Antes de chegar à escravidão negra, a História do Brasil, já em seu primeiro século, registra a utilização do trabalho do índio. Interessados logo nos chamados produtos tropicais - notadamente o pau-brasil -, os membros das primeiras expedições tratavam de conseguir, em troca de algumas quinquilharias, a força de trabalho indígena.
Enquanto os produtos oferecidos pelos portugueses atraíam os índios, o sistema de trocas funcionava bem: o pau-brasil e os alimentos desejados eram conseguidos. Seja, porém, pelo ritmo de trabalho dos índios, seja pelo seu desinteresse total em servir os portugueses uma vez satisfeita a curiosidade pelos produtos europeus, o escambo não mais resolvia a necessidade dos comerciantes lusitanos.
Partia-se, então, para a escravização do índio.
Embora seja difícil aferir a extensão do regime escravista completo para a mão-de-obra indígena no Brasil (com as características de perplexidade, transmissão hereditária por via materna e irrestrita alienabilidade), não há dúvida de que não se tratou de casos esporádicos como se poderia pensar, mas de algo regulamentado pela Coroa portuguesa e que atingiu caráter amplo no espaço e no tempo. É verdade que a legislação variou bastante, estabelecendo inúmeras restrições à escravidão do índio [...].
As guerras justas, por exemplo, eram aquelas que deviam ser travadas - uma vez autorizadas pela Coroa e pelos governadores - em legítima defesa contra tribos antropofágicas. Nelas se justificava tomar escravos [...].
[...] a força de trabalho do índio é considerada um bem que à falta de outros lhe será tomado como botim de guerra, pelos soldados. Estes, por sua vez, farão do índio o seu soldo. E tudo isso considerado justo por teólogos e letrados cronistas.
Caçador de escravos, J. B. Debret
As expedições de apresamento, que celebrizariam os paulistas, tinham por objetivo expresso a caça ao índio. A se confiar nos números geralmente apresentados, cerca de trezentos mil indígenas foram aprisionados e escravizados, dos quais uma terça parte transportada para outras capitanias.
Várias outras formas de escravidão ocorreram, umas formais, outras informais, inclusive a escravidão voluntária. Com suas formas de existência desestruturadas, frequentemente o índio via-se obrigado a se vender ou a entregar algum familiar em troca de um prato de comida.
A legislação portuguesa permitia também a escravização de filhos de negros com índios. Uma vez atraído a um engenho, o índio, na prática, ficava retido e seu filho era formalmente escravo. Já em pleno século XVIII há documentos que se referem a prisão de índios vagabundos e sua remessa a proprietários de terra. É fácil perceber que por índio vagabundo designa-se o índio livre e que sua escravização tornava-se corolário de seu aprisionamento.
Como se pode ver eram diversas as maneiras pelas quais se reduzia o índio à escravidão completa. Além disso, havia outras formas compulsórias de extração da força de trabalho indígena, como a "administração", as reduções jesuíticas e até mesmo o assalariamento.
Com frequência esses sistemas impunham regime de trabalho mais severo do que a escravidão propriamente dita. Um sistema muito curioso era imposto aos índios das missões: durante um semestre, serviam nas próprias aldeias e no outro atendiam às necessidades dos moradores. O salário era predeterminado e todos, de 15 a cinquenta anos, deviam prestar esse trabalho.
Sem nenhuma responsabilidade - e sem nenhum custo inicial - cada patrão procurava extrair do índio o máximo - não respeitando limites de horário nem para carga de trabalho. Assim, além de deslocado do seu ambiente e sujeito a doenças comuns ao europeu, mas arrasadoras para si, o índio via-se submetido a condições de vida e de trabalho terríveis, o que terá contribuído, enormemente, para a queda da população indígena em áreas de "colonização" branca.
PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. p. 17-18, 20.
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