As descobertas geográficas forneciam novas armas. Os
selvagens da América haviam permitido que Montaigne escarnecesse da razão, dos
costumes da religião, dos povos cristãos. A China proporcionou os meios de uma
operação idêntica aos libertinos do século XVII. La Mothe Le Vayer, em 1642, no
seu tratado Da Virtude dos Pagãos, afirmava que se, de acordo com a Igreja, os
filósofos pagãos que de fato viveram confortavelmente à lei natural, antes da
lei de Moisés, puderam salvar-se, era mister admitir o mesmo em relação aos
sábios das nações em cujo meio os apóstolos não pregaram o cristianismo. Ora, a
pregação de Cristo não chegara à China. Entretanto, a religião chinesa é mais
pura que a dos gregos, dos romanos ou dos egípcios, pois não recorre aos
prodígios e, desde tempos imemoriais, os chineses adoraram um só Deus.
Confúcio, o Sócrates da China, acreditava na existência de um Deus único e
adotara como princípio o próprio princípio da lei natural: jamais fazer a
outrem o que não gostaríamos que nos fizessem. Portanto, é possível a salvação de
Confúcio e dos chineses. A ideia central era a da bondade da natureza que tende
a destruir a crença no pecado original, na necessidade da Redenção através de
Cristo, na necessidade da Graça, fundamentos do cristianismo.
Propagou-se também a ideia de que todos os povos da América,
da Ásia, das terras austrais, não descendiam de Adão, que a Bíblia continha,
pois, apenas a história de um povo, o povo judeu. A Bíblia não tinha o valor
eminente que a Igreja lhe atribuía.
[...]
MOUSNIER, Roland. Os séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1995. p. 339-340. (História geral das civilizações, 9).
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