"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 3 de novembro de 2012

América Andina: a formação do Império Inca

O Império Inca se estendia ao longo da cordilheira dos Andes,     da Colômbia ao Chile. O Equador, o Peru, as terras altas da Bolívia,  o norte da Argentina e o Chile [...] formavam parte de seu território.

Em seu interior encontramos diferenças geográficas notáveis e povos de diferentes civilizações, centralizados num esquema unificador. O Estado inca, respeitando as antigas funções das comunidades aldeãs chamadas ayllus, incorporou militarmente outros Estados, impondo uma unidade política, econômico-social e religiosa, justificando a denominação de Império.


Machu Picchu

[...]

O Império Inca integrou povos de diferentes culturas [...]. Quatro grupos de povos sobressaem: os chimus, no litoral norte do Peru; os urus, que viviam nas proximidades do lago Titicaca (na Bolívia); os aimarás, na região sul e leste do mesmo lago; e os quíchuas, que formavam o maior contingente do Império.

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A comunidade aldeã estava unida por laços sanguíneos em diferentes graus de parentesco e pela crença comum de ser descendente de um mesmo passado místico. Dentro dela não havia a propriedade privada da terra. [...]

[Origens] Os Incas impuseram a 15 milhões de pessoas a mesma língua, a mesma cultura, a mesma religião (ainda que respeitando os deuses locais, considerados secundários) e um Estado centralizado. A construção desse projeto unificador foi feita através da violência generalizada, da coerção e do convencimento ideológico. [...]

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Os incas possuíam um excelente esquema de comunicação. Os chasquis, ou correios dos incas, atravessavam os caminhos ziguezagueantes do Império, através de desertos, montanhas e rios. Eram homens que se colocavam a distâncias consideráveis para receber e transmitir a outro ponto, mediante longas corridas, qualquer sinal de perturbação. Pontos de descanso, chamados tambos, continham alimento, água e um lugar de repouso para os fatigados servidores.

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* Chavín de Huantar. Chavín de Huantar foi um centro cerimonial localizado nas serras setentrionais do Peru, sobre um afluente do rio Maranhão, para onde convergiam peregrinos de toda a região. Chavín é um conjunto arquitetônico feito de pedras colocadas alternadamente em camadas finas e grossas, sem revestimentos ou massas soldantes.

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O centro cerimonial de Chavín de Huantar foi construído graças aos donativos e às oferendas em trabalho de milhares de peregrinos, dirigidos pelos sacerdotes do "jaguar" num culto similar ao de Quetzalcoatl-Kukulkán. [...]

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Chavín possibilitou a unidade cultural das aldeias espalhadas pelo Peru, que possuíam uma agricultura diversificada, com mandioca, milho, abóbora, etc. [...]

* A costa norte: a cultura mochica. Numa superfície de 66 000 km², através de vales e serras, estendeu-se a cultura mochica, a partir de seus centros localizados nos vales de Moche, Vicus e Chicamba. [...]

Entre o rio Moche e o Serro Branco se localiza o conjunto arquitetônico mais representativo da cultura mochica. Trata-se de Huanca do Sol e Huanca da Lua. A primeira é uma plataforma de 228 metros de comprimento e 18 m de altura. Sobre ela se levanta a pirâmide propriamente dita, de 103 m de lado por 23 m de altura, igualmente escalonada como a base.

A Huanca da Lua consta de uma plataforma de 80 m de lado por 60 m de altura, e uma pirâmide de 21 m, construídas de barro e não de pedras. Esta é uma característica fundamental da arte mochica: a utilização do barro, tanto nas construções como no artesanato, que reproduzia fielmente o meio ambiente que os rodeava. [...]

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* Costa sul: a cultura nazca. Nos vales de Pisco, Ica e Nazca se desenvolveu uma cultura denominada simplesmente nazca, que evoluiu de uma anterior, a paraca. Sua arquitetura é desconhecida, pois só sobreviveram pequenas bases de terraços construídos de barro. [...] O que o tempo nos legou, e a partir do que é possível inferir a existência de uma cultura, são os artísticos trabalhos em barro e as coloridas artes têxteis. [...]

* A serra: a cultura recuay. Na serra setentrional peruana, num local denominado Callejón de Huyalas, encontramos a civilização "subterrânea" de recuay. Ao contrário da mochica e da nazca que utilizavam o barro, a recuay trabalhou a pedra como matéria-prima para suas construções.

Os edifícios são unidos por longas galerias fechadas, entrando e saindo desses corredores por buracos abertos em sua parte superior. [...]

As vasilhames apresentam homens e mulheres sentados com os joelhos sobre a cintura. Nas pedras esculpidas encontramos o jaguar, com o corpo de perfil e o rosto de frente, resquícios da influência chavín. [...]

* Tiahuanaco. Atualmente um pequeno povoado [...] e um conjunto de ruínas situadas no altiplano boliviano [...] ao sul do lago Titicaca, levam o nome de Tihuanaco. [...]

A devastação começou seguramente com a chegada dos incas e continuou com os espanhóis. Tanto o moderno povoado de Tiahuanaco, as obras da estrada de ferro, como os grandes edifícios de La Paz foram construídos com material extraído de Tiahuanaco. [...]


Porta do Sol, Tihuanaco  

Mais que uma cidade ou centro de um império, Tihuanaco, da mesma forma que Chavín de Huantar ou Teotihuacán, foi um centro religioso. [...]
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[A expansão inca] Conta a tradição que oito irmãos, "filhos do sol", saíram de um conjunto de cavernas, existente a 8 léguas da cidade de Cuzco, iniciando uma migração à procura de terras férteis. Depois de longos anos de peregrinação, nos quais os irmãos foram morrendo, chegaram ao vale de Cuzco, onde se instalaram. Nesse caminhar, os dois únicos sobreviventes, Ayac-Manco e sua irmã Mama Oclla, se casaram dando início à dinastia Inca, com o nome de Manco-Capac.

Os oito irmãos representavam as comunidades que foram se estabelecer no vale, e a peregrinação significa a migração dos incas desde o lago Titicaca até a futura capital do Império. Os incas procediam da região Colha, de língua aimará. Uma vez submetida a população local de língua quíchua, Manco-Capac concentrou seus esforços na dominação no vale. Sete Incas o sucederam no cargo.

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Na sua expansão pelos vales vizinhos, os incas enfrentaram a Confederação Chanca, formada pela união de várias comunidades aldeãs, num Estado ainda não suficientemente forte para resistir às tropas [...].

A derrota dos chancas consolidou a tendência expansionista dos incas [...].

[...] No vale do Canhete os incas encontraram forte resistência. Os chichas do vale do Nazca e Ica mantiveram-se em luta durante anos, não hesitando em destruir os canais de irrigação na vã tentativa de barrar o avanço inca. [...]

Cajamarca, no vale do Maranhão, foi a próxima região a ser submetida. Em Cajamarquinha, tropas dos povos agricultores, caçadores e pescadores não foram obstáculos para os incas. [...]

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A característica fundamental desses Estados era sua acentuada urbanização. A cidade de Chanchan era um conjunto de 18 km² de superfície, divididos em 10 bairros separados por altos muros. Os chimus tinham uma cerâmica monocromática e uma arte têxtil desenvolvida, mas era na metalurgia, no trabalho com o ouro, a prata, o cobre e o bronze, que estavam mais adiantados. [...]

Dessa civilização os incas adaptaram o sistema de comunicação feito a pé, de homem para homem situados em pontos preestabelecidos, possibilitando um contato rápido entre a capital e as localidades mais distantes. Também o sistema numérico através de cordas [...] teve sua origem entre os chimus.

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A partir de Cuzco, capital do Império, o território inca estava dividido num sistema mais ideal que real: em duas partes subdivididas em quatro. A parte de cima correspondia a Chinchaysuyu e Antisuyu, e a parte inferior a Cuntisuyu e Collasuyu.

Ao mesmo tempo existia uma hierarquia nas duas metades. [...]

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As comunidades aldeãs, por sua vez, eram governadas por um representante do Estado chamado curaca, que fracionava a população em grupos de 10 ou 50 pessoas, vigiadas por uma espécie de capataz. A missão de todos era a vigilância contínua. Periodicamente partiam de Cuzco delegados imperiais encarregados de fiscalizar os chefes provinciais e locais, numa espécie de "auditoria".

À frente do Estado encontramos o Inca, pessoa divinificada, adorada e reverenciada por todos. Herdeiro de Manco-Capac, ninguém podia olhar seu rosto e os nobres deviam apresentar-se diante dele descalços e com um peso nas costas que os obrigasse a se manterem curvados. O Inca era vestido pelas "virgens do Sol", escolhidas entre as crianças das aldeias que demonstrassem melhores aptidões nas artes têxteis.

Quando o Inca morria, suas propriedades passavam ao poder de seus familiares, encarregados de manter a múmia do soberano. [...]

Integravam a nobreza os familiares dos dirigentes dos onze ayllus reais [...]. Entre eles eram selecionados os membros da alta burocracia estatal e os membros do estado-maior do exército. Existia uma nobreza menor formada pelos funcionários das províncias e autoridades alocadas em funções locais.

Junto ao Inca encontramos o sumo sacerdote, o huillac umu, geralmente irmão do Inca. Os sacerdotes eram escolhidos entre a nobreza e sua função nos rituais sagrados consistia em manter o templo, fazer sacrifícios e se comunicar com os deuses. [...]

Os sacerdotes faziam cálculos, feitiçarias, adivinhações, realizavam sacrifícios, interpretavam sonhos e ensaiavam curas milagrosas. Todo esse aparato servia à transmissão de lendas, histórias, normas e regulamentos, que asseguravam o sistema de dominação aplicado pela burocracia estatal e garantido pelos guerreiros.

[...] Dado o caráter guerreiro do Império Inca, o treinamento da nobreza era rigoroso. Incluía o estudo da história dos povos submetidos, das campanhas dos incas, envolvia geografia, a arte de defesa e do ataque, cercos a cidades, fortificações, diplomacia, espionagem, etc. Exigia o que hoje denominaríamos das artes militares, que nada adiantaram contra os cavalos, as armas de fogo e os cães de guerra dos espanhóis.

A classe-Estado (sacerdotes, guerreiros, funcionários) se mantinha graças ao excedente extraído das comunidades aldeãs. [...]

Os trabalhadores das comunidades aldeãs eram chamados llacta-runa. Ao mesmo tempo que se dedicavam a extrair do solo o sustento necessário para sua auto-subsistência, tinham a obrigação de trabalhar as terras do Sol, do Inca e dos curacas.

O Estado requeria grandes contingentes de mão-de-obra para as construções de centros urbanos, fortalezas, caminhos, pontes, terraços e canais de irrigação bem como para sua manutenção. A mita era um serviço pessoal e periódico feito ao Inca durante um tempo prefixado (durava de dois a três meses) em que o Estado simplesmente os sustentava. [...]

Num degrau inferior da escala social existiam os yanaconas, cuja origem foi a sublevação da cidade de Yanacu, condenados pelo Inca à servidão perpétua, castigo estendido a seus descendentes. [...]

[...]

Os yanas eram utilizados nos mais diversos serviços. Trabalhavam como carregadores, cumpriam funções domésticas, limpavam os templos, etc., mas sua principal tarefa era servir nas terras particulares. [...]

Os artesãos especializados eram outra mão-de-obra que estava sendo separada dos ayllu. Trabalhadores metalúrgicos, tapeceiros, ceramistas, ourives, escultores, etc. eram selecionados por delegados do Inca e remetidos a Cuzco, passando a depender diretamente do Estado. [...]

Uma sociedade que tributava as pessoas e não a produção devia possuir um sofisticado esquema de controle. O Estado inca conhecia a quantidade de homens, mulheres e crianças de cada ayllu, conhecia o número de indivíduos com que podia contar para montar um exército sem afetar a produção, sabia quanta mão-de-obra era necessária para construir uma ponte e onde requisitá-la. Sabia das necessidades em alimento, roupas e armas para sustentar os mitamáes.

O segredo dessa contabilidade sem computadores são os quipos, longos cordões aos quais eram amarrados uma multiplicidade de cordõezinhos, onde se faziam diferentes tipos de nós, como sinais. [...]

[...]

Quem fazia a leitura dos quipos eram os funcionários chamados de quipucamayucs. Qualquer erro na confecção ou na leitura dos quipos era pago com a morte. Uma gigantesca burocracia mandava informações ao poder central, que transmitia suas ordens da mesma forma.

Quipos 

O sistema de dominação imposto pelos incas fazia com que a terra e a água fossem propriedades do Estado, que concedia às comunidades o direito de permanecer e usufruir sua produção. Qualquer revolta significava perder esse direito. [...]

[...]

A região do Titicaca se especializou na criação de rebanhos de lhamas, guanacos, vicunhas e alpacas. [...]

[...]

A batata-doce, o manco (cereal desaparecido), o quinua (legume cujas folhas se utilizam como espinafre), o tomate, a goiaba, a anona (fruto parecido com a maçã), o abacate, o amendoim, etc. eram produtos plantados pelas comunidades aldeãs.

Graças a um século de experiências, os americanos conseguiram produzir setecentas variedades de batata que se adaptaram aos mais diversos climas. [...] A produção da batata, anterior ao milho, desenvolveu-se principalmente nas regiões do altiplano, e o milho nas regiões temperadas.

A batata é um produto típico das comunidades aldeãs auto-suficientes, enquanto o milho é produto das grandes obras públicas levadas adiante pelo Estado.

[...]

PEREGALLI, Enrique. A América que os europeus encontraram. São Paulo: Atual, 2003. p. 49-67.

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