Profeta Amós, Aleijadinho. (Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas, Minas Gerais)
A história hebraica caracterizou-se pelo aparecimento dos profetas, homens espiritualmente inspirados que se sentiam compelidos a agir como mensageiros de Deus. O florescimento do movimento profético - a era da profecia clássica ou literária - teve início no século VIII a.C. Entre os profetas estavam Amós, um pastor da Judéia, no sul; seu contemporâneo mais jovem, Oséias, de Israel, no norte; Isaías, de Jerusalém; e Jeremias, que testemunhou o cerco daquela cidade, no começo do século VI a.C. Os profetas não ligavam importância ao dinheiro ou aos bens materiais, não temiam pessoa alguma e pregavam sem serem convidados. Apareciam muitas vezes em períodos de miséria social e confusão moral e pleiteavam o retorno à aliança e à Lei. Exortavam as pessoas e ensinavam-lhes que, quando se esqueciam de Deus e se tornavam o centro de todas as coisas, atraíam a desgraça sobre si e sua comunidade. Para os profetas, os infortúnios que se abatiam sobre a nação eram uma oportunidade de penitência e reforma. Eles eram homens dotados de grande coragem, que não tremiam diante dos poderosos.
Ao atacar a opressão, a crueldade, a cobiça e a exploração, os profetas clássicos acrescentaram uma nova dimensão ao desenvolvimento religioso de Israel. Eles reagiam aos problemas decorrentes das mudanças na estrutura social de Israel. A fala geral de distinções de classe que caracteriza uma sociedade tribal fora alterada pelo advento de reis hebreus, pela expansão do comércio e pelo crescimento das cidades. Por volta do século VIII, havia uma disparidade significativa entre a riqueza e a pobreza. Os pequenos agricultores, em débito com os usuários, corriam o risco de perder suas terras ou mesmo de se tornarem escravos; os pobres eram frequentemente despojados pelos ricos gananciosos. Para os profetas, essas iniquidades sociais eram pecados religiosos que levariam Israel à ruína. Em nome de Deus, denunciavam os ricos desalmados e clamavam por justiça. Deus é clemente, insistiam os profetas. Ele zela por todos, especialmente o pobre, o desafortunado, o sofredor e o indefeso. Eram injunções de Deus:
[...] tirai de diante dos meus olhos a malícia dos vossos pensamentos, cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem, procurar o que é justo, socorrei o oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a viúva. (Isaías, 1:16.17)
Os profetas salientavam o encontro ético-espiritual entre o indivíduo e Deus. Era com o interior de cada homem e não com as formas exteriores da atividade religiosa que eles se preocupavam. Ao sustentarem que a essência da aliança era a virtude universal, os profetas criticavam os sacerdotes cujo compromisso com ritos e rituais não se fundamentava numa profunda convicção espiritual ou na preocupação com a moralidade da vida cotidiana. Para eles, o pecado ético era muito pior que a ausência de rituais. Acima de tudo, afirmavam, a virtude era uma exigência de Deus. Viver de modo injusto, maltratar o próximo, agir sem compaixão eram ações que violavam a lei de Deus e punham em perigo toda a ordem social.
Desse modo, os profetas moldaram uma consciência social que se tornou parte da tradição do Ocidente. Acenaram com a esperança de que a vida terrena podia ser melhorada, de que a pobreza e a injustiça não precisavam ser aceitas como parte de uma ordem natural e imutável e de que o indivíduo era capaz de elevar-se moralmente e respeitar a dignidade dos outros.
Duas tradições contrárias estavam presentes no pensamento hebreu: o provincianismo e o universalismo. O espírito provinciano salientava a natureza peculiar, o destino, as necessidades do povo eleito - uma nação separada das demais. Essa concepção restrita, porém, era compensada pelo universalismo, preocupação com toda a humanidade, expressa pelos profetas que anteviam a unidade de todos os povos sob o governo de Deus. Todos os povos eram igualmente valiosos para Deus.
Os profetas não eram pacifistas, sobretudo quando se tratava de guerras contra os inimigos de Javé. Alguns deles, porém, denunciavam a guerra como obscena e ansiavam pela sua eliminação. Quando as pessoas glorificam a força, sustentavam os profetas, elas desumanizam os seus oponentes, brutalizam a si próprias e desonram a Deus. Quando impera a violência, não pode haver amor a Deus nem respeito ao indivíduo.
O universalismo dos profetas acompanhou-se de uma consciência igualmente profunda do indivíduo e de seu valor intrínseco. Antes dos profetas, quase toda a tradição religiosa fora uma produção comunitária, anônima. Mas os profetas falavam como indivíduos destemidos, que, ao assinarem o que diziam, assumiram total responsabilidade por sua inspiração e convicção religiosa.
Os profetas enfatizavam a responsabilidade de cada indivíduo por suas ações. Ao passarem a considerar a lei de Deus como um mandamento à consciência, um apelo ao homem interior, aumentaram a conscientização da personalidade humana. Mostraram que não se podia conhecer a Deus simplesmente seguindo seus implacáveis editos e cumprindo ritos; cada pessoa deveria experimentar Deus. Era precisamente essa relação Eu-Vós que daria ao indivíduo plena consciência de si mesmo e poderia aprofundar e enriquecer a sua própria personalidade. Durante o Êxodo, os hebreus eram um povo tribal, que obedecia à lei movido em grande parte pelo medo e pela coação do grupo. Na época dos profetas, entretanto, afiguraram-se como indivíduos autônomos, atentos à Lei em virtude de um compromisso deliberado, consciente e íntimo.
Os ideais dos profetas ajudaram a confortar os judeus através de toda a sua longa e não raro penosa odisséia histórica. Incorporados aos ensinamentos de Jesus, esses ideais, como parte do cristianismo, impregnaram a tradição ocidental.
PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 38-39.
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