"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Civilização VII

Casa.
Jožef Petkovšek

Se abordagens novas e mais transparentes de temas tradicionais se tornaram populares, o mesmo se deu com o estudo do obscuro e do absolutamente peculiar. A história do bacalhau, do comércio de especiarias, da obsessão holandesa pela tulipa, da busca do método de medição da longitude, do consumo de peixe na antiga Atenas e milhares de outras vêm encontrando públicos entusiásticos. Hoje consumimos avidamente histórias de culturas exteriores à grande tradição: Índia, China, América nativa, Polinésia e Austrália aborígene.

Desenvolvemos também um gosto pela arqueologia do passado histórico e pré-histórico que nos coloca em contato com a rica cultura dos nossos ancestrais até então desconsiderada. O estudo de objetos, como o DNA mitocondrial, os padrões climáticos e vegetativos da Antiguidade, os isótopos preservados na dentição humana e as anomalias geofísicas, revelaram novos e fascinantes aspectos da nossa história.

Quando pedimos aos historiadores que nos mostrem as provas materiais do seu trabalho e nossa ânsia de conhecimento do passado nos leva a tantos atalhos da história, o fio dourado começa a ganhar o aspecto de um rio de tempo com uma miríade de afluentes, córregos, remansos e súbitas corredeiras ou, quem sabe, se assemelhe mais a uma imensa rede de pesca, enrolada até formar uma esfera conectada em todas as direções. A noção de que a civilização europeia, ou antes, de que a própria existência da civilização dependeu da permanência de uma tradição particular estritamente definida começa, em face da multiplicidade do passado, a nos parecer um tanto absurda.

Uma resposta tem sido escrever e falar em civilizações no plural. Autores como Fernand Braudel (A History of Civilizations) e Felipe Fernández-Armesto (Civilizations) escreveram histórias de diferentes civilizações, evitando a tradicional obsessão pelos padrões subjacentes; livros como Worlds Together, Worlds Apart, de Robert Tignor et al., de 2002, se dirigem a um número crescente de cursos universitários norte-americanos de História Mundial que evitam deliberadamente os preconceitos do eurocentrismo. O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial (1996), de Samuel Hutingdon, descreve um mundo com várias civilizações distintas e potencialmente poderosas. Em Europe: A History, também publicado em 1966, Normam Davies nos mostra como, passada apenas uma década do colapso da Cortina de Ferro, as histórias da Europa Oriental e Ocidental podem e devem ser unificadas.

O desenvolvimento da velha crença na superioridade moral e intelectual dos europeus ganhou um reforço intelectual com o surgimento do que podemos chamar de história ambiental. O cientista e historiador norte-americano Jared Diamond defendeu convincentemente que a geografia, a topografia, o clima, as correntes oceânicas e os litorais afetaram o desenvolvimento das distintas sociedades - não num sentido vago, mas em aspectos passíveis de investigação e mensuração. Sua pesquisa levou à conclusão de que os europeus se beneficiaram de uma localização que lhes propiciou desenvolver tecnologias com as quais puderam conquistar o mundo. (Continua no próximo post)

OSBORNE, Roger. Civilização: uma nova história do mundo ocidental. Rio de Janeiro: Difel, 2016. p. 20-1.

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