"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 18 de junho de 2017

Censo Industrial

Os órfãos, Antoine Wiertz

Que fabricas tu?
Fabrico chapéu
feito de indaiá.
Que fabricas tu?
Queijo, requeijão.
Que fabricas tu?
Faço pão-de-queijo.
Que fabricas tu?
Bolo de feijão.
Que fabricas tu?
Geleia da branca
e também da preta.
Que fabricas tu?
Curtidor de couro.
Que fabricas tu?
Fabrico selim,
fabrico silhão
só de sola d’anta.
Que fabricas tu?
Eu faço cabresto,
barbicacho e loro.
Que fabricas tu?
Toco uma olaria.
Que fabricas tu?
Santinho de barro.
Que fabricas tu?
Fabrico melado.
Que fabricas tu?
Eu faço garapa.
Que fabricas tu?
Fabrico restilo.
Que fabricas tu?
Sou da rapadura.
Que fabricas tu?
Fabrico purgante.
Que fabricas tu?
Eu torro café.
Que fabricas tu?
Ferradura e cravo.
Que fabricas tu?
Panela de barro.
Que fabricas tu?
Eu fabrico lenha
furtada no pasto.
Que fabricas tu?
Gaiola de arame.
Que fabricas tu?
Fabrico mundéu.
Que fabricas tu?
Bola envenenada
de matar cachorro.
Que fabricas tu?
Faço pau-de-fogo.
Que fabricas tu?
Facão e punhal
de sangrar capado.
Que fabricas tu?
Caixão de defunto.
Que fabricas tu?
Fabrico defunto
na dobra do morro.
Que fabricas tu?
Não fabrico. Assisto
às fabricações.

Carlos Drummond de Andrade

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