"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Contribuições da colonização italiana no Brasil

A saída dos imigrantes (detalhe), Angiolo Tommasi

As primeiras tentativas de imigração italiana, no Brasil, não foram bem sucedidas, pois faltou-lhe o necessário apoio. Foi somente quando o governo imperial tomou certas providências para incentivar a vinda de colonos que uma larga corrente migratória, oriunda do norte da Itália, começou a dirigir-se para o Estado do Rio Grande do Sul, ocupando uma extensa área de terras, entre o rio Caí, os campos de Vacaria e o município de Triunfo.

Reunião de uma família de imigrantes em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, 1928. Fotógrafo desconhecido

Estabeleceram-se em zona montanhosa, inicialmente nas colônias Dona Isabel (atual bento Gonçalves), conde d'Eu (atual Garibaldi), e na área denominada Campo dos Bugres (atual município de Caxias do Sul). De Porto Alegre, onde desembarcavam, seguiam de barco ao longo do rio Caí, até a raiz da serra. De lá subiam, a princípio a pé, mais tarde em lombo de burro até as terras que lhes eram destinadas.


Fundo de quintal com menina, Bento Gonçalves, região de colonização italiana, Pedro Weingärtner

Lutaram os italianos, persistentemente, contra condições que lhes dificultaram bastante o trabalho agrícola e a vida cotidiana, solo pouco fértil, escassez de cursos de água, falta de estradas e isolamento quase total. As propriedades consistiam em pequenos lotes de 250 metros de frente por mil metros de fundo. Nesses lotes os colonos, habituados a alimentar-se de pão, polenta e vinho, começaram a cultivar o trigo, milho e uva. Logo que obtinham lucro com as lavouras e faziam algumas economias, os chefes de família, especializados em algum ofício, dirigiam-se para os povoados, deixando o trabalho dos campos aos cuidados da família. Na vila, exerciam sua profissão, abrindo selarias, funilarias, ferrarias, moinhos, pequenos negócios de presuntos e salames, serrarias, carpintarias.

Colonos italianos expõem seus produtos, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, ca. 1918. Fotógrafo desconhecido.

As primeiras casas foram construídas de pedras toscas, à moda das habitações camponesas italianas: paredes grossas, janelas estreitas, altos porões. À medida em que as matas iam sendo derrubadas e as serrarias começaram a surgir, as casas de pedra foram substituídas pelas de madeira, geralmente pintadas em tons de amarelo, verde ou marrom. Sendo o clima serrano frio e úmido, os colonos italianos não adotaram a varanda, tão peculiar às casas brasileiras e à zona de colonização alemã. As casas eram altas, com largos porões na parte de baixo, onde eram guardadas as carretas e as ferramentas. Quando se desenvolveu o cultivo da uva, esses porões passaram a servir de cantina, local de fabricação e conservação de vinho em pipas e barris. Pequenos pastos, paiol, estábulos, horta, pomar e jardim circundavam obrigatoriamente as casas.


Casa de pedra em Nova Veneza, marco da colonização italiana

A roupa de uso diário dos colonos manteve-se durante muito tempo semelhante à roupa usada nos campos italianos, principalmente o pano de cabeça, para as mulheres, e o lenço no pescoço, para os homens, continuou e continua sendo usado nas zonas rurais.

Também a culinária italiana conservou-se integralmente nessa zona de colonização: a polenta e o macarrão feito em casa são pratos diários. Dos gaúchos, os descendentes dos colonos italianos assimilaram o gosto pelo churrasco e dos imigrantes alemães vizinhos adotaram o hábito de comer geleias de frutas e doce em pasta.

Uma família de imigrantes italianos, ca. 1900. Fotógrafo desconhecido

A influência italiana sobre nossa cozinha é acentuada nas regiões sul do Brasil, e muito marcante no Estado de São Paulo, para onde uma segunda e numerosa corrente migratória de italianos, do sul da península, se dirigiu logo após os primeiros anos da República, e até o começo do século XX, quando o governo italiano proibiu a saída em massa de imigrantes.

No Estado de São Paulo os colonos concentraram-se, de início, na zona cafeeira, nas grandes fazendas, onde substituíram o trabalho escravo pelo trabalho renumerado. Em seguida, como ocorreu no Sul, os imigrantes especializados em algum ofício foram atraídos para os centros urbanos, aí dando início a pequenas fábricas, algumas das quais se tornaram, em pouco tempo, verdadeiras potências.


Italianos em São Paulo, ca. 1890. Foto de Guilherme Gaensly. 

Abriram assim caminho, no Rio Grande do Sul e em São Paulo, para grandes indústrias metalúrgicas, vinícolas, alimentícias, de fiação e tecelagem, que tanto contribuíram e ainda contribuem para o progresso e o desenvolvimento do país.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História do Brasil: da independência aos nossos dias. São Paulo: Nacional, 1980.

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