O imperador Tibério. Artista desconhecido.
Foto: Jastrow
Otávio, apesar de ter completado a consolidação do Império, não tinha estabelecido o critério de sucessão. Mas, desde o ano de 4 d.C., tinha associado ao poder seu genro e filho adotivo Tibério, que o sucedeu após sua morte.
Nessa primeira etapa imperial, a sucessão ficou restrita a duas famílias: Júlia e Cláudia. Parentes entre si e de Augusto, essas famílias, pertencentes à antiga nobreza romana, constituíram uma dinastia patrícia.
Dinastia júlio-claudiana
Otávio
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Tibério
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Calígula
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Cláudio
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Nero
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Tibério (14-37), sucessor de
Augusto, inaugurou uma política nitidamente centralizadora. Transformou em
conselho imperial permanente o conselho de amigos criado por Augusto.
Convertidos em verdadeiros ministérios, os serviços públicos foram colocados
sob a direção do prefeito do pretório, transformado em primeiro ministro.
Criou-se um fundo para a concessão de créditos públicos baratos à classe média,
que se revoltava na Gália contra o açambarcamento das terras pelos capitalistas
romanos. Estes se insurgiram. As cortes pretorianas foram colocadas às portas
de Roma para reprimir as conjurações que se tramavam contra a vida do
imperador. As execuções sucederam aos confiscos. Espanhóis e gauleses
substituíram, no Senado, os romanos executados.
A morte de Tibério, Jean-Paul Laurens
Calígula (37-41), educado na
tradição egípcia, tencionava manifestamente fazer que se admitisse em Roma a
noção de poder por direito divino, que possuía como faraó do Egito. Combatido
pelo Senado, que pretendia conservar para a aristocracia romana o domínio de um
império submetido, foi assassinado quando se preparava para passar ao Egito.
Um imperador romano em 41 AD, Sir Lawrence Alma-Tadema
O Senado proclamou, então, a
abolição do “principado” e anunciou a intenção de assumir o governo do império.
Mas teve de inclinar-se diante dos pretorianos, que levaram ao trono Cláudio
(41-54), tio de Calígula.
Calígula deposita as cinzas de sua mãe e seu irmão na tumba de seus antepassados, Eustache Le Sueur
O novo imperador recompensou
largamente os pretorianos, erguendo assim para o futuro, em face do poder legal
do Senado, novos apetites, que todos os imperadores teriam de tomar em
consideração.
Cláudio governou com
colaboradores não romanos, fortemente impregnados das concepções helenísticas.
Sob a orientação deles, o governo central organizou-se segundo o modelo das
administrações egípcias, especializadas e centralizadas, ao mesmo tempo; a
chancelaria foi amplamente desenvolvida. O império tendia à igualdade de todos
os súditos diante do imperador. Fazendo-se democrático e liberal, este
renunciou ao terror e às proscrições. O poder imperial procurou fazer-se
hereditário e dinástico. Para ligar-se a Augusto, Cláudio desposou uma
descendente deste último: Agripina, que só lhe trouxe revoluções palacianas.
Depois de haver mandado envenenar Cláudio e ter afastado o herdeiro legítimo,
Britânico, fez com que a guarda pretoriana colocasse no trono o seu próprio
filho, Nero (54-68).
O poder imperial esteve a pique de perder-se nessas lutas palacianas, no mesmo momento em que Sêneca, que Cláudio dera por preceptor a Nero, pregava o advento de um império constitucional, em que o poder pessoal do imperador seria substituído pela partilha do poder legislativo entre o imperador e o Senado, formado de representantes de todas as províncias.
Proclamação do imperador Cláudio, Sir Lawrence Alma-Tadema
O poder imperial esteve a pique de perder-se nessas lutas palacianas, no mesmo momento em que Sêneca, que Cláudio dera por preceptor a Nero, pregava o advento de um império constitucional, em que o poder pessoal do imperador seria substituído pela partilha do poder legislativo entre o imperador e o Senado, formado de representantes de todas as províncias.
Agripina com as cinzas de Germânico, Sir. Lawrence Alma-Tadema
A evolução econômica do império
acentuou, sob Nero, a luta entre o imperador e o Senado. O comércio
mediterrâneo com a Ásia atingiu, então, um nível que só voltaria a conhecer no
19º século. Mas esse comércio estava inteiramente nas mãos dos egípcios e dos
sírios. Os capitalistas de Roma continuavam açambarcando terras nas províncias
ocidentais. Os pequenos rendeiros desapareciam, transformados em colonos
hereditários ou aumentando o proletariado urbano, ao passo que os grandes
proprietários, escapando à autoridade dos magistrados locais, tinham acesso,
praticamente, à autonomia senhorial. O desaparecimento da pequena propriedade,
em favor dos latifundia, provocava a
diminuição da produção de trigo, obrigando o Estado a uma intervenção que
desfigurava o mercado. Enfim, as manipulações monetárias, acarretadas pelo
déficit do comércio com a Ásia e pelas despesas suntuárias de Calígula e Nero,
provocaram a elevação do custo de vida, que contribuía para a ruína da classe
média. Para acudir-lhe, criaram-se caixas hipotecárias, ao passo que o
imperador, acentuando a luta contra os capitalistas, mandou matar os seis
maiores proprietários da África, que possuíam a metade dessa província, e
confiscou-lhes as terras. Opondo-se ao Senado por uma política democrática e
absolutista, Nero deixou-se arrastar para medonhas demonstrações demagógicas,
que redundaram no incêndio de Roma (64). Os cristãos foram responsabilizados
por isso. Tornaram-se objeto de perseguições, porque a sua religião monoteísta
ameaçava as bases panteístas da autoridade por direito divino, para a qual
tendia o império.
Desde o 2º século a.C., a crença
na imortalidade da alma e no julgamento do homem na outra vida praticamente se
generalizara sob a influência dos cultos orientais: os mistérios de Dioniso e
de Osíris; o culto de Ísis, confundido com o de Ceres, a deusa-mãe; as festas
primaveris de Átis, que celebravam, ao mesmo tempo, o luto pela morte do deus e
o júbilo pela sua ressurreição; o culto de Mitra, enfim, que pregava a
solidariedade humana e a justiça, e anunciava a ressurreição dos corpos no
juízo final.
Os mistérios de Mitra, como todos
os cultos orientais, favoreciam a política absolutista dos imperadores, pois
afirmavam que o poder provém diretamente de Deus. Somente o cristianismo, entre
todos os cultos místicos, parecia perigoso para o absolutismo imperial por ser
hostil ao panteísmo, sobre o qual repousava a noção da divindade do imperador.
As perseguições de que foram
vítimas os cristãos não se exerciam apenas contra as suas ideias religiosas,
mas contra todas aquelas que pudessem ser prejudiciais ao absolutismo do
imperador. A censura, estabelecida por Tibério e afrouxada por Cláudio, fez-se
mais dura sob Nero. Sêneca foi condenado à morte; os escritores políticos
desapareceram e, diante da supressão da liberdade de pensamento em Roma, a vida
intelectual refugiu-se nas províncias.
O remorso de Nero após o assassinato de sua mãe, John William Waterhouse
Para levar a cabo a sua política
absolutista por direito divino, Nero procurou o apoio das províncias orientais.
O Senado, ao contrário, escorou-se nas províncias ocidentais para tentar uma
reação republicana. Em 68 d.C., os governadores das províncias ocidentais se
revoltaram. Declarado inimigo público do Senado, Nero suicidou-se. O seu
sucessor, Galba, nomeado pelas legiões da Espanha com o assentimento do Senado,
empreendeu uma política de reação conservadora. Sublevou contra si o povo de
Roma, aliado aos pretorianos, e foi massacrado. A sua sucessão provocou a
guerra civil. Ao imperador Otão, amigo de Nero, elevado ao trono de Roma, as
legiões opuseram Vitélio, na Gália, e Vespasiano, no Oriente.
Dinastia flaviana
Dinastia flaviana
Vespasiano
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Tito
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Domiciano
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A guerra terminou com o triunfo
de Vespasiano, que tentou uma reforma constitucional. Romano, ele concebia o
império como essencialmente formado pelo Ocidente latinizado. Transformou o
Senado numa espécie de conselho imperial, em que figuravam poucos orientais.
Inspirando-se, porém, ao que parece, em ideias orientais, associou os próprios
filhos ao poder, apresentando-os como seus herdeiros e afirmando-se fundador de
uma dinastia. Ao mesmo tempo, tentou restabelecer as finanças e tirou do Senado
a distribuição de terras públicas para anexá-las à coroa e explorá-las
sistematicamente, segundo os métodos helenísticos.
Domiciano, seu sucessor, procurou
de novo o apoio do Oriente para as pretensões absolutistas que manifestou.
Tropeçou nos mesmos obstáculos que haviam empeçado os desígnios de Nero: a
aristocracia romana, os cultos monoteístas e a liberdade de pensamento.
Respondeu a eles com banimentos de senadores, perseguições de cristãos e
judeus, e a expulsão de Roma de todos os filósofos (94).
O assassínio de Domiciano, em 96,
assinala o malogro das tentativas dos Césares e Flavianos de edificar o império
sobre a monarquia absoluta, de inspiração oriental.
O Senado continuava a ser a única
base legal do poder. Mas a oligarquia romana nele fora submergida pelas
famílias provinciais, para as quais não existia tradição republicana. A nova
aristocracia imperial, entretanto, era quase que exclusivamente latina e
ocidental.
Roma solidarizava-se com as
províncias ocidentais, em face da influência monárquica e mística do Oriente. E
isso viria acentuar gravemente o dualismo do império.
NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 141.
PIRENNE, Jacques-Henri. Panorama da História Universal.
Difel/EDUSP: São Paulo, 1973. p. 111-114.
NOTA: O texto "O Império Romano sob os Césares e os Flavianos (14-96 d.C.)" não representa,
necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de
refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
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