Cena de prensa da uva. Tumba do escriba Userhêt, 1448-1422 a.C.
As atividades agrícolas eram o setor fundamental da economia
agrícola antiga. Nós as conhecemos bem, do ponto de vista da descrição, em
virtude das copiosas cenas representadas nas pinturas e relevos murais em
tumbas. A vida agrária se desenvolvia segundo um ciclo bastante curto, se
considerarmos as produções básicas - cereais (trigo duro e cevada em especial)
e linho -, em função das três estações do ano que eram típicas do país: a inundação (julho-outubro),
a "saída" ou reaparecimento da terra cultivável do
seio das águas, época da semeadura (novembro-fevereiro), e a colheita (março-junho).
Com a paralisação das atividades agrícolas durante a inundação, e
considerando-se que a colheita, realizada em abril e maio, terminava bem antes
que ocorresse a nova cheia do rio, vemos que o ciclo da agricultura básica
durava pouco mais de meio ano apenas. Isto quer dizer que era possível dispor
de abundante mão-de-obra para as atividades artesanais da aldeia, para trabalhar
nas instalações de irrigação, e para as grandes obras estatais (templos,
palácios, sepulcros reais, monumentos diversos).
Em certos casos, a semeadura era realizada antes que as
águas se retirassem totalmente, no barro semilíquido, fazendo-se que o gado
menor (ovelhas, cabras, porcos) passasse sobre o campo para enterrar as
sementes. Se quando se semeava a terra já estava seca, o arado e a enxada
serviam para recobrir o grão. A enxada também servia para quebrar os torrões de
terra [...]. Tanto o arado quanto a enxada egípcios eram instrumentos muito
simples e leves de madeira. Como entre a semeadura e a colheita se passavam de
quatro a cinco meses, durante os quais os campos dispensavam maiores cuidados
[...], os camponeses podiam se dedicar a cultivos mais intensivos, que exigiam
irrigação permanente [...]. Assim era praticada a horticultura, sendo
produzidos alho, cebola, pepino, alface e outras verduras e legumes; também
eram plantadas árvores frutíferas, e videiras. [...] o azeite de oliva era
importado.
Chegando a época da colheita, os talos do trigo e da cevada
eram cortados pelo meio com uma foice de madeira com dentes de sílex, enquanto
o linho era arrancado. Depois o cereal era pisoteado pelo gado maior para
separar o grão da palha, peneirado e guardado em celeiros de forma
grosseiramente cônica [...].
Os egípcios foram muito ativos nas suas tentativas de
domesticação de animais até o Reino Antigo. Chegaram a experimentar domesticar
hienas, antílopes, gruas e pelicanos! O gado maior - bois, asnos; o cavalo só
se difundiu sob o Reino Novo - servia em primeiro lugar para puxar o arado,
para separar os grãos da palha e para o transporte. O cavalo era usado para
puxar carros, e não montado. Vacas e bois eram usados também para a alimentação
(carne, leite) e sacrificados aos deuses. Os pastos se localizavam com
frequência nos pântanos ou seus arredores, sendo particularmente extensos no
Delta. [...] Tanto a criação de gado quanto a de aves (gansos, patos, pombos)
eram feitas em duas etapas. Numa primeira fase, os animais viviam em liberdade;
em seguida, alguns deles eram selecionados para a fase de engorda, durante a
qual eram cevados, às vezes à força. [...]
A agricultura e a criação eram complementadas pela pesca -
importante apesar de certas limitações religiosas ao consumo de peixe -,
praticada no Nilo, nos pântanos e nos canais com rede, anzol, nassa e arpão.
Boa parte dos peixes era secada ao sol. Também a caça era praticada no deserto
e nos pântanos, usando-se para tal o cão, o arco e o laço, e capturando-se aves
selvagens com redes. Finalmente, as terras pantanosas eram zonas de coleta de
papiro - para a alimentação e para produção de fibras de múltiplas utilidades.
A coleta compreendia também a madeira de qualidade má ou média disponível no
país (sicômoros, acácias, palmeiras etc.).
[...] O Egito era um dos "formigueiros humanos" do
mundo antigo, em virtude da sua extraordinária fertilidade renovada anualmente
pelos aluviões do Nilo. [...]
A atividade artesanal se desenvolvia, em primeiro lugar, em
função das matérias-primas fornecidas pelo rio e pelas atividades agrícolas e
de coleta: fabricação de tijolos e de vasilhame com argila úmida do Nilo [...];
fabricação do pão e da cerveja de cereais; produção de vinho de uva e de
tâmara; fiação e tecelagem do linho; indústrias de couro; utilização de papiro
e da madeira para produções diversas (material para escrever, cordas, redes,
embarcações, móveis, portas etc.). [...] o Egito dispunha, em terras submetidas
à sua jurisdição direta - as colinas que bordam o vale do Nilo, o Sinai, o
deserto oriental, a Núbia -, de rica provisão de pedras duras, usadas para
vasos, estátuas, construções religiosas e funerárias, de pedras semipreciosas
(turquesas) e de metais (ouro, cobre, chumbo). A madeira de boa qualidade para
construção naval e para uso nos palácios e templos era, porém, importada
(cedros da Fenícia, obtidos no porto de Biblos), como também a prata, o estanho
necessário para o bronze, a cerâmica de luxo, o lápis-lázuli e outros artigos.
[...] o artesanato de luxo, de alta especialização e qualidade excepcional -
ourivesaria, metalurgia, fabricação de vasos de pedra dura ou de alabastro,
faiança, móveis, tecidos finos, barcos, pintura e escultura etc. -,
concentrava-se em oficinas mais importantes, pertencentes ao rei e aos templos.
[...]
As tumbas do Reino Antigo mostram o pequeno comércio local
pela troca de produto por produto, e o pagamento in natura de
vários serviços. Em transações maiores e para o cálculo dos impostos (que eram
pagos em espécie), o padrão pré-monetário de referência eram pesos de metal (shat,
deben). Embora existisse alguma especialização produtiva regional (a cidade
de Mênfis concentrava a melhor metalurgia, o Delta era o principal centro
pecuário e vinícola etc.), e o Nilo permitisse um tráfego intenso de
embarcações, a circulação de produtos entre as diversas regiões do país
fazia-se administrativamente, segundo parece, sob o controle de funcionários
reais. Quanto ao grande comércio exterior, por terra e sobretudo por mar - com as
ilhas de Creta e de Chipre, com a Fenícia, com o país de Punt [...]
-, para importação de matérias-primas e artigos de luxo, tinha as mesmas
características da mineração e das pedreiras: organizava-se sob a forma de
grandes expedições ocasionais ordenadas pelo rei. [...] comerciantes -
localizados nos portos de Tebas, Akhetaton, Mênfis, Tânis - eram agentes
estrangeiros (sírios) a serviço do monopólio comercial do Estado.
[...] As atividades produtivas e comerciais, mesmo quando
não integravam os numerosos monopólios estatais, eram estritamente controladas,
regulamentadas e taxadas pela burocracia governamental. [...]
[...]
A base da mão-de-obra do antigo Egito eram os camponeses,
maioria absoluta da população. Viviam em aldeias, pagavam impostos ao Estado
[...].
Além da mão-de-obra ocasional fornecida pelos camponeses na
época da inundação, quando os trabalhadores agrícolas se paralisavam, as obras
públicas empregavam também trabalhadores permanentes, remunerados em espécie. A
Arqueologia revelou verdadeiras "cidades operárias" (por exemplo, na
necrópole tebana e em Tell el-Amarna). A escravidão teve certa importância
econômica nas minas e pedreiras estatais e, no Reino Novo, também nas terras
reais e dos templos. Houve igualmente tropas militares auxiliares constituídas
de escravos, e existiram escravos domésticos, às vezes numerosos. A economia
egípcia, no entanto, nunca foi "escravista" no sentido em que foi a
da Grécia clássica e helenística e a de Roma de fins da República e do Alto
Império.
A sociedade do Egito antigo tinha, no vértice da hierarquia
social, o rei, considerado um deus, o intermediário necessário entre seu povo e
os outros deuses. Ao contrário dos demais egípcios, o monarca podia ter
diversas esposas legítimas, além de numerosas concubinas. A família real
(normalmente numerosa), os sacerdotes e funcionários de alta hierarquia, as
grandes famílias provinciais, formavam uma aristocracia tendente à
hereditariedade. Esta situação ainda estava em gestação no Reino Antigo quando,
num Egito unificado surgido em virtude da conquista, as funções públicas [...]
eram a fonte direta e única do prestígio e da riqueza e o sacerdócio ainda não
se constituíra em casta [...]. No Reino Novo, uma verdadeira aristocracia
hereditária de funcionários, sacerdotes e altos chefes militares cercava o rei
e às vezes ameaçava seu poder. Há casos comprovados, embora esporádicos, de
renovação dos quadros aristocráticos com pessoas de origem humilde, podendo em
especial a carreira de escriba ou a militar abrir caminho à ascensão social
[...].
Numa situação social intermediária encontramos os numerosos
escribas e outros funcionários inferiores, e os sacerdotes de menor hierarquia,
além dos artesãos e artistas altamente especializados que estavam a serviço do
rei, dos templos e da corte.
Na larga base da pirâmide social, formando a maioria
absoluta da população, estavam os trabalhadores braçais, camponeses
majoritariamente analfabetos, submetidos a tributos e trabalhos forçados, à
arbitrariedade e corrupção dos funcionários e mesmo a castigos físicos. [...]
Em certas ocasiões, porém, explodiram terríveis sublevações. A mais célebre se
deu no Primeiro Período Intermediário, e segundo A. Moret teve forte influência
na evolução subsequente da situação das classes populares. Por outro lado,
conhecemos um caso de greve dos operários da necrópole real em fins do Reino
Novo, em virtude do atraso na entrega de suas rações de alimentos.
CARDOSO, Ciro Flamarion S. O Egito Antigo. São
Paulo: Brasiliense, 2010. p. 28-29, 32-36, 39-43.
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