"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O tempo da natureza, o tempo da guerra e o tempo cristão no medievo

A vida cotidiana era marcada pelo tempo da natureza, pelo tempo da guerra e pelo tempo cristão.

É difícil para nós, acostumados a ordenar o nosso cotidiano pelo relógio, entender a vida cotidiana medieval.

A ideia de fim de mundo não atormenta os nossos espíritos. Mas, na sociedade medieval, essa preocupação aumentava de intensidade por ocasião das grandes catástrofes naturais, sociais ou políticas. O pessimismo, no entanto, era acompanhado de uma esperança no triunfo do reino de Deus.

A fronteira que separava as três ordens sociais era rígida, praticamente insuperável. No entanto, os três cotidianos, o do camponês, o do nobre e o do clérigo estavam intimamente ligados.

As tensões e os conflitos sociais podem ser deduzidos por meio das três concepções de tempo que conviveram na Idade Média.

Apesar do esforço da Igreja, os camponeses mantinham-se presos a uma maneira pré-cristã de conceber o tempo. Para o camponês o tempo era cíclico, tudo voltava ao ponto de partida, numa eterna rejeição. Era um tempo natural, biológico e, portanto, não histórico. A cristianização não conseguiu abolir o tempo cíclico do camponês. A sociedade, nessa época, era predominantemente agrária, por essa razão a referência cronológica mais evidente era o tempo agrícola. Tempo do preparo da terra, do plantio e da colheita; tempo da espera e da paciência. Um tempo lento, repetitivo, e doloroso porque era espreitado pela fome. O mundo rural medieval, por ser cíclico, não tinha necessidade de ser datado.


Tempo da natureza: Colheita. Artista desconhecido. Iluminura.

O tempo cristão, do clero, era linear. O passado não tinha retorno. O Gênese (criação do mundo por Deus) e a Encarnação (vinda de Cristo) pertenciam ao passado. Para o futuro aguardava-se o Juízo Final (o final dos tempos com a segunda vinda de Cristo e o julgamento dos homens).


Tempo cristão: Alas exteriores do Altar do Juízo Final, c. 1450. Rogier van der Weyden

Dessa forma, a história caminharia para um final já anunciado pelas Escrituras Sagradas (o Apocalipse), um final terrível, com grandes calamidades. Seria o tempo da salvação, mas também o do terrível acervo de contas. O Apocalipse era ameaçador porque não se sabia quando viria - o sinal podia ser uma calamidade natural ou social.

O tempo novo era o período que se iniciou com a vinda de Cristo. O tempo novo era o período que se iniciou com a vinda de Cristo. O tempo antigo era o anterior a essa vinda. Vivia-se, então, um tempo intermediário entre os tempos antigos e a nova era a ser inaugurada com a volta do Messias.

A liturgia cristã relembrava os eventos dessa história no seu calendário anual. O tempo que conduzia a vida cotidiana era determinado por esse calendário religioso controlado pelo clero. O tempo linear cristão convivia com o tempo cíclico tradicional do camponês. Um acabou interpenetrando o outro.

O tempo senhorial, por sua vez, era um tempo militar, marcado pelas conquistas e pela guerra. A memória do passado era constituída pelos feitos militares dos antepassados, que honravam e enobreciam o nome familiar, exemplos que deviam ser seguidos pelos seus descendentes.

Tempo da guerra: Batalha de Muret, 1213. Artista desconhecido. Manuscrito francês.

Esse tempo militar se adequou ao tempo cristão administrado pelo clero. A época das campanhas militares devia se harmonizar com o calendário litúrgico, respeitando os dias santificados pela Igreja.

O tempo da nobreza senhorial também se confrontava com o tempo camponês. Isso ocorria na exigência das obrigações, na cobrança das taxas e prestações.

Assim, na vida cotidiana, os homens da Idade Média usavam referências cronológicas variadas, as quais revelam as estruturas econômicas e sociais da época.

As medidas de tempo são instrumentos de dominação social de grande importância. Quem dominava o controle do tempo reforçava o seu poder sobre a sociedade. A variedade de tempos medievais é, portanto, uma imagem das lutas sociais da época.

PEDRO, Antonio; SOUZA LIMA, Lizânias. História sempre presente. São Paulo: FTD, 2010. p. 313-314. V. 1.

2 comentários:

  1. Muito bom! Afinal encontrei quem expusesse o"tempo" medieval de forma simples, embora seja complexo.

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