No fim do século XVII, a
transformação da América pela Europa já era sensível. Os europeus haviam
introduzido no Novo Mundo animais e plantas até então desconhecidos: pombos,
galinhas, patos, vacas, cavalos, asnos, mulos, cabras, ovelhas, trigo, centeio,
arroz, laranjeira, limoeiro, oliveira, vinha. Tinham transmitido o conhecimento
de suas técnicas, especialmente a roda e os derivados, todos os instrumentos e
mecanismos baseados no movimento circular, uma das bases da civilização do
Velho Mundo, e a abóbada, condição das principais construções européias. O
aspecto geográfico de muitas regiões americanas já se transformara. Não
obstante, as lavouras, os rebanhos, os edifícios e as estradas dos europeus
estavam ainda mal disseminados em faixas costeiras, em zonas restritas ou
linhas dispersas. O homem branco limitara-se a encetar este gigantesco
continente.
O homem branco levara para a
América as instituições de seu torrão europeu. Mas, num meio e em
circunstâncias novas, tais instituições transformaram-se, dando origem a
sociedades diferentes da mãe-pátria, a verdadeiras nações que possuíam todas,
em diversas gradações, seus costumes, maneiras próprias de acionar instituições
aparentemente análogas às de suas regiões de origem, seus interesses, suas
preocupações, um desejo de levar vida própria e de regular por si mesmas seus
negócios, um espírito de particularismo e autonomia. Mas tais nações, segundo
suas origens e circunstâncias de evolução, diferiam profundamente umas das
outras. Desde as colônias espanholas, levadas pela recessão das correntes
comerciais a voltar para um regime dominial, senhorial e vassálico, mais
próximo da Idade Média europeia do que da metrópole no século XVII, até as
colônias inglesas, onde as diversidades religiosas, a livre iniciativa e o
grande comércio criaram todas as formas de burguesia, cadinho de experiências
políticas que rapidamente ultrapassam as da metrópole, representativos e
parlamentares do futuro, passando pelas colônias francesas e portuguesas, em
estágios intermediários, estende-se um magnífico campo de pesquisa e reflexões
experimentais para o historiador empenhado em compreender as condições de
existência dos diferentes regimes políticos.
Incomparável é também o campo de
pesquisa aberto pelo contato destas sociedades brancas com os índios e os
negros. De fato, nenhuma sociedade branca teve êxito na assimilação e talvez
nenhuma tenha verdadeiramente tentado. Negros e índios encontravam-se em níveis
de civilização que os europeus haviam sucessivamente atingido na Europa. O
problema consistia em levá-los, em algumas décadas, através de todos os
estágios percorridos pelos europeus em mais de trinta séculos: e não houve
solução para isto. Um resultado do contato das sociedades brancas mais
evoluídas com as sociedades índias que o eram muito menos foi a desorganização
e a desagregação destas, a redução do número ou o desaparecimento de seus
membros. Outro foi a transferência de considerável número de negros da África,
a constituição de uma raça inferior, escrava ou desprezada. Os negros puros
passaram por incapazes de assimilar a civilização européia, por mansos e sem
iniciativa. Aos mestiços, numerosíssimos, concedeu-se uma verdadeira
inteligência, mas uma espécie de instabilidade mental. Um resultado
considerável foi a transformação das sociedades europeias da América espanhola,
portuguesa, francesa, inglesa nas Antilhas e na parte tropical da América do
Norte, quer pelos cruzamentos e pelo afluxo de sangue novo, quer pela sua
situação de senhores no meio de escravos, ou de senhores chefiando servos. Os
hábitos novos daí resultantes e a influência dos povos de cor sobre seus
senhores brancos constituem assunto ainda pouco estudado.
Já esteve em moda opor as colonizações espanhola e francesa, humanas, preocupadas com o indígena, e o seu progresso, o seu porvir, à colonização inglesa, brutal, orgulhosa destruidora do índio. É certo que o governo inglês não demonstrou o mesmo cuidado de assimilação que os governos espanhol e francês. É certo que os colonos ingleses mostraram ser menos aptos a abandonar seus hábitos de espírito e seu gênero de vida, a compreender os indígenas e possuir menos vontade de tentar algo neste sentido, menos facilidade de se unir pelo casamento às mulheres indígenas, uma repugnância em viver a vida dos índios, mais altivez e maior cupidez no lucro. O espírito puritano só complicava as coisas. Thomas Morton, fundador de Mont-Joyeux, foi expulso do Massachusetts porque seus colonos e ele se entregavam, juntamente com os índios, a bebedeiras e a danças endiabradas, à moda índia. O puritanismo viu facilmente nos índios representantes dos Madianitas e Amalecitas dignos de extermínio e no feliz usurpador das terras índias um eleito de Deus. Os franceses, portugueses, espanhóis conviviam de melhor boa vontade com os indígenas. A maleabilidade dos franceses, sua capacidade de adotar os costumes dos índios e para se tornarem bem-vindos em seu meio ficaram proverbiais.
A cativa, Eanger Irving Couse
Já esteve em moda opor as colonizações espanhola e francesa, humanas, preocupadas com o indígena, e o seu progresso, o seu porvir, à colonização inglesa, brutal, orgulhosa destruidora do índio. É certo que o governo inglês não demonstrou o mesmo cuidado de assimilação que os governos espanhol e francês. É certo que os colonos ingleses mostraram ser menos aptos a abandonar seus hábitos de espírito e seu gênero de vida, a compreender os indígenas e possuir menos vontade de tentar algo neste sentido, menos facilidade de se unir pelo casamento às mulheres indígenas, uma repugnância em viver a vida dos índios, mais altivez e maior cupidez no lucro. O espírito puritano só complicava as coisas. Thomas Morton, fundador de Mont-Joyeux, foi expulso do Massachusetts porque seus colonos e ele se entregavam, juntamente com os índios, a bebedeiras e a danças endiabradas, à moda índia. O puritanismo viu facilmente nos índios representantes dos Madianitas e Amalecitas dignos de extermínio e no feliz usurpador das terras índias um eleito de Deus. Os franceses, portugueses, espanhóis conviviam de melhor boa vontade com os indígenas. A maleabilidade dos franceses, sua capacidade de adotar os costumes dos índios e para se tornarem bem-vindos em seu meio ficaram proverbiais.
Contudo, mais talvez do que do
caráter e da religião, a atitude dos diferentes colonizadores dependeu das
circunstâncias e do modo de produção. Nas Antilhas, frente aos negros, os
franceses mostraram-se tão racistas quanto os ingleses, embora os negros, via
de regra, gozassem de melhor sorte nas colônias francesas. Nas estepes
mexicanas, os espanhóis trataram os Chichimecas de maneira semelhante à que os
pioneiros ingleses adotaram com os Abenakis ou os Creeks e, mais tarde, os
Sioux. No Canadá, os franceses entendiam-se com os índios e, em certa medida,
uniam-se às suas filhas, mas os brancos constituíam um punhado apenas e
necessitavam dos indígenas. Como teriam procedido, se se vissem, como no
Massachusetts, por volta de 1670, em número de 80.000 contra 12.000 índios, com
grande necessidade de terras e com os territórios de percurso dos indígenas
encravados no meio das lavouras dos brancos? Os ingleses, relativamente
numerosos, pouco a pouco repeliram e destruíram os indígenas, tanto mediante o
desbastamento do território de percurso onde fugiam os animais de caça, como
pela guerra. Os defensores da civilização agrícola multiplicaram-se e privaram
de meios de existência, de espaço vital, os praticantes da civilização
seminômade dos caçadores, destinados a desaparecerem paulatinamente. Mas os
espanhóis, e mesmo os franceses, em geral, subordinaram mestiços e índios a uma
sociedade branca dominante e, por outro lado, justapuseram no espaço estas
sociedades estratificadas de predominância branca, com tribos indígenas
assujeitadas ou protegidas, que permaneceram mais ou menos à parte. Os mestiços
subsistiram como indivíduos de segunda categoria, batedores de floresta ou
guardas de haciendas ou estâncias. A verdadeira assimilação, a que consistira,
para os índios de puro sangue, na adoção de costumes, línguas, trajes,
práticas, religião e espírito europeu, reduziu-se a exceções individuais. O
problema mantêm-se de pé, para o historiador: a assimilação, desejada a
distância pelos homens de gabinete por razões de princípio, crença cristã na
igualdade fundamental dos homens, interesse nacional e monárquico, não foi
levada avante seriamente, de fato, pelos coloniais. Seria possível?
MOUSNIER, Roland. Os séculos XVI e XVII: a Europa e o mundo.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 138-141. (História geral das
civilizações, v. 10)
NOTA: O texto "Influência da Europa sobre a América" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
NOTA: O texto "Influência da Europa sobre a América" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
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