Trabalho compulsório indígena. Detalhe de mural do pintor mexicano Diego Rivera.
À parte a imaginação dos supersticiosos conquistadores e colonizadores, não há dúvida de que negros, índios e mestiços com acesso direto a seus amos, tenham aproveitado a oportunidade para matá-los com poções venenosas; para praticar contra eles artes malignas, de cuja eficácia pode-se, obviamente, duvidar.
Há ocasiões em que a rebelião começa sob o aspecto de uma reforma religiosa. É o que acontece em 1712 entre os maias dos altos de Chiapas (sul do México), em meio a profunda crise do sistema colonial. Após a imensa depressão que caracteriza o século XVII há um renascer da economia mercantil. Crescem as exigências tributárias e novas terras em poder dos índios lhes são expropriadas. O primeiro bispo natural da região, Alvarez de Vega, na cidade de San Cristóbal, antes mesmo de ocupar seu cargo decide, na Guatemala de onde é originário, aumentar os direitos que as paróquias têm a obrigação de oferecer ao bispado. Isto obriga os sacerdotes - geralmente indivíduos de origem humilde e pouca renda - a aumentar a pressão sobre os fiéis. Quem não tem dinheiro, deve oferecer milho, cacau e peças de tecidos. Assim, o bispo organiza o comércio em grande escala dessas mercadorias. Os nativos denunciam a espoliação a que estão sendo sujeitos. A esta situação, soman-se espanhóis e crioulos de San Cristóban que, compulsoriamente, vendem roupas, utensílios e vários produtos aos indígenas, sem preocupar-se se podem ou não pagar. Os devedores vêem seus bens embargados, perdem suas terras e gados. O intercâmbio forçado provoca um verdadeiro marasmo.
O movimento de 1712 inicia-se a partir da descoberta de uma "imagem que fala" da Virgem Santíssima, feita por um jovem da comunidade de Cancuc. A instabilidade psicológica gerada pela crise - diz Henri Favre - se canaliza em termos religiosos. Não tarda o surgimento da insurreição armada.
Na região de Tucumán (hoje Argentina), entre 1657 e 1665, os índios calchaquís se sublevam, liderados por um aventureiro espanhol chamado Pedro Bohorquez, o qual reclama para si a coroa incaica. O falso inca instala sua capital e organiza sua corte; tenta discutir com a autoridade colonial usando seu poder. Entre os antecedentes deste movimento, cuja importância certamente não foi subestimada pelos contemporâneos, cita-se a sublevação dos índios diaguitas e calchaquís na mesma região, entre os anos 1630-1635.
No Peru, entre várias rebeliões, citaremos duas. A primeira começa em 1743 quando o índio Juan Santos se proclama o "último inca", e nas montanhas de Chanchamayo passa a usar o prestigioso nome de Atahualpa II, rei dos Andes. Os revoltados ocupam o forte de Quimirí e enforcam os soldados prisioneiros. A resposta não tarda e o forte é bombardeado pelos espanhóis. A rebelião se arrasta. Seis anos mais tarde, corre o rumor que Juan Santos foi assassinado por seus partidários. Os índios que vivem nas cidades - e até esse momento silenciosos simpatizantes do rei dos Andes - começam conspirar abertamente. Em Lima, as reuniões se realizam na colina de Amancaes, e o número de conspiradores ascende a mais de dois mil. Os planos da insurreição são revelados por um mestiço chamado Jorge Gobea, traindo o movimento e o governador prende os chefes, entre os quais há alguns negros. Logo após as torturas (capazes de "fazer um mudo cantar") seis dos chefes são enforcados e esquartejados e suas cabeças expostas publicamente.
O Vice-rei persuadiu-se de que a repressão terrorista servira para inibir futuras tentativas. Equivocou-se. Em 29 de setembro de 1749 em Huarochiri, quase às portas de Lima, mais de 20 mil nativos estão em formação de combate. Em maio de 1750, após árdua luta - na qual a traição tem um papel relevante -a acaba tudo. A divisão e a anarquia entre os sublevados, aliadas à traição, foram decisivas para a derrota.
A outra insurreição [...] acontece no Peru em novembro de 1780. Seu chefe é José Gabriel Condorcanqui, que se dizia bisneto do décimo-sexto inca, executado em 1571 em Cuzco. José Gabriel passa a usar o nome do seu bisavô, Tupac Amaru; é cacique da província de Tuita e foi aluno brilhante em Colégio de Nobres. Ainda que tenha traços de origem indígena, Condoscanqui se veste como um cavalheiro espanhol e mostra um comportamento e uma cultura refinados. Seu movimento é claramente social: é contra a brutal exploração do índios nas minas e nas oficinas artesanais; contra os castigos físicos executados pelos amos e autoridades coloniais; contra a violência; as cobranças e multas dos corregedores, temíveis funcionários; contra os tributos abusivos.
A sublevação de Tupac Amaru, que conta também com o apoio de outros líderes como Tomás Catari e Tupac Catari [...], sacode o império espanhol e seus ecos chegam a Buenos Aires e Santiago do Chile. As massas nativas do Peru, de grande parte da Bolívia e de regiões do norte argentino, somam-se ao movimento. Após intensas batalhas, nas quais os índios mostram grande valentia, mas também indisciplina, o poder espanhol triunfa e José Gabriel tem seu corpo esquartejado por quatro cavalos. Previamente, cortaram-lhe a língua. Depois de morto, cortaram-lhe a cabeça. Pedaços de seu corpo foram levados no lombo de mulas aos lugares onde a insurreição fora mais forte. Ficaram expostos para lição daqueles que pretendessem seguir seu exemplo. Não obstante, três anos mais tarde, a rebelião ressurge novamente, desta vez liderada por Felipe Velazco, que adota o nome de Tupac Amaru Yupanqui. Entre o povo, corre o boato de que Tupac Amaru não está morto.
Os historiadores discordam sobre os objetivos finais do formidável movimento de Tupac Amaru. O autor do mais importante trabalho sobre o assunto, Boleslao Lewin, opina que o objetivo perseguido é a total expulsão dos espanhóis e a instauração de um Estado indígena.
POMER, León. História da América Hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 122-123.
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