Retrato mitológico da família de Luís XIV, Jean Nocret. Luís XIV, o "rei-sol", a quem se atribui a frase célebre, síntese do absolutismo: L'État c'est moi.
Acontecimento marcante da Era Moderna, o surgimento dos Estados nacionais na Europa se deu sob a forma da monarquia absoluta. A longa crise econômica e política dos séculos XIV e XV havia enfraquecido o poder local dos senhores feudais e das cidades que gozavam de certa autonomia, permitindo que fossem combatidos com crescente eficácia pelos reis, especialmente na França, Inglaterra, Portugal e Espanha.
Por "absolutismo", entretanto, não se deve entender um regime no qual o monarca governo sozinho, como se detivesse nas mãos a força política total e plena. Além de ouvir seus conselheiros, geralmente de origem nobre, os reis eram obrigados eventualmente a convocar Parlamentos ou assembleias gerais de representantes das várias camadas da sociedade, de acordo com a tradicional divisão em três "estados" ou "ordens" sociais: o clero, a nobreza e a burguesia. Essas assembleias tinham o direito de estabelecer leis ou de revogar as promulgadas pela Coroa e, principalmente, de aprovar aumentos de impostos ou a criação de taxas especiais, imprescindíveis para financiar as constantes guerras e outros empreendimentos custosos.
Para não ter de fazer as inevitáveis concessões em tais casos, os reis preferiam usar recursos do próprio tesouro ou criar outras fontes, como a venda de cargos administrativos e nobiliárquicos ou do direito a arrecadar impostos. Embora conseguissem deste modo permanecer às vezes muitos anos ou até décadas sem convocar os órgãos representativos, alguma circunstância de crise econômica ou nas finanças do Estado acabava obrigando-os a fazê-lo, o que podia inaugurar um período de conflito, como ocorreu na Inglaterra de 1640 ou na França de 1789.
Em que sentido, então, essas monarquias podem ser chamadas de "absolutas"? O termo refere-se basicamente à centralização do poder realizada nesta época em diversas dimensões da vida pública. Em primeiro lugar, tratava-se de formar um território unificado por onde se fizesse cumprir a autoridade real, combatendo, como já foi dito, as senhorias feudais e as cidades relativamente autônomas, ambas ciosas por preservar sua parcela de independência. Embora fossem vassalos do rei, conforme o ordenamento jurídico medieval, na prática elas se valiam das imensas dificuldades de transporte e de comunicação para desconhecer a vontade do suserano e continuar exercendo o poder local que o mesmo ordenamento feudal lhes outorgava. Só uma política tenazmente perseguida ao longo dos séculos, através de guerras internas e concessões habilmente feitas e depois retiradas, é que permitiu aos reis a obtenção gradual do controle de regiões mais distantes do núcleo original, no qual sua autoridade era reconhecida.
Além do enfrentamento direto de seus rivais, a estratégia para realizar a centralização variava conforme a situação. No caso da luta contra a aristocracia, porém, predominou uma espécie de aliciamento. Por um lado, a nobreza rural foi perdendo a capacidade militar de opor-se aos levantes camponeses de crescente envergadura, contando para isso com o auxílio das tropas reais, numa aliança fundamental para a sobrevivência feudal. Por outro lado, o fenômeno persistente da inflação durante o século XVI, associado ao afluxo de metais preciosos da América recém-conquistada, levou muitas casas aristocráticas de tradição medieval à falência, obrigando-as a vender seus domínios à baixa nobreza em ascensão ou a elementos da burguesia urbana, desejosa de enobrecimento pela posse de terras.
Tal processo revelou-se ainda mais forte na Inglaterra, onde as terras confiscadas da Igreja Católica pela Reforma Anglicana foram vendidas pela Coroa, numa forma de evitar a convocação do Parlamento. Surge aí uma nova aristocracia, a "gentry" (os gentis-homens), de origem frequentemente burguesa, iniciando um tipo capitalista de exploração de suas propriedades rurais e influenciando com essa mentalidade os remanescentes da velha aristocracia tradicional. Os títulos de nobreza necessários para o reconhecimento do status desse grupo eram concedidos ou vendidos pelo monarca, que gradativamente consolidou sua posição de fonte única do enobrecimento - privilégio que até então ele dividia com os senhores mais importantes, de acordo com os códigos de suserania da Idade Média.
Mesmo na França, onde era bem menor a relevância dos gentis-homens, também ocorria a venda de títulos nobiliárquicos e a ascensão de funcionários da Coroa, chamados justamente de "nobreza de toga". Com isso tudo, enfim, os reis concentram ao seu redor a aristocracia, em Cortes significativamente ampliadas. O exemplo mais brilhante desse movimento é a construção do palácio de Versalhes por Luís XIV em 1682, para onde levou os nobres, que passaram a gravitar alegremente em torno do "rei-sol". Consequência disso e de toda a reestruturação militar foi o progressivo desarmamento da aristocracia, que perde a função distintiva por ela possuída na tradição feudal. Ao processo de monopolização do enobrecimento pelo monarca, segue-se então o de monopolização da violência, isto é, o direito exclusivo do uso da força pelo Estado.
Quanto às cidades e suas burguesias de mercadores e mestres artesãos, a centralização do poder implicou retirar delas a autonomia para determinar a qualidade e a quantidade dos bens produzidos e comercializados. Essa autonomia, garantida na Idade Média pela fragmentação da autoridade, contraria a necessidade concentradora do Estado moderno e levou a um longo confronto de interesses entre este e os patriciados urbanos, às vezes muito poderosos. É quando se inicia o chamado "mercantilismo", política de regulamentação governamental da economia, que passa a ser concebida também como esfera política e não apenas privada. Paralelamente à integração política do território, acontece, portanto, a formação de mercados "internos" maiores, no âmbito de regiões cada vez mais amplas até configurar um todo nacional.
Contudo, deve-se observar que o poder central não extingue simplesmente as fronteiras e barreiras existentes; antes, ele as domina e mantém, passando a controlá-las e coordená-las em seu próprio benefício. É este o sentido dos "Regulamentos" das manufaturas francesas, por exemplo, instituídos em 1633 por Colbert, superministro da economia de Luís XIV. Mantidos por mais de um século, tais regulamentos conservaram as limitações típicas das antigas corporações de ofício e de comércio, estabelecendo a forma de produção, o número de mestres, aprendizes e assalariados de cada manufatura, bem como o tipo e a quantidade de cada produto e a esfera de sua comercialização.
E outros Estados europeus atravessaram processo semelhante de criação de "guildas" nacionais, às quais era acrescentado o enfraquecimento do poder econômico local e regional dos senhores feudais. Se tradicionalmente estes tinham o direito a cunhar moedas, a fixar pesos e medidas, a estabelecer taxas e a cobrar pedágio sobre a passagem de mercadorias por seus domínios, esses direitos são paulatinamente deles retirados e concentrados pela monarquia. Assim como a cunhagem de moeda e a fixação de medidas vão se tornando monopólio do Estado central, também isso ocorre com os pedágios, que continuam a existir, só que agora explorados pela Coroa, como é o caso mais claro da Alcabala na Espanha.
GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo: Contexto, 2012. p. 22-25.
Nenhum comentário:
Postar um comentário