O cambista e sua mulher, Quentin Matsys
Para o homem medieval, toda sua existência, todas as ocorrências à sua volta giravam em torno de ideias religiosas, obedecendo a desígnios divinos. O mundo medieval [...] era um mundo fechado, estruturado em classes rigidamente distintas, dominado pela nobreza feudal, tendo poucos contatos com outros povos e escassos conhecimentos de outras terras.
Este mundo começou a modificar-se por volta do século XIV, com o despertar de novas ideias que, agindo nos setores políticos, culturais e econômicos, ajudaram a abrir o caminho para o início da assim chamada Idade Moderna.
A evolução política deu origem aos Estados Modernos; os senhores feudais foram substituídos por reis poderosos que, gradativamente, introduziram e aperfeiçoaram formas mais eficientes de governo.
No século XV o Renascimento trouxe às ciências e às artes um grande esplendor; enfatizando a liberdade do indivíduo, levou o homem a pensar e a agir por conta própria, independentemente dos interesses comuns da classe a que pertencia. O espírito de contínuas indagações individuais provocou o movimento que cindiu a Igreja universal, a Reforma.
Esse mesmo espírito impelia os homens a cruzar oceanos ainda inexplorados, em busca de riquezas e de aventuras em terras estranhas. Os descobrimentos ultramarinos desenvolveram o comércio, melhoraram as condições de vida, introduziram na Europa produtos até então raros ou desconhecidos. A vida urbana em expansão aumentou o bem-estar da classe média, vigorosa defensora do sistema da economia individualista, o chamado capitalismo, que transformaria a Europa no centro econômico do mundo.
O progresso que se afirmara na Europa durante o século XIII, trazido pelo florescimento das cidades, do comércio, da cultura, foi fortemente abalado, no século XIV, por uma série de crises das quais resultou o início da formação dos Estados Modernos.
* As crises do século XIV. O florescimento das cidades foi consequência do êxodo para os centros urbanos de populações rurais que levaram consigo a maioria de seus hábitos, como o de criar animais (vacas, porcos, galinhas, patos, gansos) à sua volta, para fins de abastecimento fácil. Esse hábito propiciou a proliferação de ratos e o alastrar de epidemias nas cidades, que cresciam desordenadamente sem dar atenção a condições de saúde e de higiene.
O florescimento do comércio foi sendo dificultado pela expansão dos turcos que, impondo-se como intermediários nas transações comerciais entre o Ocidente e o Oriente, prejudicaram todo o intercâmbio no Mediterrâneo. A burguesia, por sua vez, começou a sofrer os efeitos da incompatibilidade entre a economia feudal - fechada, auto-suficiente - e a nova economia em evolução - aberta, internacional -, o capitalismo.
A situação, cada vez mais tensa, tornou-se insustentável no início do século XIV, em consequência de colheitas arrasadas por um prolongado e rigoroso inverno. As populações europeias, em contínuo crescimento, agora subnutridas, depauperadas, foram presa fácil de epidemias que grassaram nas cidades medievais, causando a morte de milhares e milhares de pessoas. Fome e peste afligiram o povo; além disso, a produção agrícola, já bastante comprometida, diminuiu ainda mais após a deflagração da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), entre França e Inglaterra, por motivos sucessórios.
Nesse mesmo período o prestígio do papa foi profundamente abalado pelo Cisma do Ocidente (1378-1417), isto é, pela eleição de dois papas, um com sede em Roma, outro com sede em Avignon, cidade francesa que já fora sede única do papado (1309-1337) por influência política da França.
A grande insegurança nos vários setores da vida europeia gerou uma série de graves revoltas sociais (Flandres, França, Florença, Inglaterra, Portugal, Liège).
Cena da Jacquerie, Jean Froissart
A necessidade de encontrar-se um poder regularizador, pacificador, unificador levou a burguesia a dar seu apoio aos reis. Foi-se impondo, aos poucos, a tendência centralizadora do ponto de vista administrativo, geográfico, cultural, esboçando assim os Estados Modernos, a Europa Moderna.
Por outro lado, necessidades de ordem econômica forçaram a Europa a procurar soluções que reativassem o comércio. Uma das soluções foi dar início à expansão geográfica através do Atlântico.
* O Estado Moderno. Com o apoio da burguesia, os reis, partindo de seus próprios domínios territoriais, puderam pouco a pouco constituir um Estado unitário, caracterizado em grande parte pela comunhão de origem e língua de seus habitantes.
Para poder constituir os Estados nacionais, os soberanos confiaram inicialmente a elementos da classe burguesa a administração do reino, antes encargo dos senhores feudais.
Esses funcionários foram pagos pelo Estado para administrar a justiça e controlar a atuação de autoridades locais. Tendo quase todos eles realizado estudos jurídicos, buscaram reviver o direito romano, que reconhecia ao Estado plenos poderes, contribuindo assim para reforçar a autoridade do rei e diminuir cada vez mais a influência dos senhores feudais.
A par dessas medidas administrativas, os monarcas providenciaram a organização de exércitos permanentes, sob seu comando direto, a fim de não mais dependerem, em caso de guerra, das tropas que os senhores feudais deviam fornecer-lhes.
Batalha de Aljubarrota, Jean d'Wavrin
Para enfrentar as despesas necessárias à manutenção de funcionários e contingentes militares fixos, os reis organizaram sistemas tributários destinados a abranger o maior número de cidadãos e, assim, acelerarem a consolidação dos Estados nacionais. Na medida em que os poderes, político e administrativo. do Estado iam-se concentrando nas mãos da monarquia esta passou a simbolizar a unidade geográfica e cultural.
* Formação do Estado Moderno. Durante o século XV e início do século XVI, vencido o poderio dos senhores feudais, foram surgindo os Estados Modernos, através do fortalecimento da autoridade monárquica, da definição de fronteiras nacionais e da unidade linguística e cultural de cada povo.
Reino de Portugal
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Foi o primeiro Estado Moderno
da Europa, tendo fronteiras já delimitadas em 1383 com o advento da dinastia
de Avis. A revolução que colocou no trono João I de Avis viu-se livre da
nobreza feudal portuguesa e, depois da batalha de Aljubarrota (1385), firmou
sua independência com relação às pretensões territoriais de Castela.
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Reino da França
Reino da Inglaterra
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Firmaram-se com o fim da Guerra
dos Cem Anos (1453), cessando as pretensões inglesas sobre territórios
franceses.
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Reino da Espanha
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Formado pela união dos reinos
de Aragão e de Castela, que englobaram o território de Granada ocupado pelos árabes
(1492) e o reino de Navarra (séc. XVI).
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Reino da Polônia
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Resultante da união entre os
povos poloneses e lituanos, tendo como capital Cracóvia e porto principal
Danzig.
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Reino da Hungria
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Constituído pelos povos húngaros
e restaurado após derrota infligida aos turcos, tendo como capital Buda.
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Reino da Boêmia
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Constituído pela união dos
povos checos, com capital Praga.
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Reino da Rússia
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Resultante da iniciativa dos príncipes
de Moscou, que começaram a expansão geográfica, terminada (no séc. XVI) com a
unificação de um vasto território.
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Reino da Dinamarca
Reino da Suécia
Reino da Noruega
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Formaram Estados, novamente
separados no século XVI, após o rompimento da União de Kalmar, que os
mantivera coesos desde o século XIV.
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Confederação Suíça
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Constituída inicialmente (séc. XIII)
pela união de três cantões de povos germânicos, que no século XVI chegou
quase às fronteiras atuais.
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Alemanha
Itália
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Irão surgir somente no século
XIX. Até essa época os nomes da Alemanha e Itália referiam-se a regiões geográficas.
Nesses territórios desenvolveram-se vários pequenos Estados, sem que nenhum
conseguisse impor-se, resultando um equilíbrio de forças que impediu a formação
do Estado alemão ou do Estado italiano. Entretanto, em cada um desses
pequenos reinos ou principados, a evolução do conceito de Estado processou-se
como nos demais países que se formaram na Europa.
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HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1980. p. 168-171.
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