Os textos literários e os registros arqueológicos,
notadamente os descobertos em Pompeia e Herculano*, revelam aspectos
interessantes e peculiares da cultura popular e da vida cotidiana da Roma antiga.
Casal nu na cama. Afresco na Casa del ristorante, Pompeia, ca. 62-79 AD. Artistas desconhecidos.
A ideia, tradicionalmente aceita, de que a cultura romana
clássica pode ser considerada fundamento da cultura ocidental atual não se
sustentaria se considerados os aspectos mais expressivos da vida privada. Desse
ponto de vista, a sociedade romana era tão diferente das atuais sociedades
ocidentais quanto o foram as sociedades ameríndias ou as extremo orientais.
O conhecimento da vida privada romana conduz à percepção de
contrastes, que levam mais à descoberta do outro do que ao encontro das nossas
origens. Um exemplo bem significativo é a organização da família.
Hermafrodito. Afresco, Herculano, entre 1 e 50 AD. Artistas desconhecidos.
O chefe da família - o pai - tinha autoridade absoluta. A
criança, para ser integrada à família, teria que, ao nascer, ser erguida pelo
pai. Com esse gesto, ele a reconhecia como filho.
A contracepção, o aborto, o enjeitamento de crianças de
nascimento livre e o infanticídio do filho de uma escrava eram práticas usuais
e admitidas legalmente.
A adoção era prática comum como forma de legitimação e da
formação da família. O nome da família, transmitido à pessoa adotada, era
considerado mais importante do que a "voz do sangue".
Ao ser aceita pelo pai e, portanto, integrar a família, a
criança era entregue aos cuidados de uma nutriz que, em geral, a acompanhava
pela vida toda, sendo, também encarregada de sua educação. Os meninos, na
puberdade, passavam a ser educados também por um "pedagogo". A nutriz
e o pedagogo tinham muito mais contato com as crianças e os jovens do que os
pais, com os quais raramente se encontravam.
Aos 12 anos as meninas eram consideradas aptas ao casamento,
a partir da qual elas passavam a levar uma vida reclusa no interior das casas.
Aos 14 anos eram consideradas adultas, chamadas de "senhoras" e
deveriam se mostrar pudicas e reservadas para serem estimáveis.
Para os meninos não havia uma idade estabelecida para a
maioridade. Eles passavam a integrar o mundo dos adultos a partir do momento em
que o pai ou o tutor os considerasse preparados.
Após os 12 anos, os que pertenciam às "boas
famílias" - as abastadas - continuavam os estudos e formavam grupos de
jovens, aos quais, em nome do "calor da juventude", era permitido
praticamente tudo: frequentar prostitutas, tomar amantes, escolher favoritos (a
homossexualidade entre os jovens ou entre um adulto e um jovem - pederastia -
era prática recorrente e considerada natural).
A juventude encerrava-se com o casamento, mas os filhos,
mesmo casados e adultos, continuavam sob a autoridade paterna até a morte do
pai.
* No ano 79, uma erupção do Vesúvio soterrou as duas cidades
localizadas no sopé do vulcão. No século XVIII, as escavações arqueológicas trouxeram
à luz o que as cinzas haviam encoberto ao longo dos séculos. Os vestígios
encontrados revelam a vida urbana como se as pessoas e objetos tivessem sido
petrificados em plena ação, tais como estavam no momento da catástrofe. Por
isso eles são bastante reveladores do dia-a-dia e das especificidades da vida
urbana nos domínios de Roma.
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