Criança geopolítica assistindo ao nascimento do novo homem, Salvador Dali.
Nossos soldados no ultramar rechaçam o universalismo metropolitano, aplicam ao gênero humano o "numerus clausos"; uma vez que ninguém pode sem crime espoliar seu semelhante, escravizá-lo ou matá-lo, eles dão por assente que o colonizado não é semelhante do homem. Nossa tropa de choque recebeu a missão de transformar essa certeza abstrata em realidade: a ordem é rebaixar os habitantes do território anexado ao nível do macaco superior para justificar que o colono os trate como bestas de carga. A violência colonial não tem somente o objetivo de garantir o respeito desses homens subjugados; procura desumanizá-los. Nada deve ser poupado para liquidar as suas tradições, para substituir a língua deles pela nossa, para destruir sua cultura sem lhes dar a nossa; é preciso embrutecê-los pela fadiga. Desnutridos, enfermos, se ainda resistem, o medo concluirá o trabalho: assentam-se os fuzis sobre o camponês; vêm civis que se instalam na terra e o obrigam a cultivá-la para eles. Se resiste, os soldados atiram, é um homem morto; se cede, degrada-se, não é mais um homem; a vergonha e o temor vão fender-lhe o caráter, desintegrar-lhe a personalidade. A coisa é conduzida a toque de caixa, por peritos: não é de hoje que datam os "serviços psicológicos". Nem a lavagem cerebral [...] E não afirmo que seja impossível converter um homem em animal; digo que não se chega a tanto sem o enfraquecer consideravelmente; as bordoadas não bastam, é necessário recorrer à desnutrição. É o tédio com a servidão. Quando domesticamos um membro da nossa espécie, diminuímos o seu rendimento e, por por pouco que lhe damos, um homem reduzido à condição de animal doméstico acaba por custar mais do que produz. Por esse motivo os colonos vêem-se obrigados a parar a domesticação no meio do caminho: o resultado, nem homem, nem animal, é o indígena. Derrotado, subalimentado, doente, amedrontado, mas só até certo ponto, tem ele, seja amarelo, negro ou branco, sempre os mesmos traços de caráter: é um preguiçoso, sonso e ladrão, que vive de nada e só reconhece a força.
Extraído do Prefácio de Jean-Paul Sartre à obra: FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 9-10.
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