...os fazendeiros, donos de lojas, proprietários de estâncias e compradores de gado costumam vender seus trabalhadores juntamente com as propriedades. - O quê? Esses trabalhadores indígenas e empregados são livres ou escravos? - Não importa. Pertencem à fazenda e devem continuar nela a servir. Este indígena é propriedade do meu senhor.
Jerónimo de Mendieta. História eclesiástica indiana, 1595-1596.
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Os espanhóis que buscaram o Novo Mundo deixaram atrás de si uma sociedade caracterizada por aristocratas rurais, uma pequena burocracia, reduzidos centros urbanos e uma grande massa de camponeses e trabalhadores rurais. Seu procedimento lógico foi a recusa à criação de fazendas familiares em um mundo colonial que já dispunha de vastas extensões de terra e amplos contingentes de agricultores ameríndios, habilidosos e subservientes - terras e mão-de-obra que se constituíram em presas de guerra. Passaram imediatamente a exigir o acesso à mão-de-obra e aos suprimentos de víveres. Em síntese, passaram à exploração das populações indígenas, colocando-as como vassalos da monarquia espanhola. Os indígenas aravam, semeavam e procediam à colheita nas terras dos novos senhores espanhóis. Inexistindo animais de carga, carregadores indígenas eram compelidos, aos milhares, a transportar às costas as mercadorias entre as diversas regiões.
As consequências imediatas da conquista e ocupação das áreas mais densamente povoadas da civilização ameríndia foram desastrosas. O somatório de doenças epidêmicas (varíola, sarampo, febre tifóide), superexploração do trabalho e debilitação física resultante, choque cultural induzido pela remodelação de uma sociedade comunal em termos individualistas e orientados para o lucro, acabou por produzir, no século XVI (e no início do XVII) um dos declínios demográficos mais desastrosas jamais registrados pela história mundial. Entre 1492 e 1550, a conquista literalmente aniquilara a população indígena caribenha, a primeira a ser submetida e dizimada. No México central, uma população de aproximadamente 25 milhões, em 1519 (segundo cálculos recentes) achava-se reduzida a pouco mais de 1 milhão em 1605. Nos Andes centrais - para os quais dispomos de poucos estudos de história demográfica - parecem ter-se repetido os mesmos padrões gerais de destruição geográfica decorrente da ocupação espanhola. Um contingente populacional calculado entre 3,5 e 6 milhões (em 1525) foi reduzido para 1,5 milhão (por volta de 1561) somente retornando ao índice de 6 milhões cerca de 1754. O choque cultural (ao longo do século XVI), a corveia ou a mita (ao longo desse e do século seguinte), a escravidão por dívidas (no século XVIII) constituem a sequência de fatores geralmente aceita como explicação para o declínio da população ameríndia.
A destruição demográfica na América tornou-se, sem sombra de dúvida, fator de fundamental importância na recessão da atividade mineira desenvolvida no México, e no Peru após 1596 e que perdurou, no México, por cerca de 100 anos. A produção mineira decaiu constantemente e suas repercussões fizeram-se sentir nas grandes propriedades fundiárias, próximas ou distantes, que se haviam desenvolvido em torno dos enclaves mineiros, voltadas para o fornecimento de milho e trigo, favas, forragem, mulas, burros e cavalos, carne de porco e carneiro, couro cru e tecidos de baixa qualidade.
Trabalho indígena em fazenda de cana-de-açúcar. Detalhe de mural do pintor mexicano Diego Rivera
Os proprietários das minas e os comerciantes transferiram seus investimentos para a terra, acelerando a formação do latifúndio. Sem o incentivo (ou estímulo) fornecido pelas minas (sua produção de prata, força de trabalho e dependentes), as grandes propriedades tenderiam a se tornar relativamente auto-suficientes. Para a elite econômica e social, proprietários de minas e proprietários de estância, a maior preocupação consistia na manutenção de um fluxo de oferta de mão-de-obra adequada e de confiança. As comunidades indígenas próximas foram pressionadas, através da apropriação de suas terras, para fornecer essa mão-de-obra. Essas pressões foram igualmente efetivadas através do encorajamento à residência nas propriedades, em troca de pequenas importâncias a título de tributos ou pequenos impostos. Uma vez estabelecidos nas propriedades, os indígenas recebiam novos adiantamentos relativos à alimentação e bebida, sacramentos de batismo, casamento e morte. A escravidão por dívidas passou a constituir a principal modalidade de recrutamento e manutenção da mão-de-obra. Outros vínculos, além das importâncias em dinheiro, ligavam o patriarca-proprietário rural a seus dependentes semi-servis. A fazenda passou a tornar-se um local de refúgio para aqueles ameríndios que considerassem as pressões comunitárias insuportáveis; a estes, a fazenda oferecia uma certa forma de segurança. O indígena oferecia seu trabalho e fidelidade, recebendo em troca rações diárias, tratamento médico primitivo, conforto religioso e uma posição inferior estabelecida. A fazenda - em seu duplo papel de unidade produtora e núcleo social patriarcal - sobreviveu, até 1910, como legado colonial no México e, até mais tarde, na Guatemala, Equador, Bolívia e Peru. As comunidades ameríndias, igualmente, buscaram sobreviver - através da tradição, linguagem, vestimentas e consenso grupal - a essa sociedade e economia expansionistas, capitalistas, monetarizadas, características das pressões exercidas pelo mundo do homem branco sobre a terra e a mão-de-obra indígenas - um padrão igualmente familiar aos estudiosos das reservas indígenas nos Estados Unidos.
STANLEY, J. S.; STEIN, B. A herança colonial na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 32-33, 36-38.
NOTA: O texto "Mineração e demografia na América Colonial" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
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