, um membro da trama. [...]
[...] Em 1913, o renomado classicista J. G. Frazer declarou que as águas que os gregos identificavam como do Estige [...] não continham toxinas, o que encerrou a discussão por quase um século.
No entanto, em 2010 duas pesquisadoras reabriram o debate. Durante uma conferência em Barcelona, a historiadora Adrienne Mayor e a toxicologista Antoinette Hayes propuseram que o calcário em torno do Mavroneri poderia facilmente ter cultivado uma bactéria letal chamada caliqueamicina. Agora elas querem realizar testes químicos para determinar se essas bactérias estão presentes ainda hoje na região. [...]
A abordagem de Mayor e Hayes, que relaciona as toxinas disponíveis no mundo antigo com os sintomas atribuídos a Alexandre, foi seguida por outros pesquisadores para formular suas próprias teorias. Em 2009, o toxicologista neozelandês Leo Schep e o detetive John Grieve, da Scoltland Yard, apareceram juntos em um documentário para a TV, Alexander the Great mysterious death ("A misteriosa morte de Alexandre, o Grande"), no qual Schep afirma que o conquistador teria sido envenenado por uma substância usada como remédio pelos gregos antigos, mas que poderia ser letal em grandes doses: o heléboro-branco em pó. Grieve, por sua vez, sugere que o heléboro não foi entregue ao rei por um assassino, mas pelos médicos de Alexandre, que acidentalmente deram uma dose excessiva a seu paciente enquanto tentavam curá-lo.
A hipótese já ganhou apoio de pelo menos um especialista em
Alexandre, o classicista britânico Richard Stoneman. [...]
A toxicologia na qual Schep e Grieve se baseiam, no entanto, levou o escritor Graham Philips a conclusões diferentes. [...] Philips afirma que somente a estricnina poderia ter produzido uma morte como a de Alexandre.
Philips tenta, então, identificar o assassino de Alexandre descobrindo quem tinha acesso à estricnina. A planta venenosa é rara na rota percorrida por Alexandre e só poderia ser cultivada em regiões elevadas do subcontinente indiano [...]. Não foi todo o séquito de Alexandre que o acompanhou por áreas como essas. Ele conclui, então, que a única pessoa que podia ter motivos para assassinar o conquistador e tinha meios para isso era Roxana, a primeira das três esposas do rei. Na visão de Philips, ela teria ficado enfurecida com Alexandre por causa de seus dois casamentos posteriores e o teria matado.
[...]
É surpreendente pensar que Ptolomeu ou Roxana, dois personagens normalmente dependentes e devotados a Alexandre, desejassem sua morte, mas essas possibilidades não podem ser descartadas. E nem a hipótese de Stone de que todos os generais do rei conspiraram no seu assassinato, pelo menos não interferindo para evitá-lo. [...]
[...]
Apesar dos esforços [...] de todos os [...] pesquisadores, a causa da morte de Alexandre permanece um mistério. Se o corpo embalsamado do conquistador algum dia for achado, nós poderemos finalmente desvendá-lo, mas a múmia desapareceu no terceiro ou quarto século de nossa era. [...]
Sem os restos mortais e com testemunhos ambíguos, o ônus da prova no caso de Alexandre recai fortemente sobre evidências circunstanciais, e muitas delas desafiam todas as teorias conspiratórias. [...]
James Romm. Quem matou Alexandre, o Grande? In: Revista História Viva. Ano IX, nº 105. p. 41-47.
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