Prova de que não são exatamente os tempos, mas o caráter de cada povo que determina as tradições, é o costume de tomar banho. Ou de não tomar. Os gregos e romanos, por exemplo, sempre foram adeptos da prática. Já os europeus, em pleno século XIX, fugiam da água como se ela fosse praga. Literalmente. É que como a água quente dilata os poros, os médicos europeus acreditavam que os banhos facilitavam a entrada de germes. Ou seja, fugir das banheiras era recomendado como uma medida de higiene. Outra crença dizia que a água amolecia o organismo e impedia o crescimento. Assim, crianças eram frequentemente impedidas de entrar no banho até certa idade. [...] Hoje, sabemos que essas crenças não têm lógica alguma.
Aliás, a equação funciona ao contrário: banhos ajudam a evitar doenças. A falta deles é apontada, por exemplo, como o principal motivo para que a peste negra tenha se alastrado na Europa no século XIV. Na época, como ninguém se dava conta dessa obviedade, a culpa da epidemia, que matou 25 milhões de pessoas (um quarto da população europeia), recaiu sobre leprosos e judeus. No caso dos judeus, há quem diga que a recomendação religiosa de tomar banho pelo menos uma vez por semana e lavar as mãos antes das refeições mantinha-os menos sujeitos à peste. Como não eram contaminados, passaram a ser vistos como responsáveis pela disseminação e acabaram queimados durante a Inquisição. Ou seja, eles escaparam da peste, mas não da morte.
O pavor da água era tanto que mesmo os nobres não lavavam o corpo todo mais do que uma vez por ano. Consideradas de pouquíssima utilidade, as banheiras nem faziam parte dos objetos presentes em uma casa. Para o banho anual, o costume era ir ao centro da cidade, onde havia salões específicos para isso. O rei francês Luís XIV, por exemplo, tomou seu primeiro (e um dos únicos) banho aos sete anos de idade.
Para não ter de entrar na água, os europeus deixavam uma tina com o líquido dentro de casa e lavavam algumas partes, como as mãos e o rosto. Já Luís XIV preferia usar um pedaço de algodão com vinho branco. Mas só para o rosto e mesmo assim a cada dois dias. Esses hábitos, ou melhor, essa falta de hábitos, dava aos palácios e às cidades um odor bastante peculiar, que os nobres tentavam disfarçar usando muito perfume.
No Brasil, o calor e a abundância de rios, cachoeiras e praias fazia com que os índios entrassem na água mais de dez vezes por dia. Isso era tão atípico para os europeus que quando Pedro Álvares Cabral chegou aqui, em 1500, escreveu a Portugal comentando o hábito estranhíssimo dos nativos.
Os banhos só começaram a fazer parte da rotina europeia no final do século XIX e, até hoje, as banheiras são preferidas aos chuveiros. Já no Brasil, a situação é inversa. As duchas são muito mais frequentes e banheiras são usadas mais para relaxar.
SOALHEIRO, Bárbara. Como fazíamos sem... São Paulo: Panda Books, 2006. p. 98, 100-101.
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