Grupos de homens, unidos sob a mesma denominação de
libertinos, apresentavam como característica comum a rejeição do cristianismo,
na teoria e na prática, e a adoção de uma vida pagã ou de uma concepção pagã da
vida. Continuavam os críticos racionalistas do Renascimento, Pomponazzi,
Maquiavel e o príncipe dos céticos, Montaigne. Como eles, utilizavam os
Antigos. A Antiguidade integral passara ao ensino. Um jovem encontrava nos
autores latinos e gregos tudo o que era necessário à vida: moldava uma alma
antiga e anticristã.
Tais homens afastavam-se do cristianismo em primeiro lugar
devido aos maus costumes do clero, que os Estados recrutavam por motivos
políticos: padres ignorantes que haviam esquecido até a fórmula da absolvição,
freiras devassas, abadessas mundanas, prelados de vida pouco edificante, abades
que eram crianças de peito, cônegos escolares, padres bêbados [...]. Um
reformador dizia: "O que se faz de pior... passa-se entre os
eclesiásticos". As controvérsias religiosas, as discussões de teólogos,
ortodoxos e jansenistas, gomaristas e arminianos, trazidas a público e
desprovidas amiúde de elementar caridade, enfastiavam. As guerras de religião
desconsideravam e aviltavam a religião. Em nome de Cristo e do Evangelho, os
homens injuriavam-se, caluniavam-se, semeavam a imundície em panfletos
rancorosos, descomedidos, escandalosos, traíam, assassinavam. Acabava-se
duvidando de que houvesse uma verdade religiosa e aos poucos insinuava-se a
ideia de que a religião talvez fosse nefasta. As guerras civis e estrangeiras
desbridavam a violência dos instintos e destruíam o respeito à religião. No
curso das campanhas, as igrejas eram invadidas, os ornamentos roubados, os tabernáculos
quebrados, os cibórios arrebatados, as hóstias profanadas. A vida dos
acampamentos favorecia a vida dos sentidos, o abandono aos impulsos da carne,
as pilhagens, as rapinas, os estupros. a galanteria, a bebida; afastava os
homens de uma religião da pureza, que procurava derivar todos os poderes do
indivíduo para o puro amor a Deus, para a santidade perfeita e imaculada.
MOUSNIER, Roland. Os séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1995. p. 336-337. (História geral das civilizações, 9).
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