"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Um novo deus: o Cristo

Crucificação, Grünewald

Os romanos veneravam inúmeros deuses, e sua religião consistia principalmente na realização de ritos, mas do Oriente chegam novos deuses que se dirigem especialmente ao coração e aos sentimentos íntimos. Um desses deuses, adorado primeiro pelos judeus, seduz cada vez mais homens e mulheres. É o Deus dos cristãos que, segundo seus fiéis, encarnou-se em um homem-Deus, Jesus, o Cristo, isto é, o ungido do Senhor, e que morreu na cruz em Jerusalém sob o reinado do Imperador Tibério (por volta do ano 30 d.C.).

Depois de terem perseguido os cristãos, os imperadores fazem, no século IV, do cristianismo a religião oficial do Império. Nessa época de angústias, ele prometia aos seus fiéis a ressurreição no final dos tempos, a salvação eterna para aqueles que tiveram uma vida virtuosa e a reparação das injustiças e das desigualdades da sociedade terrestre. Os bons iriam para o paraíso e os maus para o inferno.

Novos chefes espirituais aparecem na Europa: os padres e os monges, dirigidos pelos bispos. Entre estes, o bispo de Roma pretende ser o chefe supremo, o papa, ou seja, o pai. Um segundo aspecto da Europa aparece, o da cristandade.

No Oeste do Império Romano, falava-se latim; no Leste, grego. Como o Oeste está em crise, o poder imperial desloca-se para Leste. O Imperador Constantino estabelece sua capital, Constantinopla, na extrema ponta da Europa em contato com a Ásia. Nessa parte oriental do Império, a Igreja cristã - cuja língua é o grego e não o latim, e que depende não do papa e sim do patriarca de Constantinopla - apresenta-se como a herdeira da "verdadeira" fé cristã: a ortodoxia.

A Igreja Cristã Latina, que se pretende universal (esse é o sentido da palavra "católica"), não cessa de se distanciar da Igreja Cristã Grega Ortodoxa. Em 1054, as duas igrejas cristãs declaram oficialmente sua ruptura; é o cisma. O cristianismo tem doravante duas cabeças: a latina é Roma; a grega, Constantinopla. Os povos ainda pagãos que se tornarão cristãos ao longo da Idade Média serão convertidos a oeste por Roma, e a leste por Constantinopla.

Dessa forma se estabelece na Europa uma ruptura, essencialmente religiosa, mas que corresponde sem dúvida às diferenças mais gerais e mais profundas entre os europeus do Oeste e os europeus do Leste. Outras diferenças virão, ao longo da história, agravar essa ruptura, mas, dos dois lados, somos cristãos. 

[...]

Pouco a pouco, todos esses "bárbaros" se convertem ao cristianismo. Na Europa medieval, a conversão ao cristianismo romano é o sinal de que um povo torna-se uma nação e passa a ser civilizado. É como, hoje em dia, ser admitido na ONU.

LE GOFF, Jacques. Uma breve história da Europa. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 49-52, 61.

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