Menestréis da Cantiga de Santa Maria. Anônimo espanhol.
[A cultura medieval] A Igreja Católica foi presença fundamental na cultura da Idade Média. Sua influência dava-se em praticamente todos os setores da vida cotidiana, constituindo-se na grande instituição da época. Os ditames do catolicismo regulavam as relações sociais, e a visão de mundo teocêntrica era dominante. À Igreja coube ainda o importante papel de depositaria de grande parte dos escritos da Antiguidade Clássica.
Durante muito tempo a Idade Média foi chamada de "Idade das Trevas", pois atribuía-se à cultura medieval um caráter obscuro. Hoje sabemos que essa visão é errônea e deveu-se, em boa medida, ao preconceito de alguns pensadores do Renascimento, que perdurou por séculos.
Embora o pensamento cristão fosse hegemônico, havia resistências. Algumas práticas profanas muitas vezes impregnavam as próprias práticas cristãs, como acontecia, por exemplo, com as festas da Páscoa e do carnaval. O papel do clero tinha grande relevância social, pois ele funcionava como formulador e divulgador da concepção cristã de mundo, segundo a qual o homem era a criação divina mais importante, feito à imagem e semelhança de Deus, e devia obediência aos ensinamentos e às normas estabelecidas pela Igreja. Os mosteiros eram os grandes centros de estudo e de educação. Os monges asseguravam a manutenção dos manuscritos, preservando a herança da cultura clássica, mas ao mesmo tempo censuravam aquilo que podia ameaçar a concepção teocêntrica. Esse controle dificultava o acesso a um conhecimento crítico e ajudava a preservação de uma ordem social profundamente hierarquizada.
A relação dos homens com a natureza, sobretudo no período da Alta Idade Média, era bem diferente da estabelecida nos tempos modernos. Conta o historiador Marc Bloch:
"A paisagem rural, onde os matos ocupavam espaços tão importantes, apresentava de um modo menos sensível a marca humana. Os animais ferozes, que apenas povoam os nossos contos para crianças, os ursos, os lobos, especialmente, vagueavam por todos os lugares desertos e, por vezes, até nos próprios campos cultivados [...] No que diz respeito aos utensílios, a madeira tinha um lugar preponderante. As noites, mal iluminadas, eram mais escuras, o frio, mesmo nas salas dos castelos, mais rigoroso [...]"(A sociedade feudal. Lisboa: Edições 70, 1987. p. 90)
Esta maior proximidade com a natureza, presente no cotidiano, significava também uma maior dependência dos seus ciclos. A natureza era outra obra de Deus, da sua bondade e onipotência.
[...] O Tribunal da Inquisição, criado em 1223, encarregava-se de fazer valer as concepções da Igreja. Era temido pelos intelectuais que optavam pela crítica e pela dúvida. Em um mundo definido pela onipotência de Deus, era um grande risco desconfiar do seu poder e de quem o representava aqui na Terra. A filosofia de Aristóteles era aceita com limites, uma vez que o mais importante era o sagrado, a fé, a hierarquia religiosa. Em nome da vontade de Deus a Igreja fazia valer sua força política.
O latim era a língua usada pelas elites culturais, mas isso não impediu o surgimento das chamadas línguas nacionais. A partir do século XI, elas começaram a se consolidar, destacando-se na literatura épica, dedicada aos atos heróicos dos cavaleiros. A canção de Rolando (francesa), A canção dos Nibelungen (alemã), o Poema del Cid (espanhol) são exemplos desse tipo de literatura, que teve importância para a afirmação da identidade nacional. Outra expressão literária ligada à cavalaria foi o trovadorismo. A literatura trovadoresca cantava o amor romântico, o amor cortesão, exaltava as mulheres, deixando de lado os temas de luta e guerra. São conhecidos também os romances que se inspiraram nas aventuras dos cavaleiros e nos seus amores. Os romances com inspiração no rei Artur, que contam as histórias dos Cavaleiros da Távola Redonda, são os mais famosos, tendo circulado por toda a Europa.
Do período mais ligado ao crescimento das cidades há os fabliaux, romances que criticam os costumes feudais e o cristianismo. Revelam que o feudalismo enfrentava dificuldades para se manter, e que seus valores já não atendiam às mudanças sociais. Mas as duas obras que mais se destacam na literatura medieval são: Histórias de Canterbury, do inglês Geoffrey Chaucer, e a Divina Comédia, do florentino Dante Alighieri (1265-1321). Chaucer descreveu, com leveza e humor, a vida do seu tempo, tomando como tema 29 peregrinos que visitaram o santuário religioso de Canterbury. Dante é considerado a maior figura literária da Idade Média. Na sua obra retrata, com maestria, a vida medieval, além de cantar seu amor por Beatriz. Precursos do Renascimento, Dante escrevia em latim e em italiano, o que era uma inovação. Atribui-se a ele a criação do italiano moderno.
A música teve grande influência religiosa. O cantochão - também chamado canto gregoriano - era o mais conhecido. Exemplo de música sagrada, era cultivado nos mosteiros. Mas havia também os trovadores e os menestréis, que tinham grande aceitação popular, pois cantavam nos idiomas nacionais. Seus temas épicos e ligados ao amor cortesão firmaram uma tradição oral que marcou a cultura popular da Baixa Idade Média. Isso demonstra que a cultura medieval não era produzida apenas pela elite.
A arquitetura é considerada a maior expressão da arte medieval, e mais uma vez a religião mostra a sua presença. Dois grandes estilos predominavam: o românico e o gótico. O primeiro destcaou-se no século XI e era usado na construção de igrejas, castelos e mosteiros. Mais ligado à simplicidade da vida rural, caracterizava-se pelos arcos redondos, janelas pequenas e paredes maciças. O gótico predominou no final do século XII e em todo o século XIII, e simbolizou as mudanças que aconteciam na Europa, anunciando o enfraquecimento do feudalismo. Era um estilo marcadamente urbano, em que se destacavam a leveza e a verticalidade das construções, nas quais predominavam os espaços vazados, preenchidos por vitrais (janelas imensas com mosaicos de vidro colorido). Essas características eram propiciadas pelo emprego do arco ogival e das abóbodas em aresta, conquistas arquitetônicas resultantes de uma engenharia mais sofisticada. As igrejas tornavam-se assim imponentes e destacavam-se sobre os demais edifícios da cidade. REZENDE, Antonio Paulo e DIDIER, Maria Thereza. Rumos da história: história geral e do Brasil. São Paulo: Atual, 2005.
[O intelectual medieval e o humanista renascentista] Assim os humanistas abandonaram uma das tarefas capitais do intelectual, o contato com a massa, a ligação entre a ciência e o ensino. Sem dúvida que a Renascença, a longo prazo, trará à humanidade a colheita de um trabalho orgulhoso e solitário. A sua ciência, as suas ideias, as suas obras-primas, alimentarão mais tarde o progresso humano. Mas o primeiro momento é uma retirada, um recuo. Essa situação prolonga-se até à imprensa, que talvez não tenha favorecido, logo de início, senão ao retraimento de difusão do pensamento. Os que sabem ler - um pequeno escol de favorecidos - estão satisfeitos [...]. nada mais impressionante que o contraste entre as imagens que representam a trabalhar o intelectual da Idade Média e o humanista (do Renascimento).
Um é professor, surpreendido a ensinar, rodeado de alunos, cercado pelos bancos onde se comprime o auditório. O outro é um erudito solitário, no seu tranquilo gabinete, à vontade no meio do quarto desafogado e opulento, onde se movem livremente seus pensamentos. Aqui é o tumulto das escolas, a poeira das salas, a indiferença pela decoração do trabalho coletivo. Ali tudo é ordem e beleza. Luxo, calma e voluptuosidade. LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. Lisboa: Estúdios Cor, s.d. p. 174-175.
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