"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Presença estrangeira no Antigo Egito

Joseph, Lawrence-Alma Tadema

Os faraós sempre apresentaram o Egito como uma terra inexpugnável, numa espécie de mistificação que tinha a ver com o poderio militar e com a autoridade religiosa de que eles gozavam. À integridade do território, eles procuravam garantir castigando exemplarmente aqueles que tentavam violá-la. Mas, a realidade era bem diferente. O Egito foi sempre um país poroso, cuja prosperidade atraía seus vizinhos famélicos. No Alto Egito, os planaltos desérticos eram cortados em todas as direções por pequenos cursos d’água que conduziam ao vale do Nilo.

No Baixo Egito, os líbios haviam se acostumado a se espalhar pelo delta. A leste, as zonas pantanosas eram assombradas por populações marginais, e o “caminho de Hórus” ligava o Egito à Palestina. Paradoxalmente, foi o lado do Mediterrâneo que permaneceu o menos atraente para os visitantes.

Em tais condições, houve permanentemente uma presença no seio da civilização do Vale do Nilo, sob diferentes formas e em constante interinfluência.

Se as invasões provocaram traumas, o Egito se acomodou mais ou menos às infiltrações, às imigrações involuntárias ou provocadas, simplesmente porque o país sofria de uma falta crônica de mão-de-obra.

Ao contrário do Egito contemporâneo, de demografia explosiva, sua população era pouco numerosa – e os faraós insistiam em ser construtores infatigáveis. Eles com freqüência eram obrigados a recrutar estrangeiros já instalados no Egito, ou trazidos à força para o país. O episódio bíblico das doze tribos de hebreus encaminhadas para a construção de uma cidade repousa portanto sobre a realidade.

Os estrangeiros não estavam destinados apenas para a fabricação de tijolos, ou para serem chicoteados na construção dos grandes monumentos faraônicos. Eles podiam, por sua competência, atingir as mais altas funções. Assim, um semita foi vizir sob Amenófis III. Um outro supervisionou a construção do templo funerário de Ramsés II. A história de José tem portanto um pano de fundo autêntico. Os egípcios toleravam os particularismos das comunidades estrangeiras. Pelo menos até um certo limite. Se os judeus de Elefantina viram-se às voltas com a hostilidade dos habitantes, não foi por causa de uma pulsão racista, mas sim porque eles pretendiam sacrificar um cordeiro em uma cidade cuja divindade mais importante era um... carneiro!


Pascal Vernus. Estrangeiros construíram o Egito. In: Revista História Viva. Grandes temas, nº 46. p. 67.

NOTA: O texto "Presença estrangeira no Antigo Egito" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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