Admite-se com frequência que o feudo aparece "nas sociedades onde se conjugam uma economia insuficientemente monetária e um armamento militar oneroso". O soberano retribui o serviço militar mediante a concessão do único capital valioso, a terra. Eis o que teria ocorrido no Oriente, no momento em que o uso do carro de combate se generalizava.
Carro de guerra sumério de quatro rodas. Estandarte de Ur (Lado da Guerra, detalhe).
Antes do século XVII, o carro desempenhava, nas batalhas, um papel apenas secundário. Protegido por grande anteparo frontal e montado sobre quatro rodas maciças, o carro era pesado demais para prestar-se a evoluções táticas. Seu manejo complicava-se tanto mais quanto os animais de tiro parecem ter sido onagros, animais espantadiços, dificilmente domesticáveis, aos quais o processo de atrelagem - um jugo apoiado no garrote - suprimia grande parte da força de tração. Daí que o carro quase só fosse empregado na perseguição do inimigo, não para a ruptura da frente adversária.
A situação modificou-se radicalmente quando se introduziu certo número de melhorias técnicas: a caixa, mais leve e montada sobre um eixo ao qual se fixaram duas rodas de raios, foi atrelada a dois cavalos por peitorais mais simples. O carro tornava-se, assim, um instrumento de manejo flexível, cujas vantagens táticas foram imediatamente percebidas. Os progressos fundamentais, efetuados na Ásia Menor e em território mitanita, difundiram-se por todo o Oriente Próximo, sem que se possam precisar as contribuições respectivas dos diferentes povos.
Se a generalização desse material dispendioso constituísse explicação para a formação dos feudos, ter-se-ia de adtmitir que ficava por conta dos combatentes que o utilizavam: precisamente para atender às despesas de equipamento é que se lhes outorgariam terras. Ora, tal não sucedia, já que os carros se encontravam sob a custódia da administração central.
Carro de guerra assírio de duas rodas. A captura da cidade de Astartu, pelo rei assírio
Tiglath-Pileser III, ca. 730-727 a .C., retratados em um relevo de palácio.
Carro de guerra hitita de duas rodas.
Por outro lado, a carta de Hattusili III, tanto quanto as tábulas administrativas de Nuzi, demonstram que nem só os combatentes participavam das despesas com o equipamento militar. Os templos e as populações rurais também estavam sujeitos a elas, detalhe confirmado pelos arquivos assírios de Tell Billa, que contêm listas de localidades (álu) e domínio (ái dunnu) obrigados a fornecer ao governador da região contingentes de homens, carneiros, lã e cereal. Era o conjunto da circunscrição do hassuhlu que participava da preparação dos exércitos assírios. Todos esses fatos traduzem a mesma realidade: os cuidados do equipamento militar não eram deixados à iniciativa individual; eram encargo do governo. Portanto, não teria cabimento estabelecer uma relação de causa e efeito entre as despesas de armamento e as concessões de terras efetuadas pelos soberanos. Estas visavam a um objetivo mais geral.
GARELLI, Paul. O Oriente Próximo asiático: das origens às invasões dos povos do mar. São Paulo: Pioneira/EDUSP, 1982. p. 319-321.
NOTA: O texto "O problema do carro de guerra no Oriente Próximo Asiático" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
GARELLI, Paul. O Oriente Próximo asiático: das origens às invasões dos povos do mar. São Paulo: Pioneira/EDUSP, 1982. p. 319-321.
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