O Império Inca se estendia ao
longo da cordilheira dos Andes, da
Colômbia ao Chile. O Equador, o Peru, as terras altas da Bolívia, o norte da Argentina e o Chile [...] formavam
parte de seu território.
Em seu interior encontramos diferenças
geográficas notáveis e povos de diferentes civilizações, centralizados num
esquema unificador. O Estado inca, respeitando as antigas funções das
comunidades aldeãs chamadas ayllus, incorporou militarmente outros Estados,
impondo uma unidade política, econômico-social e religiosa, justificando a
denominação de Império.
Machu Picchu |
[...]
O Império Inca integrou povos de diferentes culturas [...].
Quatro grupos de povos sobressaem: os chimus, no litoral norte do Peru; os
urus, que viviam nas proximidades do lago Titicaca (na Bolívia); os aimarás, na
região sul e leste do mesmo lago; e os quíchuas, que formavam o maior
contingente do Império.
[...]
A comunidade aldeã estava unida por laços sanguíneos em
diferentes graus de parentesco e pela crença comum de ser descendente de um
mesmo passado místico. Dentro dela não havia a propriedade privada da terra.
[...]
[Origens] Os Incas impuseram a 15 milhões de pessoas a mesma
língua, a mesma cultura, a mesma religião (ainda que respeitando os deuses
locais, considerados secundários) e um Estado centralizado. A construção desse
projeto unificador foi feita através da violência generalizada, da coerção e do
convencimento ideológico. [...]
[...]
Os incas possuíam um excelente esquema de comunicação. Os
chasquis, ou correios dos incas, atravessavam os caminhos ziguezagueantes do
Império, através de desertos, montanhas e rios. Eram homens que se colocavam a
distâncias consideráveis para receber e transmitir a outro ponto, mediante
longas corridas, qualquer sinal de perturbação. Pontos de descanso, chamados
tambos, continham alimento, água e um lugar de repouso para os fatigados
servidores.
[...]
* Chavín de Huantar. Chavín de Huantar foi um centro cerimonial
localizado nas serras setentrionais do Peru, sobre um afluente do rio Maranhão,
para onde convergiam peregrinos de toda a região. Chavín é um conjunto
arquitetônico feito de pedras colocadas alternadamente em camadas finas e
grossas, sem revestimentos ou massas soldantes.
[...]
O centro cerimonial de Chavín de Huantar foi construído
graças aos donativos e às oferendas em trabalho de milhares de peregrinos,
dirigidos pelos sacerdotes do "jaguar" num culto similar ao de
Quetzalcoatl-Kukulkán. [...]
[...]
Chavín possibilitou a unidade cultural das aldeias
espalhadas pelo Peru, que possuíam uma agricultura diversificada, com mandioca,
milho, abóbora, etc. [...]
* A costa norte: a cultura mochica. Numa superfície de 66
000 km², através de vales e serras, estendeu-se a cultura mochica, a partir de
seus centros localizados nos vales de Moche, Vicus e Chicamba. [...]
Entre o rio Moche e o Serro Branco se localiza o conjunto
arquitetônico mais representativo da cultura mochica. Trata-se de Huanca do Sol
e Huanca da Lua. A primeira é uma plataforma de 228 metros de
comprimento e 18 m
de altura. Sobre ela se levanta a pirâmide propriamente dita, de 103 m de lado por 23 m de altura, igualmente
escalonada como a base.
A Huanca da Lua consta de uma plataforma de 80 m de lado por 60 m de altura, e uma pirâmide
de 21 m ,
construídas de barro e não de pedras. Esta é uma característica fundamental da
arte mochica: a utilização do barro, tanto nas construções como no artesanato,
que reproduzia fielmente o meio ambiente que os rodeava. [...]
[...]
* Costa sul: a cultura nazca. Nos vales de Pisco, Ica e
Nazca se desenvolveu uma cultura denominada simplesmente nazca, que evoluiu de
uma anterior, a paraca. Sua arquitetura é desconhecida, pois só sobreviveram
pequenas bases de terraços construídos de barro. [...] O que o tempo nos legou,
e a partir do que é possível inferir a existência de uma cultura, são os
artísticos trabalhos em barro e as coloridas artes têxteis. [...]
* A serra: a cultura recuay. Na serra setentrional peruana,
num local denominado Callejón de Huyalas, encontramos a civilização
"subterrânea" de recuay. Ao contrário da mochica e da nazca que
utilizavam o barro, a recuay trabalhou a pedra como matéria-prima para suas
construções.
Os edifícios são unidos por longas galerias fechadas,
entrando e saindo desses corredores por buracos abertos em sua parte superior.
[...]
As vasilhames apresentam homens e mulheres sentados com os
joelhos sobre a cintura. Nas pedras esculpidas encontramos o jaguar, com o
corpo de perfil e o rosto de frente, resquícios da influência chavín. [...]
* Tiahuanaco. Atualmente um pequeno povoado [...] e um
conjunto de ruínas situadas no altiplano boliviano [...] ao sul do lago
Titicaca, levam o nome de Tihuanaco. [...]
A devastação começou seguramente com a chegada dos incas e
continuou com os espanhóis. Tanto o moderno povoado de Tiahuanaco, as obras da
estrada de ferro, como os grandes edifícios de La Paz foram construídos com
material extraído de Tiahuanaco. [...]
Porta do Sol, Tihuanaco
Mais que uma cidade ou centro de um império, Tihuanaco, da
mesma forma que Chavín de Huantar ou Teotihuacán, foi um centro religioso.
[...]
|
[...]
[A expansão inca] Conta a tradição que oito irmãos,
"filhos do sol", saíram de um conjunto de cavernas, existente a 8
léguas da cidade de Cuzco, iniciando uma migração à procura de terras férteis.
Depois de longos anos de peregrinação, nos quais os irmãos foram morrendo,
chegaram ao vale de Cuzco, onde se instalaram. Nesse caminhar, os dois únicos
sobreviventes, Ayac-Manco e sua irmã Mama Oclla, se casaram dando início à
dinastia Inca, com o nome de Manco-Capac.
Os oito irmãos representavam as comunidades que foram se
estabelecer no vale, e a peregrinação significa a migração dos incas desde o
lago Titicaca até a futura capital do Império. Os incas procediam da região
Colha, de língua aimará. Uma vez submetida a população local de língua quíchua,
Manco-Capac concentrou seus esforços na dominação no vale. Sete Incas o
sucederam no cargo.
[...]
Na sua expansão pelos vales vizinhos, os incas enfrentaram a
Confederação Chanca, formada pela união de várias comunidades aldeãs, num
Estado ainda não suficientemente forte para resistir às tropas [...].
A derrota dos chancas consolidou a tendência expansionista
dos incas [...].
[...] No vale do Canhete os incas encontraram forte
resistência. Os chichas do vale do Nazca e Ica mantiveram-se em luta durante
anos, não hesitando em destruir os canais de irrigação na vã tentativa de
barrar o avanço inca. [...]
Cajamarca, no vale do Maranhão, foi a próxima região a ser
submetida. Em Cajamarquinha, tropas dos povos agricultores, caçadores e
pescadores não foram obstáculos para os incas. [...]
[...]
A característica fundamental desses Estados era sua
acentuada urbanização. A cidade de Chanchan era um conjunto de 18 km² de
superfície, divididos em 10 bairros separados por altos muros. Os chimus tinham
uma cerâmica monocromática e uma arte têxtil desenvolvida, mas era na
metalurgia, no trabalho com o ouro, a prata, o cobre e o bronze, que estavam
mais adiantados. [...]
Dessa civilização os incas adaptaram o sistema de
comunicação feito a pé, de homem para homem situados em pontos
preestabelecidos, possibilitando um contato rápido entre a capital e as
localidades mais distantes. Também o sistema numérico através de cordas [...]
teve sua origem entre os chimus.
[...]
A partir de Cuzco, capital do Império, o território inca
estava dividido num sistema mais ideal que real: em duas partes subdivididas em
quatro. A parte de cima correspondia a Chinchaysuyu e Antisuyu, e a parte
inferior a Cuntisuyu e Collasuyu.
Ao mesmo tempo existia uma hierarquia nas duas metades.
[...]
[...]
As comunidades aldeãs, por sua vez, eram governadas por um
representante do Estado chamado curaca, que fracionava a população em grupos de
10 ou 50 pessoas, vigiadas por uma espécie de capataz. A missão de todos era a
vigilância contínua. Periodicamente partiam de Cuzco delegados imperiais
encarregados de fiscalizar os chefes provinciais e locais, numa espécie de
"auditoria".
À frente do Estado encontramos o Inca, pessoa divinificada,
adorada e reverenciada por todos. Herdeiro de Manco-Capac, ninguém podia olhar
seu rosto e os nobres deviam apresentar-se diante dele descalços e com um peso
nas costas que os obrigasse a se manterem curvados. O Inca era vestido pelas
"virgens do Sol", escolhidas entre as crianças das aldeias que
demonstrassem melhores aptidões nas artes têxteis.
Quando o Inca morria, suas propriedades passavam ao poder de
seus familiares, encarregados de manter a múmia do soberano. [...]
Integravam a nobreza os familiares dos dirigentes dos onze
ayllus reais [...]. Entre eles eram selecionados os membros da alta burocracia
estatal e os membros do estado-maior do exército. Existia uma nobreza menor
formada pelos funcionários das províncias e autoridades alocadas em funções
locais.
Junto ao Inca encontramos o sumo sacerdote, o huillac umu,
geralmente irmão do Inca. Os sacerdotes eram escolhidos entre a nobreza e sua
função nos rituais sagrados consistia em manter o templo, fazer sacrifícios e
se comunicar com os deuses. [...]
Os sacerdotes faziam cálculos, feitiçarias, adivinhações,
realizavam sacrifícios, interpretavam sonhos e ensaiavam curas milagrosas. Todo
esse aparato servia à transmissão de lendas, histórias, normas e regulamentos,
que asseguravam o sistema de dominação aplicado pela burocracia estatal e
garantido pelos guerreiros.
[...] Dado o caráter guerreiro do Império Inca, o
treinamento da nobreza era rigoroso. Incluía o estudo da história dos povos
submetidos, das campanhas dos incas, envolvia geografia, a arte de defesa e do
ataque, cercos a cidades, fortificações, diplomacia, espionagem, etc. Exigia o
que hoje denominaríamos das artes militares, que nada adiantaram contra os
cavalos, as armas de fogo e os cães de guerra dos espanhóis.
A classe-Estado (sacerdotes, guerreiros, funcionários) se
mantinha graças ao excedente extraído das comunidades aldeãs. [...]
Os trabalhadores das comunidades aldeãs eram chamados
llacta-runa. Ao mesmo tempo que se dedicavam a extrair do solo o sustento
necessário para sua auto-subsistência, tinham a obrigação de trabalhar as
terras do Sol, do Inca e dos curacas.
O Estado requeria grandes contingentes de mão-de-obra para
as construções de centros urbanos, fortalezas, caminhos, pontes, terraços e
canais de irrigação bem como para sua manutenção. A mita era um serviço pessoal
e periódico feito ao Inca durante um tempo prefixado (durava de dois a três
meses) em que o Estado simplesmente os sustentava. [...]
Num degrau inferior da escala social existiam os yanaconas,
cuja origem foi a sublevação da cidade de Yanacu, condenados pelo Inca à
servidão perpétua, castigo estendido a seus descendentes. [...]
[...]
Os yanas eram utilizados nos mais diversos serviços.
Trabalhavam como carregadores, cumpriam funções domésticas, limpavam os
templos, etc., mas sua principal tarefa era servir nas terras particulares.
[...]
Os artesãos especializados eram outra mão-de-obra que estava
sendo separada dos ayllu. Trabalhadores metalúrgicos, tapeceiros, ceramistas,
ourives, escultores, etc. eram selecionados por delegados do Inca e remetidos a
Cuzco, passando a depender diretamente do Estado. [...]
Uma sociedade que tributava as pessoas e não a produção
devia possuir um sofisticado esquema de controle. O Estado inca conhecia a
quantidade de homens, mulheres e crianças de cada ayllu, conhecia o número de
indivíduos com que podia contar para montar um exército sem afetar a produção,
sabia quanta mão-de-obra era necessária para construir uma ponte e onde
requisitá-la. Sabia das necessidades em alimento, roupas e armas para sustentar
os mitamáes.
O segredo dessa contabilidade sem computadores são os
quipos, longos cordões aos quais eram amarrados uma multiplicidade de
cordõezinhos, onde se faziam diferentes tipos de nós, como sinais. [...]
[...]
Quem fazia a leitura dos quipos eram os funcionários
chamados de quipucamayucs. Qualquer erro na confecção ou na leitura dos quipos
era pago com a morte. Uma gigantesca burocracia mandava informações ao poder
central, que transmitia suas ordens da mesma forma.
Quipos |
O sistema de dominação imposto pelos incas fazia com que a
terra e a água fossem propriedades do Estado, que concedia às comunidades o
direito de permanecer e usufruir sua produção. Qualquer revolta significava
perder esse direito. [...]
[...]
A região do Titicaca se especializou na criação de rebanhos
de lhamas, guanacos, vicunhas e alpacas. [...]
[...]
A batata-doce, o manco (cereal desaparecido), o quinua
(legume cujas folhas se utilizam como espinafre), o tomate, a goiaba, a anona
(fruto parecido com a maçã), o abacate, o amendoim, etc. eram produtos
plantados pelas comunidades aldeãs.
Graças a um século de experiências, os americanos
conseguiram produzir setecentas variedades de batata que se adaptaram aos mais
diversos climas. [...] A produção da batata, anterior ao milho, desenvolveu-se
principalmente nas regiões do altiplano, e o milho nas regiões temperadas.
A batata é um produto típico das comunidades aldeãs
auto-suficientes, enquanto o milho é produto das grandes obras públicas levadas
adiante pelo Estado.
[...]
PEREGALLI, Enrique. A América que os europeus encontraram.
São Paulo: Atual, 2003. p. 49-67.
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