"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Revolução Russa

"Uma verdadeira, profunda revolução popular é um processo tremendamente angustiante em que morre uma velha ordem social e nasce outra nova, uma nova forma de vida para dezenas de milhões de homens. A revolução é a mais intensa, a mais violenta, a mais desesperada guerra de classe e guerra civil. Nenhuma grande revolução da história cumpriu-os sem guerra civil [...]".
(Lênin sobre a revolução)

A Europa estava em guerra...


Os contemporâneos tomaram conhecimento da Paz de Brest-Litovsky, assinada em março de 1918, entre a Rússia e a Alemanha.

O que significava este fato?

Para os Aliados era a saída de um membro da Tríplice Entente da guerra. Seria apenas isso?

Não. Rompia-se mais um laço da Rússia com o mundo ocidental capitalista. A Revolução já se processara na Rússia: a Revolução Socialista.

O desmoronamento do Império Russo iniciou-se no momento em que a guerra ainda não havia sido decidida nos campos de batalha da Europa: na frente ocidental os exércitos se imobilizavam nas trincheiras, e na frente oriental enormes contingentes de soldados russos eram destruídos pela ofensiva alemã.

No entanto, as origens da Revolução Russa devem ser procuradas nas estruturas políticas e socioeconômicas da Rússia pré-revolucionária: monarquia absoluta - czarismo -, acentuada crise socioeconômica, tudo se agravando com a passagem do feudalismo ao capitalismo.

Nesse contexto surgiram os partidos políticos de oposição que, desenvolvendo-se na clandestinidade até 1905, contribuíram para o agravamento das contradições e, consequentemente, para a crise. O governo, por sua vez, mostrava-se incapaz de enfrentar a crise, principalmente quando o império entrava em guerra. Tudo se mostrava bastante propício para o início da Revolução... mas para a implantação do socialismo muitas coisas precisavam ser feitas.

Em 1905 ocorreu o "Ensaio Geral" e algumas concessões foram arrancadas do czar: o direito de voto, uma Assembléia (a Duma), ao mesmo tempo em que surgia nova forma de organização, o soviete.

O que eram os sovietes? Eram conselhos de representantes operários, camponeses e soldados.

Durante o império, o proletariado, abandonando as simples greves de reivindicações econômicas, passara a promover manifestações de cunho político, como a do dia 1º de maio de 1900, na cidade de Kharkov: uma verdadeira manifestação política de massa - dez mil operários - exigia a jornada de oito horas de trabalho e liberdades políticas.

Quando, em janeiro de 1905, multidões de manifestantes desarmados foram fuzilados nas ruas de Petrogrado (atual São Petersburgo), extinguiu-se, em definitivo, a fé na "boa vontade" do czar.

Foi então que o movimento operário galgou mais um degrau. As comemorações de 1º de maio de 1905 evoluíram para grandiosa manifestação de solidariedade do proletariado... De maio até fins de julho a greve não havia terminado ainda e os operários, com o objetivo de melhor dirigir a greve, criaram, pela primeira vez, o seu Soviete de Deputados, isto é, o Conselho de Representantes Operários, logo transformado em novo poder revolucionário.


Greve geral,  junho de 1905

A luta pela Revolução Socialista far-se-ia através desses sovietes, onde os bolchevistas, manchevistas e socialistas revolucionários procuravam liderá-los.

Um fato veio acelerar o processo revolucionário: a Rússia entrou na Primeira Guerra Mundial e o país, despreparado para os esforços de guerra, teve seus problemas agravados, o que se evidenciava na Duma, onde a oposição se fortaleceu.

Os movimentos grevistas cresciam e provocavam choques entre o povo e a polícia, mas uma parte do Exército uniu-se aos manifestantes e o poder czarista desmoronou. Foi a Revolução de Março de 1917.

No entanto, esta ainda não era a Revolução Socialista. Veja o que John Reed, jornalista que participou dos acontecimentos revolucionários e do dia a dia com o povo e seus líderes, escreveu sobre a Revolução de Março em seu livro Dez dias que abalaram o mundo:

"Durante os primeiros meses do novo regime, com efeito, não obstante a confusão que se segue a um grande movimento [...], a situação interior, bem como a força combativa dos exércitos, melhorou sensivelmente.

Mas essa 'lua de mel' teve curta duração. As classes dominantes pretendiam uma alteração unicamente política que, tirando o poder do czar, passasse para as suas mãos. Queriam fazer na Rússia uma revolução constitucional, segundo o modelo da França ou dos Estados Unidos, ou então uma monarquia parlamentar, como a da Inglaterra. Ora, as massas populares queriam, porém, uma verdadeira democracia operária e camponesa."

John Reed mostra-nos também o estado de espírito dos trabalhadores russos naquele momento, através de um trecho do livro A mensagem da Rússia, de William E. Walling:

"Os trabalhadores compreendiam bem que, mesmo sob um governo liberal, eles se arriscariam a continuar morrendo de fome, se o poder ainda permanecesse nas mãos de outras classes sociais.

O operário russo é revolucionário [...]. Está disposto a levar até o fim a luta contra seu opressor, a classe capitalista [...].

Os trabalhadores russos reconhecem que nossas instituições políticas (norte-americanas) são preferíveis às deles, mas não querem trocar um despotismo por outro (o da classe capitalista)".

Foi nesse clima que se desenvolveu na Rússia, depois da Revolução Burguesa e no próprio curso da Primeira Guerra Mundial, a Revolução Socialista. Controlando os principais sovietes, os bolchevistas prepararam a Revolução Socialista. O líder dos bolchevistas, Vladimir Ulianov (Lenine), estava exilado na Suíça quando explodiu a Revolução de Março. Nas memórias de Yakov Guenetzkov encontramos relato sobre os planos de Lenine para voltar à Rússia; descrevendo sua partida, mostra-nos a esperança que depositavam em Lenine: 

"[...] eis que é chegada a hora de tomar o trem [...] enviamos ao grande líder nossos últimos cumprimentos e pensamos: 'Ele há de colocar a revolução sobre os trilhos certos' [...]" (Citado por NENAKOROV, A. 1917: A Revolução de mês a mês. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. p. 45-46)

Enquanto isso, a 4 de julho teve início, em Petrogrado, uma passeata com mais de meio milhão de manifestantes. Suas faixas diziam: "Fora com os ministros capitalistas", "Todo poder aos Sovietes de Deputados, Operários, Soldados e Camponeses".


Início da revolução,  julho de 1917

Como já ocorrera no ano de 1905, houve cenas de tiroteio contra a passeata pacífica. O Governo Provisório, contando com o apoio dos menchevistas e socialistas revolucionários, convocou cossacos para esmagar a manifestação das massas e fechar os jornais bolchevistas.

A luta estava declarada. O Governo Provisório foi deposto e os bolchevistas assumiram o poder. Os homens que tomaram o poder em 1917 procuraram, em atos e palavras, criar um novo tipo de sociedade que existia apenas na mente de seus adeptos até então. 


Operários e camponeses tomam o Palácio de Inverno em Petrogrado, novembro de 1917

No resto do mundo, a amplitude do fenômeno só foi totalmente compreendida no pós-guerra. Na Rússia, no entanto, os protagonistas da Revolução percebiam claramente sua importância. É John Reed que, descrevendo uma reunião do Comitê Central Executivo dos Sovietes, mostra-nos o pronunciamento da mulher, segundo ele, mais poderosa e amada da Rússia, Maria Spiridonova:

"Os operários da Rússia têm diante de si perspectivas históricas até agora desconhecidas. Todos os movimentos revolucionários do proletariado, até o presente, foram derrotados. O movimento atual é internacional. Eis porque é invencível. No mundo inteiro, não há força capaz de extinguir este incêndio revolucionário. O velho mundo desmorona-se e um novo mundo nasce."

Seu pronunciamento foi seguido pelo de Trotsky, que, complementando-o, afirmou:

"De hoje em diante todas as terras da Rússia têm um único dono: a união dos operários, camponeses, soldados e marinheiros!"


"Camarada Lênin limpa a terra dos canalhas", cartaz soviético de 1920

A Europa, quando tomou conhecimento de tudo isso, estava mergulhada em crises. Era um campo aberto para ideias revolucionárias e, a partir daí, a "estrela", além de ter "perdido seu brilho" com a Primeira Grande Guerra, debatia-se ante as tentativas revolucionárias de tomada de poder nos moldes bolchevistas. E, com a Segunda Grande Guerra, alguns países passariam a integrar o campo socialista.

AQUINO, Rubim Santos Leão de et alli. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2010. p. 362-365.

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