César quisera integrar Roma na
tradição milenar das monarquias helenísticas. Augusto adotou uma política
essencialmente romana.
Ficando como único titular dos
poderes triunvirais, declarou renunciar a eles (27 a .C.) e restituir à
república as suas antigas instituições. Dizimado pelas proscrições, o Senado
foi reconstituído por ele. Os senadores não foram mais eleitos pelo povo, mas
nomeados pelo imperador. Devolveram os poderes triunvirais a Augusto, primeiro
por dez anos, depois até a sua morte (14 d.C.). Os comícios, que formavam
outrora a base do poder, perderam toda a autoridade real. Limitaram-se a
ratificar a outorga dos poderes do imperador. Os magistrados nomeados pelo
Senado, por proposta do imperador, escaparam ao controle do povo, que outrora
os elegia. Juridicamente, subsistia a república. Na realidade, desaparecera. O
recurso às suas instituições não fazia mais do que legalizar a ditadura
militar.
Imperador Augusto. Artista desconhecido.
Foto: Jastrow
Augusto dividiu a sociedade em
classes hierarquizadas, dotadas de status jurídicos diferentes. Os senadores
seriam julgados pelos seus pares. Entre eles se recrutavam os governadores de
províncias e os generais. Somente os cavaleiros podiam ser oficiais superiores.
Os simples cidadãos careciam de quaisquer direitos políticos. Podiam ser
oficiais subalternos se fossem italianos; simples soldados, se o não fossem. Os
cidadãos recenseados eram 5 milhões. Os outros habitantes do império
dividiam-se em homens livres, peregrinos e escravos. Entre os peregrinos, os
ocidentais e os africanos tiveram acesso fácil à cidadania romana e ao Senado.
Os orientais, menos. Os egípcios relegaram-se, com os alforriados libertados, à
classe dos que haviam capitulado sem condições e foram marcados pela
incapacidade de chegar algum dia ao direito de cidade. Convertido em apanágio
imperial, o Egito se tornou, para o imperador, uma terra de exploração.
O encontro de Antônio e Cleópatra, 41 a.C., Sir Lawrence Alma-Tadema
Os escravos, privados de todos os
direitos, foram submetidos a sanções penais implacáveis, tiradas do mais
arcaico direito romano. A antiga concepção grega do escravo como “instrumento
animado” impôs-se a todo o mundo mediterrâneo.
Às teorias democráticas que
concebem os homens como iguais entre si, opôs Augusto a superioridade natural
dos romanos, raça dominante.
Augusto, aliás, não fecha Roma à
influência intelectual do mundo helenístico. Estimula as letras. Com Horácio,
Virgílio, Cornélio Nepos, Catulo, Tito-Lívio, Tibulo e Propércio, Roma exerceu
sobre a elite intelectual helenizada irresistível atração. Dessa maneira,
afirmou-se, não como conquistadora, mas como capital do mundo helenístico.
Catulo em Lésbia, Sir Lawrence Alma-Tadema
Como César, Augusto lutou contra
o domínio do grande capitalismo sobre o Estado. Adotando a política das antigas
monarquias orientais, que haviam sempre reservado para o Estado a exploração
das minas, instaurou-lhes o monopólio. Mas a sua intervenção na organização
econômica do império não foi mais adiante. Ele não empreendeu uma política de
economia dirigida. A oligarquia capitalista não chegou a formar um Estado
dentro do Estado. Não encontrando emprego em Roma, que não era um centro
industrial, nem local de tráfico, os capitais refluíram para os centros
econômicos do império. Investiram-se em províncias ocidentais, na forma de
propriedades imobiliárias; nas províncias orientais, foram absorvidos pelas
atividades comerciais, que conheciam um novo impulso em conseqüência do
reinício do comércio com as Índias, pela estrada marítima do mar Vermelho.
Loja de vinhos, Sir Lawrence Alma-Tadema
Augusto esforçou-se por fomentar
a expansão comercial. O canal de Suez, assoreado, foi restabelecido. Enviou-se
uma frota romana ao mar Vermelho para tentar retomar aos árabes de Adem o
domínio da navegação, mas debalde. Nem as armas, nem a guerra das tarifas
aduaneiras, nem a aliança da Abissínia, que teve, então, rápida expansão marítima,
proporcionaram a Roma tanto quanto lhe proporcionaria, sob os sucessores de
Augusto, o simples restabelecimento do comércio livre.
O império era formado de duas
partes distintas: um bloco continental (Itália, Gália, Espanha e África latina)
de tendência terrestre e aristocrática, e um vasto conjunto marítimo, formado
pelos antigos Estados helenísticos dedicados ao comércio, de tendência
democrática. O Mediterrâneo, do qual Augusto acabou de fazer um lago romano,
unia tudo num vasto conjunto.
Politicamente, esse conjunto se
achava repartido entre as províncias subestimadas às instituições da República
romana e aquelas cuja administração depende diretamente do imperador. Foi a
administração destas últimas que deu origem às instituições imperiais. Nela preponderou
a influência das concepções orientais, visto que, para governar os povos
diversos que não viviam sob as instituições romanas, o imperador recorreu aos
princípios do direito helenístico. Nomeou governadores e funcionários
remunerados, baseou o imposto sobre a capitação e as rendas imobiliárias,
instaurou o cadastro e mandou elaborar o orçamento anual das receitas e das
despesas. Essas instituições sábias substituíram, nas antigas províncias, o
sistema arcaico da república. Na própria Itália, o imperador instaurou órgãos
de governo tirados do direito público helenístico: criou prefeitos e comissões
executivas (obras públicas das estradas, dos aquedutos etc.).
O direito privado sofreu
igualmente a influência oriental; transformou-se a noção da propriedade: o
usufruto e a hipoteca foram tomados ao direito grego, e o direito contratual
tornou-se mais flexível.
Se o imperador não era mais que o
primeiro dos cidadãos (princeps) nas
antigas províncias romanas, nos antigos Estados helenísticos era soberano,
considerado, ao mesmo tempo, senhor e protetor. Declarado “divino”, como César,
Augusto foi objeto, nas províncias helenísticas, de um culto imperial, cuja
organização deu lugar à eleição de delegados das cidades. Esses delegados,
reunindo-se anualmente para celebrar o culto do imperador, logo votaram pedidos
que lhe foram transmitidos.
Obrigado a dar instituições ao
império, o imperador deixou que este lhe impusesse o culto imperial que
legitimara o poder em todas as monarquias antigas, e as assembleias
provinciais, que foram os primeiros órgãos políticos, lhe permitiram colocar-se
em contato com a opinião pública.
O Senado, ao contrário,
prisioneiro dos seus privilégios, obstinou-se numa política nacional e
reacionária.
Na luta que o oporia ao Senado, o
imperador, arrastado pela unidade do império, faz-se-ia campeão da emancipação
dos peregrinos, e surgiria diante do povo, erguendo-se contra os privilégios da
aristocracia romana, como protetor da liberdade.
PIRENNE, Jacques-Henri. Panorama da História Universal.
Difel/EDUSP: São Paulo, 1973. p. 109-111.
NOTA: O texto "O Império Romano sob Augusto (27 a.C. - 14 d.C.)" não representa,
necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de
refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
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