Ela detinha já tão bem a bacia oriental do Mediterrâneo que, abandonando as rotas do Norte, cujo segredo lhes havia definitivamente escapado, os fenícios dirigiam seus esforços para o longínquo Ocidente. Para reforçar aí suas bases, os navios de Tiro fundaram Cartago em -814 e dali, alongando suas escalas, ganharam os Açores, a Cornualha e o Báltico. Os cretenses não haviam jamais conhecido esse universo que a chegada dos celtas à Espanha iria aumentar.
Depois de haverem atravessado os Pirineus, esses se fixavam entre os iberos, construíam fortes e traficavam com os fenícios. Um dia, o Império celta encontrou o Mediterrâneo. Esse encontro apressará sua evolução e preicipitará seu avanço sobre os germanos. Os fenícios tinham feito de Cartago o entreposto das riquezas do Sudão e da África central - escravos, peles de animais, penas de avestruz, ouro e marfim; da floresta cerrada, algumas tribos traziam às vezes madeiras preciosas.
Cartago ensinava a equitação aos negros do Sudão, ensinava-lhes a tecer o algodão e a trabalhar o ouro. Encontrava, aliás, na África negra as influências de civilização vindas da Núbia até a Nigéria e reconhecíveis nas línguas, na organização social, na cosmogonia e no número de tradições.
Busto da deusa púnicaTanit. Necrópole de Puig des Molins.
Apesar de os fenícios se empenharem em despistar seus rivais e em fazer mistério de suas carreiras, o monopólio do Mediterrâneo continuava a fugir-lhes: a migração helênica atingia agora a bacia ocidental e aí criava não somente uma concorrência comercial, mas um povoamento estável.
Asiáticos de Anatólia, os estruscos, instalavam-se na Itália; provinham da Cilícia como piratas, embora civilizados pelo contato com Babilônia e os hititas, ao passo que os próprios gregos fundavam cidades no golfo de Taranto, passavam o estreito de Messina e criavam Cumes na costa ocidental da Itália.
Os fenícios não se haviam equivocado a respeito: tratava-se mesmo de um povo inteiro de homens ousados expulsos de sua terra pelo regime da propriedade familial ou pelas rivalidades políticas e que, à procura de terras férteis, ali erguiam templos às divindades agrárias: seu contato ganharia a substância mesma das populações indígenas, modificá-las-ia em seus costumes e segundo um ideal de que Tiro nada sabia.
Era a herança cretense transfigurada pela vitalidade ariana que um clima afortunado levava à plenitude. As lições de harmonia recolhidas de Creta ordenavam na procura do equilíbrio físico a espontaneidade dos jovens que se enfrentavam nos jogos olímpicos. Olímpia era um antigo santuário onde festas fúnebres reuniam os gregos. Desde que estas se tornaram periódicas e acompanhadas de jogos ginásticos, constituíram uma trégua entre os povos gregos, congregando-os em torno de sua paixão comum pelos concursos atléticos.
Em -776 registraram-se oficialmente os nomes dos vencedores e a lista dos atletas foi desde então fielmente conservada.
Esses jogos olímpicos bem cedo pareceram exprimir suficientemente o ideal do mundo grego para que deles se datasse a era das olímpiadas - verdadeira metamorfose do mundo mediterrânico. Os fenícios o viam transformar-se debaixo de seus olhos.
Com razão não haviam eles se preocupado com a confederação militar que Esparta criava no Peloponeso: Esparta não tinha comércio nem marinha, não cuidava de arte nem de pensamento e seu lirismo coral não era mais do que espírito do acampamento. Estes árias em estado bruto que eram os dórios não pareciam nada temíveis a neociantes internacionais.
Mas já ao contrário, eles, misturados por toda parte aos aqueus e formados pelas influências orientais, insuflavam um vigor novo à civilização em que se exaltava a Grécia da Ásia. Corinto, por exemplo, beneficiava-se dessa renovação de tradições que havia outrora recebido diretamente. Se uma casta dória exercia ali o poder, não era como soldados, mas como mercadores enriquecidos pelo tráfico de seus dois portos e pelas relações com a costa asiática. Aquela rivalidade era perigosa; por todas as margens do Mediterrâneo ouviam-se os ecos das rapsódias maravilhosas que recitavam na Jônia a Corporação dos Cantores Homéricos.
RIBARD, André. A prodigiosa história da humanidade. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1964. V. 1. p. 76-8.
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