Negro cimarrone. Gravura do século XVIII
As manifestações de rebeldia negra vão desde a atitude permanente individual até a fuga em grupos e as insurreições coletivas. Individualmente, o negro expressa sua resistência à escravidão tentando trabalhar da maneira mais lenta possível, destruindo os instrumentos de trabalho. Recorre aos seus deuses ancestrais na procura de socorro e faz suas orações invocando os espíritos contra seus amos. Se há oportunidade, comete atentados contra o senhor e seus capangas, levado por um acesso de fúria ou mesmo de maneira sigilosa e fria.
Na Venezuela, a primeira concentração de escravos africanos é encontrada na mina de ouro de Buria, em 1550. Logo se rebelam, fogem do acampamento mineiro, criam um pequeno exército e, em conjunto com os índios, avançam sobre Barquisimero. Nas minas colombianas, entre 1750-1790, os escravos deflagram o que Jamillo Uribe define como uma verdadeira guerra civil. Um dos resultados desse movimento é o surgimento de vários palenques, redutos de negros livres, equivalentes aos quilombos brasileiros. Mas, o surgimento dos palenques é anterior a esse movimento. Em 1599/1600 o escravo Dionisio Bicho funda palenque San Basilio, que se prolonga no tempo e durante o século XVIII chega a ter existência oficial.
Em 1749, em Caracas, correm rumores de que os negros preparam uma rebelião. A autoridade reprime violentamente. Em 1795 começa a rebelião em Coro, comandada por José Leonardo Chirino [...]. Ainda na Venezuela e em 1810 [...] o número de negros (mas também o de índios e mestiços) fugitivos é maior que dos que estão sob controle. As rebeliões e fugas formam uma população flutuante que vive nas montanhas; são os chamados cimarrones que em 1721 são calculados por volta de 20.000, isto é, 10% ou mais da população africana existente na Venezuela.
Nas montanhas da região fronteiriça entre o São Domingos espanhol e Saint Domingue (depois Haiti) francês, existem comunidades de fugitivos (cimarronas) de ex-escravos. Originam-se do lado francês da ilha e são chamados Negros do Maniel. Durante 50 anos é impossível fazê-los abandonar seu refúgio. Em 1786, a monarquia espanhola dá a anistia e eles aceitam viver num povoado perto da fronteira, onde lhes é permitido viver em liberdade. Em troca das concessões outorgadas pela Coroa, os Negros de Maniel se comprometem a entregar à autoridade os fugitivos que daí em diante cheguem ao povoado. Mais ainda: receberão 50 escudos por escravo fugitivo que entregarem.
No Cabo Beata, ainda em São Domingos, uma comunidade de negros também vindos de Saint Domingue mantém uma economia regular de subsistência, com cultivos e criações de aves e animais domésticos. A autoridade francesa solicita à espanhola que esta permita o envio de uma tropa para "caçar" os fugitivos. Mas a reação da população branca vizinha do lugar os impede. Generosidade? Muito mais seu interesse em manter os negros ali: mão-de-obra barata (bastante escassa) e, em algumas ocasiões, sem pagamento algum. Os negros das plantações de cana da colônia francesa que fogem para o lado espanhol, são recebidos como verdadeiro presente do céu pelos criadores de gado e outros fazendeiros brancos que os acolhem como diaristas ou como simples agregados em troca de trabalho que, como já foi dito, é menos penoso do que o trabalho nas plantações de cana e engenhos. Com os chamados negros Minas, da mesma origem, forma-se a aldeia de San Lorenzo de Minas em 1692, com uma população que oscila entre 400 e 500 habitantes.
O [...] Abade Raynal lembra que na Jamaica, quando os espanhóis são obrigados a deixar a ilha nas mãos dos ingleses, grande número de negros e mulatos aproveita a ocasião para fugir para as montanhas e nelas encontrar a liberdade que lhes é negada entre os brancos. Plantam milho e cacau e enquanto as plantações crescem, descem à planície para roubar alimentos. "A política - diz o Abade - que tem olhos mas não coração, exige que se extermine esse bando de fugitivos", referindo-se aos cinquenta ou sessenta negros que conseguem sobreviver à intensa repressão. As tropas enviadas ao seu encalço, logo sentem a fadiga de um combate contra fantasmas escorregadios que fazem das montanhas e florestas um refúgio que desespera seus perseguidores. A autoridade renuncia a continuar a busca: o risco de uma sublevação das suas próprias tropas não recompensa os eventuais benefícios da captura. Mas os fugitivos aumentam em número. Em certas ocasiões, fogem em grupos matando seus amos, roubando as casas e incendiando-as. A repressão renova-se: emprega assalariados que recebem 900 libras por negro massacrado, cuja cabeça deve ser apresentada como prova para o recebimento do dinheiro prometido. Tudo em vão. Os ingleses constroem fortes, usam artilharia, militarizam toda a colônia, e todos os seus recursos são colocados a serviço da imposição da paz dos cemitérios. Os negros continuam incendiando as plantações e nem os selvagens índios mosquito que são usados contra eles conseguem alguma coisa de efetivo. A Jamaica, todo o Caribe, as Guianas, a Terra Firme, são povoadas pelos fugitivos. São milhares. Formam comunidades. Organizam sua vida. Produzem e se defendem. Procuram recuperar uma parte da humanidade que lhe foi roubada.
A fuga massiva de africanos para áreas mais distantes amplia o cruzamento com mulheres índias. As tribos guerreiras do distrito de Esmeraldas, sob a jurisdição da Audiência de Quito (Equador), e as da Costa de Mosquito na Nicarágua, são produtos deste cruzamento.
A América espanhola está cheia de "vagabundos". As autoridades se queixam, reclamam, reprimem, mas a vagabundagem aumenta. Negros e mestiços se introduzem nas aldeias índias. Criam conflitos. Como têm de viver, apossam-se das terras dos índios. Nas planícies do Orenoco surge um tipo de marginal com alta porcentagem de sangue africano: o habitante das planícies. Na fronteira do sul do Chile, região de gado, prosperam os desocupados; o mesmo se verifica nas planícies argentinas da região de Buenos Aires e nas áreas da fronteira do norte do Uruguai e parte do Rio Grande do Sul, no Brasil. A economia pecuária da região do México chamada El Bajio atrai grande quantidade desses errantes. Certamente, e não casualmente, em 1810, nessa região, há a rebelião popular que inicia a guerra da independência encabeçada por Allende e pelo padre Hidalgo.
[...]
POMER, León. História da América Hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 124-125.
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