"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Angola-Brasil: duas pontas do tráfico de escravos

Com a Independência do Brasil, Portugal correu o risco de perder, por tabela, outra colônia: Angola. Temia-se que a possessão africana fosse  anexada pelos brasileiros. E havia bons motivos para essa preocupação.

Durante mais de 300 anos, ambas as regiões estiveram nas duas pontas do tráfico de escravos. Quase 70% dos cinco milhões de africanos que desembarcaram no Brasil vinham do Congo e de Angola. E as relações iam muito além do comércio negreiro: pelo menos desde o século XVII, africanos da costa centro-ocidental e brasileiros estavam unidos por laços mercantis, familiares e culturais.


Por isso, logo depois da independência, Portugal chegou a enviar centenas de soldados para assegurar o controle de Angola e adiou o retorno a Lisboa de um navio de guerra fundeado em Luanda. E não eram só os portugueses que estavam alertas para manter a colônia africana. Em 1826, no tratado de reconhecimento da independência por Portugal, foi incluída uma cláusula proibindo o Brasil de incorporar qualquer colônia ou território luso no continente - Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé, Guiné-Bissau e o Forte de Ajudá, no Golfo de Benin. A medida foi uma imposição da Inglaterra, já então envolvida na campanha para abolir o tráfico.

No ano seguinte, o governo brasileiro mostrou que tinha, de fato, interesses especiais em Angola: enviou para lá três navios de guerra. O objetivo oficial da missão era proteger navios negreiros que operavam na área. A medida era inédita: nenhuma nação independente das Américas tinha ido tão longe na defesa do comércio de escravos. Quase ao mesmo tempo, foi inaugurado um consulado brasileiro em Luanda, sob o comando de Rui Germack Possolo. Numa espécie de governo paralelo, o cônsul ameaçou emitir licenças de partida para navios, atribuição que não lhe cabia, e assumiu o papel de defensor de traficantes brasileiros presos por conta de disputas com comerciantes locais. Não demorou a entrar em choque com o governador de Angola, Nicolau de Abreu Castelo Branco, representante máximo do poder português na colônia.

Porto de Luanda no século XVIII

O fato é que os brasileiros já se encontravam alojados no coração do poder angolano havia muito tempo, ocupando cargos da administração civil e militar. Muitos deles tinham sido enviados à África como degredados. Aos poucos eles se estabeleceram, ganharam poder e prestígio. [...]

A maioria dos brasileiros em Angola tinha ligações com o tráfico de cativos. Degredados, agentes de casas comerciais sediadas no Brasil e marinheiros não vacilavam em se aventurar pelos sertões angolanos em busca de bons negócios. [...]

[...]

O fim da escravidão mudou o tipo de relação entre aqueles povos com histórias tão entrelaçadas. E que por pouco não se uniram sob um só país.

Roquinaldo Ferreira. Terra de oportunidades. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 4, n. 39. p. 21-23.

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