As rosas de Heliogábalo, Sir Lawrence Alma-Tadema
Querendo afirmar-se como
representante legítimo do império, o Senado elevou ao trono, para suceder a Cômodo,
o filho de um escravo liberto, Pertinax (193). Esperava fazer dele o seu
instrumento. Mas os pretorianos o assassinaram e puseram o império em leilão. Os
exércitos da ilha da Bretanha, da Síria e da Ilíria nomearam imperadores os
seus generais. Disso resultou nova guerra civil, da qual se sagrou vencedor o
general da Ilíria, Septímio Severo.
Imperadores ilírios
Septímio Severo
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Caracala
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Macrino
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218
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Heliogábalo
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Alexandre Severo
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Maximino
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Diocleciano
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(De 238 a 284 seguiu-se um período
de grande anarquia militar, com uma série de imperadores inexpressivos.)
NEVES, Joana. História Geral – A construção de um mundo
globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 143.
Imperador, Septímio Severo (193-211) empreendeu uma política de absolutismo
autoritário, que provocou a oposição do Senado. O imperador e, depois dele, seu
filho, Caracala (211-217), porfiaram
em destruir a aristocracia por meio de banimentos e nacionalizações em massa.
Caracala, Sir Lawrence Alma-Tadema
A influência oriental, já
preponderante no domínio econômico, tornou-se preponderante também no domínio
político. Septímio Severp confiou a prefeitura do palácio ao grande jurista sírio
Papiniano. Com ele triunfaram as concepções do direito natural (jus gentium), elaborado no curso do
período helenístico. Papiniano estabeleceu a doutrina clássica do direito
romano sobre a base do individualismo greco-oriental. Ao individualismo
triunfante no direito privado correspondia a tendência igualitária da qual
procedeu a destruição das classes privilegiadas e a reforma do funcionalismo,
que franqueou o acesso de todas as funções públicas aos oficiais saídos do exército.
As cúrias das cidades perderam a
independência que lhes restava. Septímio Severo superpôs a elas comissões de
dez membros, responsáveis pela arrecadação dos impostos. Essas instituições se
estenderam a todo o império, assim como a cidadania, que, aliás, já não
conferia direito algum aos cidadãos, mas apenas uma sujeição igual às obrigações
fiscais. O império abandonava a fórmula da democracia censitária, que associava
o contribuinte ao exercício do poder. Os cidadãos tornavam-se “súditos” do
imperador.
As doutrinas humanitárias que
presidiram às reformas de Septímio Severo inspiravam-se, ao mesmo tempo, no
respeito à personalidade humana e na noção de solidariedade social. Redundaram,
como no Egito, no 2º século a.C., no estatismo, cuja teoria foi formulada, ao
tempo dos Severos, pelo grego Calístrato. Para ele, todas as atividades suscetíveis
de exercer alguma influência sobre o interesse público, e notadamente a
propriedade, são funções sociais e, como tais, devem ser diretamente submetidas
à autoridade do imperador, representante do Estado. A liberdade individual só é
legítima dentro dos limites fixados pelo Estado, cuja primazia substitui a dos
direitos naturais do homem. Em menos de um século, essa evolução redundaria na
escravização dos cidadãos ao Estado. Os mais esmagados seriam os que não possuíam
bens, os mesmos que essa política tendia a emancipar.
Foi em nome desse princípio que
Septímio Severo substituiu a democracia política pelo corporativismo estatal. Como
os cidadãos só tinham valor pelas suas funções, as corporações de ofícios
tornaram-se os quadros da sociedade. Submetidos à tutela imperial, a elas se
deram regras uniformes em todo o império.
Aparecendo a propriedade como
função pública, o imperador impôs aos ricos a obrigação de assegurar as percepções
fiscais do Estado. Os haveres deles garantiam o pagamento do imposto e, por
isso, receberam os privilégios necessários à execução de suas funções,
tornando-se, assim, uma classe superior à dos contribuintes que não dispunham
de bens.
A crise fiscal, mantida pelo
déficit do balanço do comércio externo e pelas despesas da guerra contra os
partos, obrigou Septímio Severo a realizar nova desvalorização de 25%. Essa
medida não poderia ser senão um paliativo, uma vez que o império não conseguia
assegurar o controle da via do comércio com o Extremo Oriente, nem equilibrar o
seu comércio exterior.
Caracala e Geta, Sir Lawrence Alma-Tadema
Prosseguindo na política
absolutista do pai, Caracala quis
obrigar todos os seus súditos a praticar o mesmo culto do grande deus solar de
Alexandria, Sarapis. Mas Roma só poderia impor um culto imperial extirpando
pela força o monoteísmo cristão. Empreenderam-se, portanto, perseguições
religiosas de caráter essencialmente político. Elas cessariam ao findar-se o
reinado de Caracala, assassinado em 217.
As termas de Caracala, Sir Lawrence Alma-Tadema
A morte de Caracala acarretou
nova crise dinástica. O seu sucessor, nomeado pelo exército, também foi
assassinado. O mesmo aconteceu ao sobrinho neto de Caracala, elevado ao trono
aos 14 anos. Sucedeu-lhe seu primo, Alexandre
Severo (222-235), que era ainda quase um menino.
O prefeito Ulpiano tentou, então,
instaurar o império constitucional. A concepção do imperador-deus foi abolida.
O imperador tornava-se um soberano que governava com uma oligarquia, que se
cooptava. Mas o estatismo continuou a implantar-se. O corporativismo
generalizou-se sistematicamente. Apareceram os primeiros monopólios estatais. O
Estado subvencionou as cidades; o ensino científico foi mais e mais
incentivado. Os poderes públicos fomentaram o desenvolvimento do maquinismo. A
vida social atingiu um nível de conforto até então desconhecido.
Frigidarium, Sir Lawrence Alma-Tadema
O ensino generalizado e
subvencionado pelo Estado vulgarizava o pensamento, mas a cultura se
estereotipava. Como o pensamento, uniformizava-se a moda. Diz-se-ia que a
uniformidade fosse o preço da livre circulação das pessoas e dos bens de uma
ponta a outra do império, no qual as pessoas, em toda a parte, poderiam
fazer-se compreender numa das duas línguas universais: o latim e o grego.
Rivais inconscientes, Sir Lawrence Alma-Tadema
A moral deixou o plano racional
pelo plano místico, assim como o individualismo deu lugar ao social. A
sociedade democratizou-se, agrupando-se em pequenas células sociais. As
associações assumiram imensa extensão. A facilidade da existência e o bem-estar
que se generalizou fizeram com que diminuísse a natalidade. Acentuou-se o êxodo
dos campos para as cidades. A terra carecia de braços. A prosperidade imóvel
concentrou-se nas mesmas mãos. Constituíram-se vastos domínios, nos quais, a
partir de Marco Aurélio, os bárbaros se instalaram como rendeiros. Concentrou-se
a indústria, fazendo recuar o artesanato. O recrutamento militar se tornava
sempre mais difícil. As despesas militares pesavam cada vez mais.
Alexandre Severo instalou nas
fronteiras soldados lavradores, o que tirou do exército a mobilidade e a eficácia.
A guerra contra a dinastia persa dos sassânidas, que haviam substituído em 226
o Império dos partos, obrigou o império a desguarnecer as fronteiras do norte. Resultado:
os francos atravessaram o Reno e os alamanos o Danúbio. O imperador procurou
agradá-los por meio de subsídios e tratados. Foi morto às margens do Reno pelas
suas legiões (235).
Malograra-se a experiência da
monarquia constitucional, apoiada numa oligarquia de cooptados. Aparecendo para
o povo como uma tentativa de restauração aristocrática, só conseguiu arruinar a
ideia da monarquia hereditária, que se implantava.
A morte de Alexandre Severo abriu
uma era de anarquia, que duraria cinquenta anos.
[...]
O mundo conhecia então um grande
movimento de povos. Os hunos orientais, contidos pela China, ao norte da qual
viviam, empurraram os hunos ocidentais de leste para oeste, na região do mar Cáspio
e, depois, do mar Negro. Simultaneamente, os germanos do norte da Europa
desciam para o sul. Impelidos pelos citas, que estavam sendo apertados pelos
hunos, os godos cruzaram o Danúbio, invadiram a Trácia, a Grécia e a Ásia
Menor. Os vândalos seguiram-nos à Trácia. Os alamanos atravessaram o Reno e
chegaram à Itália. Os francos, submergindo a Gália, fizeram incursões até na
Espanha. Na África, os berberes atacaram os colonos romanos. No Oriente, os
persas tomaram Antioquia, ao passo que Alexandria era saqueada no decorrer das
guerras civis. Em toda parte, nas províncias, as guerras intestinas arruinavam
o país.
Revelando-se sem valor o exército
de soldados agricultores, os imperadores impuseram aos grandes proprietários a
obrigação de fornecer-lhes homens recrutados entre os rendeiros, preparando
assim a sua transformação em senhores.
As cidades ameaçadas cercaram-se
de muralhas. E como se generalizasse o banditismo, os proprietários de imóveis
organizaram em seus domínios polícias senhoriais.
Tamanha era a anarquia fiscal
que, desde 256, as moedas de prata não continham mais do que 5% de metal
precioso. Entre 256 e 280, o custo de vida subiu 1000%.
Aureliano (270-275), proclamado imperador pelo exército da Ilíria
(a maior força do império), restabeleceu a ordem implantando o estado de sítio.
Mas a restauração do império foi mais aparente do que real. Suprimindo a
segurança e provocando a pilhagem das grandes cidades mercantis do Oriente, as
guerras civis tinham destruído a corrente comercial para a Ásia.
Praticando uma política de
absolutismo por direito divino, Aureliano fez-se chamar Deus e pretendeu
governar até os assuntos religiosos dos seus súditos. Mas o paganismo sobre o
qual repousava o culto do imperador fora ferido de morte pela expansão do
cristianismo, que se tornava a ideia-força do tempo.
Entre Vênus e Baco, Sir Lawrence Alma-Tadema
O assassínio de Aureliano
mergulhou o império em nova crise de anarquia, que durou oito anos, antes que o
estado-maior do exército designasse Diocleciano
(284-305), que empreendeu uma obra radical de reconstrução legislativa.
Dividiu o império em dois grandes
governos: o Ocidente, que compreendia também a África, e o Oriente com o Egito;
de um lado, todas as províncias de língua latina (com exceção dos países
danubianos), de outro, o mundo helenizado. Repartiu-se a soberania entre os
dois imperadores. Diocleciano ficou com o Oriente; e entregou o Ocidente a
Maximiano. Cada um deles, durante a sua vida, adotou um sucessor e associou-o
efetivamente ao poder. O princípio hereditário foi abandonado pela adoção do
mais digno.
Reforçou-se a armadura
provincial. [...] Dotaram-se as prefeituras de verdadeiros governos, que
gozavam de larga autonomia. Estabeleceu-se uma separação absoluta entre as funções
civis e militares. Do governo central de cada um dos dois impérios dependia o
comando militar, a chancelaria, os negócios exteriores, a gestão de bens da
coroa, a das manufaturas do Estado, a moeda e a nomeação dos funcionários
superiores. Somente a legislação, reservada ao imperador mais idoso, mantinha a
unidade do império.
Entre os imperadores e a
população, já não existia colaboração alguma. O poder vinha exclusivamente de
cima. Substituíram as assembleias provinciais, mas elas não foram mais do que
reuniões de funcionários.
[...]
Como a desvalorização da moeda
tornara insignificante as contribuições impostas às cidades por ocasião da sua
incorporação ao império, Diocleciano suprimiu os tributos locais e unificou, em
todo o império, a base da imposição. Dali por diante, os impostos seriam
calculados de modo a cobrir as despesas. A fim de facilitar a repartição do
imposto, os bens foram recenseados e divididos, em cada cidade, em pequenas
unidades fiscais, cada uma das quais representava a mesma renda imobiliária.
[...]
Abandonada como capital, Roma foi
trocada por Milão e Nicomédia, que seria abandonada, trinta anos depois, em
favor de Bizâncio. Deixando Roma, os imperadores escapavam ao triplo perigo que
aí representavam o Senado, a plebe e os pretorianos.
Como a coesão do império
repousasse exclusivamente sobre o prestígio imperial, Diocleciano afirmou, mais
uma vez, o caráter divino do poder imperial. O culto solar foi proclamado culto
do Estado para servir-lhe de base e ordenou-se, em 303, o fechamento de todas
as igrejas cristãs. Começava a mais dura de todas as perseguições que o império
já conhecera.
Estimando concluída a sua obra,
Diocleciano abdicou em 305 e fez Maximiano abdicar. Imediatamente o filho deste
último reivindicou o trono de que seu pai o afastara em proveito de Constâncio
Cloro.
O sistema da adoção do mais
digno, mais uma vez, se mostrava incapaz de constituir a base do sistema sucessório
do império.
NEVES, Joana. História Geral – A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 143.
PIRENNE, Jacques-Henri. Panorama da História Universal. São
Paulo: DIFEL/EDUSP, 1973. p. 119-124.
NOTA: O texto "O Império Romano sob os Ilírios (193-305)" não representa,
necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de
refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
Obrigado por me permitir entender um pouco da História desse período. Fui à Croácia recentemente e conheci o palácio de Diocleciano em Split. Também muito ouvi falar dos Ilirios bem como visitei a antiga Ilha de Pharos, atualmente Hvar. Gostei muito do seu post.
ResponderExcluirObrigado Marcelo Pedrosa Chaves. Abraços poéticos.
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