"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 24 de julho de 2014

A vida cotidiana egípcia em pequenas obras de arte

Modelo de barco do túmulo de Herishefhotep, IXª dinastia. Foto: Einsamer Schütze

A arte do Egito Antigo tem sua expressão máxima em obras monumentais e de caráter religioso, como as pirâmides e as pinturas que recobrem as paredes dos túmulos e templos. Mas, a estes magníficos exemplos do alto nível artístico alcançado pelos antigos egípcios, somam-se pequenos trabalhos artesanais que, por traduzirem hábitos, costumes e aspectos da vida cotidiana, foram de grande importância para a reconstituição histórica da civilização egípcia. Elaborados fora do contexto religioso do Estado, estes trabalhos eram de concepção bastante livre, não obedecendo aos rígidos padrões a que estava submetida a arte monumental dos faraós.


Modelo de cozinha: trabalhadores moendo, cozendo e fazendo cerveja, XII dinastia. 
Foto: Andreas Praefcke

Durante o Antigo Império, a argila e os metais foram as matérias-primas básicas utilizadas na feitura das peças de artesanato, que compreendiam desde utensílios domésticos até estatuetas e delicados trabalhos de ourivesaria. No Médio Império, porém, a madeira passou a ser empregada em larga escala na confecção de todo tipo de manufaturas. E foi neste período que se desenvolveu um gênero de estatuária de cunho nitidamente artesanal. Esculpidas em madeira e pintadas com cores vivas, estas figuras aparecem reunidas em grupos onde são retratadas cenas da vida di[ária dos antigos egípcios.


Modelo de celeiro. Os homens estão derramando grãos em silos compartimentados. No canto oposto, um escriba, sentado no chão, registra as quantidades em uma placa coberta de gesso. 1ª Período Intermediário. 
Foto: Typezero

Pela profusão de personagens e detalhes, tais conjuntos – descobertos em sua maior parte nas tumbas dos faraós e nobres tebanos – são testemunhos fiéis de um modo de vida mais desaparecido há milhares de anos. Na realidade, têm um valor muito mais documentário do que propriamente artístico, já que muitos deles são trabalhos nem sempre perfeitamente realizados do ponto de vista estético. Estas miniaturas eram colocadas nas câmaras mortuárias como símbolos de uma vida que se prolongaria pela eternidade e dos serviços que nela deveriam ser prestados àquele que morrera. Ao reproduzirem o dia-a-dia de toda uma sociedade, os artesãos do Egito Antigo conseguiram realizar algo de tão importante quanto os grandes artistas da época: fazer com que, das profundezas do mundo dos mortos, pudesse ser trazido à luz o mundo dos vivos, singelamente perpetuado em argila e madeira.


HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES. São Paulo: Abril, 1975. p. 10. Volume 1.

NOTA: O texto "A vida cotidiana egípcia em pequenas obras de arte" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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