Figurino de uma serva. Dinastia Tang
O ar de superioridade sustentado por gregos e romanos encontrou sua imagem espelhada na China, onde as pessoas olhavam para o mundo e viam apenas bárbaros. Chineses instruídos sabiam da existência das civilizações mediterrâneas, e os gregos e romanos tinham conhecimento da China, mas não o suficiente para minar sua autoestima. A visão de mundo chinesa estava resumida no nome - Zhongguo - pelo qual se referiam ao seu próprio país. Em tradução literal, significava "o reino do meio", mas o sentido subjacente era "o centro do mundo".
O fascínio chinês com o jade criara um comércio de longa distância com os povos da Ásia Central, onde a pedra era encontrada. Esses povos centro-asiáticos também mantinham laços comerciais com os habitantes da Mesopotâmia, que nutriam um caso de amor similar com o lápis-lázuli, encontrado apenas no Afeganistão. Essas estradas oriente-ocidente acabaram se juntando para compor os 6.500 quilômetros da Rota da Seda. Por ela, mais ou menos a partir de 100 a.C., caravanas de camelos transportaram tecidos destinados às ricas senhoras romanas, louças por sedas, no primeiro estágio de uma jornada através da terra e do mar de quase 15 mil quilômetros. Quando chegava a Roma, o pano era desfiado e refeito para criar o tecido semitransparente ao gosto dos romanos. Às vezes, chegava literalmente a valer seu peso em ouro.
Figurino de uma senhora. Dinastia Tang
A Rota da Seda tornou-se a via de transporte não só dos artigos têxteis do oriente, mas também de lã, prata e ouro vindos do ocidente, e para a troca de ideias em ambas as direções. Mas era um comércio conduzido por intermediários, deixando as civilizações dos dois extremos num estado de ignorância sobre as realizações de ambos os povos.
Assim como a Revolução Agrícola na China ocorreu mais tarde do que a do Crescente Fértil, igualmente se deu com a ascensão das vilas e cidades. Quando enfim surgiram, foi como resultado da introdução de irrigação em arga escala. A cultura baseada na lavoura do painço na região do rio Amarelo se originara nas encostas dos vales, onde a água da chuva podia ser retida com as plantações em terraços. Durante o primeiro milênio a.C., o aumento populacional e a propriedade de terras em larga escala tornaram possível a construção de um sistema de diques e canais através da planície aluvial do rio, resultando em notável expansão da terra fértil e sua utilização como áreas produtivas pela primeira vez.
Enquanto a transformação econômica nas margens do rio Amarelo estava em curso, uma mudança ocorreu no modo de produção agrícola do Yangtze, 650 quilômetros ao sul. O processo foi semelhante ao ocorrido com a abertura do vale do Nilo. Ali, também, a floresta densa e pantanosa [...] exibia clareiras que revelavam um solo fértil, nutrido pelas cheias. [...] O cultivo básico da região, o arroz, tinha até então de ser feito em terras altas secas inundadas com água da chuva ou em tanques rasos construídos pelo homem. A partir de 500 a.C., aproximadamente, um novo método de cultivo foi desenvolvido, usando variedades que prosperavam com uma menor profundidade de água.
O surgimento dessa nova cultura de arrozais encharcados coincidiu com a Idade do Ferro na China. A mudança para uma sociedade baseada nesse metal exerceu impacto primeiro nas ferramentas e equipamentos usados na vida cotidiana. A guerra continuou a ser uma atividade de combate pessoal entre aurigas aristocráticos, mas, conforme novas armas de ferro eram inventadas, o equilíbrio de forças perdeu em favor dos exércitos com infantaria disciplinadas, como ocorrera no Mediterrâneo.
De 481 a.C. a 221 a.C., no que ficou conhecido como período dos Estados Combatentes, a guerra era uma característica permanente da vida chinesa. [...] Nesse estágio, o Estado mais a oeste - Qin (pronuncia-se "Tchin") - que, conseguira evitar em grande parte se envolver nas lutas precedentes, partiu numa campanha de conquista, que terminou em 221 a.C. É a partir dessa data que enfim podemos usar o termo "China" como significativo de uma unidade política e cultural, não como mero rótulo geográfico.
[...] As guerras civis que interromperam períodos de governo estabelecido foram em geral iniciadas por rebeliões de um campesinato faminto e oprimido. Mas, durante todas as sublevações, a consciência de uma cultura e de uma história compartilhada permaneceriam dando à China um senso de continuidade com o passado distante que até hoje é uma poderosa força.
Um elemento central nesse senso de continuidade histórica foi propiciado pelos ensinamentos de um grande filósofo que nasceu em 551 a.C. [...]. Seu nome era K'ung Fu-Tzu, ou como é conhecido fora da China, Confúcio. [...] Inspirado pela mãe viúva, tornou-se um estudioso incansável e professor brilhante. [...]
Embora Confúcio fosse um reformador, não era um revolucionário. O princípio motriz de seu pensamento era a busca do que fosse bom nas tradições e práticas do passado, de modo que pudessem ser conservadas como normas de procedimento para a ação no presente. Sua principal preocupação era a ordenação correta da sociedade e as qualidades exigidas dos que aspiravam a governá-la. Ele insistia em que apenas os que haviam recebido uma educação apropriada estavam aptos a exercer a autoridade sobre o próximo. Essa proposição mais tarde formaria a base de uma das características mais duradouras da sociedade chinesa: a classe mandarim de funcionários públicos, selecionada por exames competitivos e respondendo diretamente ao imperador, em vez de servir aos interesses de uma aristocracia local. Esses mandarins muito bem pagos, contudo, eram recrutados em grande parte das classes de proprietários de terras, e em termos sociais eles e a aristocracia representavam uma única classe, tanto física como intelectualmente muito distantes das massas camponesas de quem coletavam impostos. [...]
Esse sistema de administração exercida por funcionários de carreira altamente instruídos tinha vários pontos fortes, mas continha em si a própria fraqueza. Era uma máquina altamente eficaz para conduzir os assuntos cotidianos de um grande império. Mas as consequências da ineficiência eram severas, e inevitavelmente gerou uma atitude conservadora que não se limitou apenas a dominar a administração pública, mas também contaminou o modo de pensar sobre a vida de maneira geral. O conservadorismo resultante de exaltar constantemente o passado não constituía obstáculo ao progresso nas questões práticas, mas estagnava a especulação essencial para o progresso científico. [...]
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No século I a.C., os chineses incrementaram a capacidade de trabalho de seus cavalos concebendo o arreio em colar que é utilizado nos animais de carga até hoje. [...]
Esse período assistiu, também, à invenção da manufatura do papel [...].
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Algumas atividades industriais empreendidas na China desse período são de tirar o fôlego. Um exemplo que ilustra a escala e a ambição da antiga indústria chinesa foi a prática de perfurações profundas para se obter água salgada e gás natural. Por volta do século I a.C., os chineses eram capazes de utilizar brocas de trinta centímetros de diâmetro, com uma tubulação de bambu, a profundidades de cerca de 1,5 quilômetros. [...]
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Para as massas camponesas, vivendo próximas à subsistência, o crescimento populacional não se fazia acompanhar de uma melhoria correspondente no padrão de vida. Colheitas malogradas e fome eram ameaças permanentes. Quando as safras efetivamente sumiam, o desespero levava a revoltas. A maioria era implacavelmente subjugada, mas algumas eram tão explosivas que derrubavam uma dinastia. [...]
O descontentamento de um campesinato oprimido não era o único problema que os governantes da China tinham de combater. Havia ainda a constante ameaça de inimigos além das fronteiras imperiais. [...] Uma das primeiras ações do imperador Shih Huang Ti, da dinastia Qin, em 221 a.C., fora desarmar o império [...] e fundir as armas confiscadas para a fabricação de sinos e estátuas. Tendo desse modo neutralizado toda potencial oposição doméstica, ele voltou sua atenção para a ameaça externa e ordenou a construção de uma "Longa Muralha". [...] Completada em 214 a.C., era tanto uma cadeia de torres de vigilância dominando as estepes de onde um possível ataque podia partir quanto uma afirmação para os estrangeiros de onde ficavam as fronteiras do império.
[...]
Rebeliões camponesas e invasões nômades não foram os únicos infortúnios enfrentados por essa grande civilização ao longo dos séculos. O enorme aumento da população - de menos de 20 milhões em 400 a.C. a mais de 60 milhões no ano 100 - refletiu-se no crescimento de grandes cidades, nas populações dessas cidades e na frequência de viagens entre elas. A consequência foi uma série de epidemias devastadoras, à medida que os exércitos chineses se aventuravam por regiões fronteiriças e uma sucessão de novos vírus e bactérias abriam caminho por concentrações urbanas de pessoas que não haviam adquirido imunidade. [...] Na China, como em outros lugares, a domesticação de animais e a invenção da vida urbana revelaram um lado muito mais sombrio do mundo.
AYDON, Cyril. A história do homem: uma introdução a 150 mil anos de história humana. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 111-120.
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