[...] O espaço marítimo que se
estende desde as costas orientais da África até o sudeste asiático, penetrando
até o Mediterrâneo através do mar Vermelho e até o Oriente Próximo pelo Golfo
Pérsico foi, desde as origens da civilização, um lugar de freqüentes
navegações, favorecidas pela regularidade das monções que sopram de sul a norte
no verão e de norte a sul, no inverno, possibilitando percorrer longas
distâncias em embarcações à vela.
Há pelo menos sete mil anos, já
existia o tráfico marítimo no golfo Pérsico e, há cinco mil, a Mesopotâmia e a
civilização do vale do Indo comerciavam entre si. No início de nossa era, há
dois mil anos, havia, no Índico, uma densa rede de tráficos comerciais que ia
desde Madagáscar até o sul da China em um amplo mercado que comercializava
produtos da distante Europa (na Índia, encontraram-se objetos e moedas de ouro
procedentes de Roma), marfim da África, estanho da Malásia e sedas da China.
Esses intercâmbios alcançaram tal
importância que se pode afirmar que, entre 1250 e 1350, encontrava-se, ali, um
mercado mundial em pleno processo de formação, diferente do que a Europa
construiu em seu proveito a partir do século XVI, pelo fato de ser um sistema
“policêntrico”, não dominado por um só povo, mas, que admitia a participação,
em pé de igualdade, de europeus, asiáticos e africanos.
Num extremo deste mercado
mundial, estavam as cidades-estado do leste da África, como Kilwa, um povoado
com mesquitas e palácios, habitados por pessoas das mais diversas procedências,
que devia sua importância ao fato de controlar a produção de ouro do interior
africano (do reino de Guruswa ou Monomotapa, do qual se conservam as grandes
ruínas de Zimbawe, a “grande casa de pedra”). Os comerciantes de Kilwa chegavam
até o sudeste asiático, onde trocavam seus produtos com os da China.
Ruínas de Kilwa
No outro extremo desta rota,
estava a China, onde localizava-se uma cidade comercial que o viajante
muçulmano Ibn Batuta nos descreveu como sendo “a maior que meus olhos viram em toda
a terra, com uma extensão que equivale a uma caminhada de três dias”.
Compunha-se de seis recintos protegidos por uma grande muralha exterior: bum
viviam os judeus, os cristãos e os zoroastrianos, noutro, os muçulmanos.
Esta era uma época em que a China
diminuíra seu isolamento em que os grandes juncos, que transportavam até 400
passageiros, freqüentavam os portos do sul da Índia, comerciavam com a África
e, talvez, tenham chegado à Austrália. Entre 1405 e 1433, a “frota do tesouro”,
enviada pelo almirante eunuco Cheng Hô, fez sete grandes viagens ao golfo
Pérsico e até as costas da África. A “frota do tesouro” era um conjunto de
navios de carga, de abastecimento e de defesa, que chegou a levar 28.000
tripulantes, com dimensões globais não superadas até o século XX. [...]
Posteriormente, quando o comércio chinês retraiu-se, os contatos se realizaram
nos portos das cidades comerciais da Malásia e da atual Indonésia [...], onde
os produtos da China eram trocados com os levados pelos comerciantes muçulmanos,
que controlavam o comércio desde a Índia até as costas orientais da África.
Entre o século XIV e o XVI, estes
fluxos chegaram ao seu ponto máximo, num âmbito que estava dominado, em boa
parte, pela cultura islâmica. Os negócios compreendiam, ainda, mercadorias de
consumo comum – cobre, ferro, arroz, cavalos – transportadas em grandes
embarcações que levavam, também, numerosos peregrinos muçulmanos que iam a
Meca, hindus que se dirigiam a Benares, budistas em viagem ao Ceilão e,
inclusive, cristãos asiáticos que iam à Etiópia, seguindo as pegadas de Santo
Tomás.
Ao lado deste comércio marítimo,
havia, na Ásia, rotas terrestres que não só relacionavam estes países entre si
– a Índia com a China, por exemplo -, mas que cruzavam a Ásia central e
chegavam até os portos do Mediterrâneo oriental (o Levante) ou do mar Negro,
pelo caminho conhecido como “o da seda”, transportando muitos outros produtos e
conduzindo, também, outras mercadorias ao Oriente (no século XIII, os mongóis
não só importavam tecidos do Ocidente, mas instalaram artesãos muçulmanos na
China para que produzissem brocados de ouro). Nos portos ocidentais – desde a
colônia genovesa de Kaffa, no mar Negro, até Alexandria do Egito, visitada
frequentemente por catalãos, italianos e franceses – podiam-se encontrar
mercadorias de diferentes partes do mundo e escravos das mais distintas raças e
religiões. Um viajante sevilhano, Pero Tafur, nos deixou uma descrição de Kaffa
em 1435. Era uma grande cidade (duas vezes a de Sevilha, como nos disse) e muito
próspera, dedicada ao comércio de escravos, de peles, de especiarias e de pedra
preciosas. “Aqui, vendem-se” – disse Tafur – “mais escravas e escravos que em
todo o resto do mundo.” Os cristãos tinham bula do papa para comprar e manter
escravizados cristãos de muitas nações “para que não acabem em mãos de mouros e
reneguem sua fé”.
Porém, estas relações entre
Oriente e Ocidente não se limitaram ao caminho das caravanas pelas rotas dos
desertos, mas assentavam-se em redes comerciais solidamente estabelecidas: nas
colônias de armênios, instaladas nas cidades (desde Marselha ou Amsterdam até a
China) ou, nos séculos XVII e XVIII, na diáspora dos comerciantes indianos no
Irã (onde parece que chegaram a ser milhares), em Turan (a terra dos uzbekos) e
na Rússia, com uma forte penetração em Astrakan e posteriormente em Moscou.
No que se refere à África, o que
mais se assemelhou a um comércio intercontinental foi o das caravanas entre a
zona ao sul do Saara, de onde vinha o ouro de Gana, e os portos do Mediterrâneo.
Mais ao sul, na zona tropical, a falta de animais para conduzir carros e a
própria estrutura do território impediam o desenvolvimento de importantes
intercâmbios terrestres, exceptuando-se os que ocorriam entre o interior e a
costa. Isto explica que o comércio se efetuasse entre a África oriental, que
comerciava no Índico, e a ocidental, que o fazia no Atlântico. [...] As do
Atlântico eram muito diferentes: numa primeira etapa, estiveram sob o domínio
dos navegadores muçulmanos que trocavam os produtos do Saara pelos da Andaluzia
e do sul de Portugal, até que a perda das costas ibéricas abriu este espaço
marítimo aos portugueses primeiro e, depois, a outros comerciantes europeus que
buscavam, sobretudo, o ouro de Gana, até que, desde o século XVII, a crescente
demanda de mão-de-obra das plantações americanas converteu os escravos na mais
importante das exportações africanas (desde o final do século XIX, depois da
proibição do “tráfico”, passaria a ser o azeite de coco e o amendoim). Em troca
dos escravos africanos, recebiam, sobretudo, tecidos, artefatos metálicos,
armas e bebidas alcoólicas. Esta importações, contudo, nunca alcançaram um
volume que afetasse o desenvolvimento econômico africano, nem positiva nem
negativamente, sendo que esta situação não se alterou até a conquista colonial.
É a partir deste momento que se pode falar de uma situação de dependência que
se prolonga até o presente. A África desempenhou um importante papel no
surgimento do mercado mundial que a Europa configurou a partir da área do
Atlântico, porém dele não se beneficiou.
FONTANA, Josep. Introdução ao estudo da história geral.
Bauru: EDUSC, 2000. p. 145-151.
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