Aparentemente os camponeses, que constituíam a maioria da população e eram quase todos analfabetos e miseráveis, lutavam unicamente para reconquistar as terras que lhes tinham sido usurpadas pelos latifundiários. O chefe mais importante do movimento camponês, Emiliano Zapata, havia escrito:
A revolução sustentada pelos sulistas definiu, de maneira clara e sem reticências de qualquer espécie, as três grandes bandeiras da questão agrária: restituição de terras ao povo ou cidadãos e expropriação e confisco, por motivo de utilidade pública, dos bens dos inimigos do Plan de Ayala.
Fruto das aspirações camponesas, o ideário zapatista foi exposto, com a simplicidade de seus autores, nesse plano que data de novembro de 1911 e pode ser considerado o primeiro documento revolucionário - excluindo alguns escritos do anarquista Ricardo Flores Magón - que colocou o problema da terra e dos trabalhadores no centro da luta social. Insistentemente se atribui ao movimento zapatista um caráter localista, conservador e até reacionário, por reivindicar um direito comunitário pré-hispânico. Entretanto foi ele que levantou como bandeira insurrecional uma questão nacional, que unia todos os deserdados do país, os milhões de camponeses expropriados e humilhados durante quatrocentos anos. O zapatismo teve o mérito de desencadear a revolução entre as massas camponesas que até aquele momento eram apenas iludidas pelo discurso emocionado dos madeiristas (partidários do general Madero).
Zapatistas no sítio El Jilguero
Em um manifesto de agosto de 1914, os zapatistas colocavam a razão de sua rebelião, da revolução camponesa, em termos de luta de classes:
O camponês tinha fome, era miserável, sofria exploração; e se empunhou armas foi para obter o pão que a avidez do rico lhe negava para apossar-se da terra que o latifundiário, egoisticamente, guardava para si, para reivindicar sua dignidade, ultrajada, perversamente, todos os dias. Lançou-se à revolta não para conquistar ilusórios direitos políticos, que não matam a fome, mas para conseguir um pedaço de terra que lhe possa proporcionar alimentação e liberdade, um lar feliz, e um futuro de independência e engrandecimento.
Contudo, a revolta não visava apenas derrotar o latifundiário, o comerciante, o homem rico, que sufocavam a existência do camponês, mas construir uma sociedade mais justa, igualitária, onde o trabalhador se reencontraria consigo mesmo e com seu próprio trabalho; uma sociedade baseada no trabalho coletivo de indivíduos concretos, que não se deixariam explorar pela classe burguesa. No mesmo documento, os camponeses manifestavam-se contrários a esse tipo de sociedade, ilusória e mentirosa, que os humilha e asfixia, prende-os à miséria e os violenta:
Todas essas belezas democráticas, todas essas grandes palavras com que nossos avós e nossos pais se deleitaram perderam seu poder mágico de atração e sua significação para o povo. Ele já percebeu que com eleições ou sem eleições, com sufrágio universal ou sem ele, com ditadura porfiriana ou com democracia maderista, com imprensa amordaçada ou com libertinagem de imprensa, sempre e de todas as formas, ele continua ruminando suas amarguras, sofrendo misérias, engolindo humilhações infindáveis; por isso teme, com razão que, os libertadores de hoje tornem-se iguais aos caudilhos de ontem que na cidade de Juarez abdicaram de seu belo radicalismo e no Palácio Nacional lançaram ao esquecimento suas sedutoras promessas.
A revolução camponesa, por sua ação e seu ideário, forçou o movimento maderista e em seguida o constitucionalismo carrancista a voltarem-se para a problemática social, reorientando todo o processo mexicano para a ultrapassagem da meta político-administrativa. [...] os líderes constitucionalistas Carranza e Obregón compreenderam que a única forma de neutralizar a revolução camponesa seria a adoção de suas bandeiras, o que lhes permitiria acabar com as lideranças do movimento. Carranza, especialmente, percebeu de imediato o sentido da revolução mexicana como o confronto irremediável entre as duas classes fundamentais da sociedade naquele momento.
A partir dessa constatação, o zapatismo, principalmente, transformou-se em um espinho atravessado na garganta da burguesia. Esta viu-se obrigada a desenvolver um projeto político-social que veio a ser, sem dúvida alguma, o mais poderoso sistema de dominação e controle político de toda a história da América Latina. A "democracia" mexicana, em que o presidente da República, como um monarca de tempos passados decide, entre outras coisas, quem será o seu sucessor, nasceu com a revolução e em consequência da necessidade que a burguesia tinha de esmagar, para sempre, a revolução camponesa.
BRUIT, Hector H. Revoluções na América Latina. São Paulo: Atual, 1988. p. 23-26.
NOTA: O texto "Camponeses revolucionários no México zapatista" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
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