O Violeiro, Almeida Junior
O reinado de Dom Pedro II foi um período de calmaria social. Somente a partir das últimas décadas, começaram a surgir as tensões entre as camadas dominantes, enquanto nos livros de polêmica ou de poesia (nestes últimos, destacando-se a figura de Castro Alves, o último grande poeta romântico) manifestou-se a crise de transição política.
Na Europa, esgotaram-se o tema e a moda do romantismo. A burguesia - já instalada no poderio econômico - passou a ter sua expressão artística numa nova escola denominada Realismo. Artistas plásticos, poetas, romancistas e músicos procuravam livrar-se dos exageros românticos e instaurar uma estética mais adequada às exigências do progresso material que a industrialização trouxera. Paradoxalmente, se este propósito representou, na prosa de ficção, um surto de grandes obras realistas, na poesia o resultado foi o surgimento de um movimento ultraformalista: o Parnasianismo.
Tudo isso ecoou no Brasil. Não podíamos deixar de imitar o que se passava lá fora. E, nesse clima de imitação, evidentemente restava pouco terreno para a criação de obras originais. A produção literária dos últimos anos do império e dos primeiros da república foi marcada pela obra ficcional de Machado de Assis. Nos romances deste mulato genial aparece, de maneira sutil, irônica e mordaz, toda uma situação social de valores em decadência, toda uma crise que se insinuava sob a capa da polidez reinante. Machado refletiu uma contradição bem própria de sua época: como funcionário público que era, não podia assumir posições nitidamente contrárias ao regime, mas sua pena registrava implacavelmente, em artigos e crônicas, nos romances e principalmente nos magistrais contos, a falsidade do moralismo vigente. As histórias machadianas são relatos de adultério, de crise de consciência pequeno-burguesa, enfim, de vidas sem nenhum heroísmo, de homens mesquinhos e mulheres falsas, como o Bentinho e a Capitu de Dom Casmurro. Nesse sentido, além do especificamente literário - com seu estilo "clássico" - Machado de Assis foi realmente um autor original e pode até mesmo ser considerado um dos mestres mundiais d gênero conto.
Ainda na fase final do Segundo Reinado, começou a tomar corpo na literatura brasileira um tema que depois seria importantíssimo para a afirmação da arte nacional: o Regionalismo. Autores como Manuel de Oliveira Paiva (Dona Guidinha do Poço) e Domingos Olímpio (Luzia-Homem), embora pouco conhecidos, são muito importantes por seu caráter de precursores no gênero regional. Outros, mais conhecidos como Bernardo Guimarães (A Escrava Isaura) ou o visconde de Taunay (Inocência), na esteira de José de Alencar (O Sertanejo, O Gaúcho), praticaram um tipo de ficção em que o tema regional servia de pretexto para um moralismo de sabor romântico já ultrapassado.
Esses movimentos, da mesma forma que os das épocas anteriores, tinham pouca ou nenhuma correspondência em outras formas de arte que não a literatura. O próprio teatro (que, depois das comédias de costumes de Martins Pena, entrou num longo período de estagnação da criatividade) era considerado um subgênero das letras. Mesmo assim, Alencar e Machado escreveram comediazinhas que hoje pouco representam para nós. Artur Azevedo, com suas comédias satíricas, foi quem melhor cultivou esse gênero, aparecendo como o único autor expressivo na fase de transição republicana.
Como decorrência do Realismo e levando até as últimas consequências as próprias estéticas do movimento, chegou até nós, nessa mesma época, o Naturalismo, que procurava fazer um registro quase "fotográfico" da realidade social, principalmente de suas mazelas. O Naturalismo brasileiro significou um grande avanço, por ter sido o primeiro movimento literário a colocar como protagonista das narrativas uma camada social que até então permanecera ignorada pelos artistas: o proletariado urbano. Aluísio Azevedo, com o O Cortiço e outros romances, foi um naturalista de primeiro plano.
Na poesia [...] a direção seguida foi inversa. O culto da forma pura, dos sonetos com "chave de ouro" e "rimas ricas" levou a um verdadeiro afastamento da realidade social. Poetas como Olavo Bilac e Alberto de Oliveira buscavam sua inspiração em temas gregos clássicos, isto já no limiar do século XX, com a eletricidade, a industrialização, as novas classes sociais em emergência...
Este período de fim de século, contudo, foi marcado justamente por essa contradição estética que desembocaria em dois caminhos. Por um lado, um tipo de produção artística voltada para si mesma, satisfeita e bem-pensante - a arte e a literatura "sorriso-da-sociedade", o mundanismo e o cosmopolitismo. Por outro lado, um tipo de pesquisa mais séria, que o desenvolvimento dos estudos de nível superior já propiciava, com críticos e historiadores do quilate de um Silvio Romero e um Capistrano de Abreu; e, além disso, uma busca das raízes populares da nossa criação artística, através dos primeiros estudos mais sérios de folclore. Esta segunda vertente, aliás, correspondia ao maior grau de expressão alcançado pela cultura popular urbana. Organizavam-se os grupos de bairro que dariam origem às sociedades carnavalescas, às escolas de samba, aos conjuntos de chorinho. E começava a tomar impulso a prática daquele que seria o nosso grande esporte nacional: o futebol.
ALENCAR, Chico et alli. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 193-195.
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